UOL - O melhor conteúdo
Lupa
Como as desinformações nascem, crescem e como matá-las
08.06.2022 - 08h00
Rio de Janeiro - RJ
O áudio de um humorista imitando um político, uma corrente em formato de texto falando sobre perigos de comer carne devido a um surto de vaca louca nos açougues de uma cidade fluminense ou a imagem de um banner em um ponto de ônibus chamando um governador de ditador são exemplos encontrados nos últimos tempos. Mas há de se ter cautela em trabalhar com um conceito tão amplo como esse, afinal o áudio do comediante era uma piada enquanto os demais exemplos foram produzidos com a intencionalidade de criarem mazelas sociais.
Por esse motivo, para produzir um efeito prático no combate à desinformação é necessário ter clareza sobre sua taxonomia tal como aquela aplicada na distinção dos seres vivos em biologia. É necessário identificar, nomear e classificar cada um dos conteúdos desinformativos, inclusive para entender quais estratégias funcionam de maneira focalizada. Não há um único tipo de resposta para as desinformações porque não há um único tipo delas.
De acordo com Claire Wardle, autora do First Draft, organização de luta contra a desinformação online, é possível pensar em um ecossistema da área baseado em três princípios, que podem ser identificados em maior ou menor grau em quatro gêneros de conteúdo. Veja no quadro abaixo:
Perceba como a “Falsa Conexão”, o “Falso Contexto” e a “Manipulação do Conteúdo” são ferramentas que desinformam, mas, muitas vezes, sem a intenção. Criar uma falsa conexão como a que pode acontecer com o site Sensacionalista, fazendo a paródia de um acontecimento, se transformar em informação viral e, por desconhecimento da natureza do portal da Internet, ser interpretado como dado factual. Porém, com um pouco mais de atenção no próprio site, é possível notar indicativos de que o conteúdo em questão é, na verdade, uma peça de humor sem a menor intenção de trazer alguma mazela social.
Por outro lado, um áudio com uma voz muito similar a de um candidato a prefeito do Rio viralizou em Whatsapps de taxistas dizendo que iria privilegiar os motoristas de aplicativo e não dar benefícios aos motoristas de táxi. Esse tipo de conteúdo é totalmente fabricado com a intenção de prejudicar uma das partes em um pleito.
É importante frisar que os conteúdos desinformativos não são exclusivos do universo político. Ganham terreno em outras áreas a partir do momento em que conquistam a adesão de grupos e estratos da sociedade. Hoje, já existem pesquisas que mostram como a desinformação ganhou espaço durante a pandemia do Novo Coronavírus , no debate envolvendo medicamentos supostamente milagrosos contra a Covid-19, nas questões relacionadas às queimadas do Pantanal ou ainda a já “clássica” teoria sobre a terra ser plana.

O desafio do combate à desinformação se ampliou e está acontecendo em correntes nas redes sociais sem autores, em áudios falsos cuja difusão e a origem são dificilmente identificáveis e em algoritmos de plataformas - não dispostas ao diálogo - que engajam conteúdo enganador.

Como criar estratégias de combate nesse novo cenário?

A leitura desses estudos e a observação do fenômeno da desinformação mostram que é fundamental distinguir as fases dessa propagação. Para um exame taxonômico, não se pode colocar na mesma categoria aqueles que propagam algum texto equivocado nas redes sociais sem a intenção de prejudicar, e aqueles que produzem e criam instrumentos para difundir com a finalidade intencional de desviar do bom debate público.

Como distinguir os diferentes tipos de desinformação?

A leitura desses estudos e a observação do fenômeno da desinformação mostram que é fundamental distinguir as fases dessa propagação. Para um exame taxonômico, não se pode colocar na mesma categoria aqueles que propagam algum texto equivocado nas redes sociais sem a intenção de prejudicar, e aqueles que produzem e criam instrumentos para difundir com a finalidade intencional de desviar do bom debate público. Em outras palavras: os parentes nos grupos de família no Whatsapp desinformam, mas o foco no combate à desinformação não deve estar neles. Os esforços nessa luta devem ser destinados, isto sim, aqueles que produzem o conteúdo, lançando mão de mecanismos de automação, como bots e disparo em massa via redes sociais e aplicativos de mensagens, e que têm interesses concretos e são beneficiados por tal prática.
Nesse sentido, o processo de identificar, nomear e classificar as desinformações é necessário para saber como combatê-las. A essa altura, me permito compartilhar de um relato pessoal: quando a Lupa foi fundada em 2016, o objetivo era melhorar o discurso público e fazer checagens de dados proferidos por prefeitos, governadores e presidentes no intuito de que eles ajustassem suas declarações com informações corretas. Anos depois, o desafio do combate à desinformação se ampliou e está acontecendo em correntes nas redes sociais sem autores, em áudios falsos cuja difusão e a origem são dificilmente identificáveis e em algoritmos de plataformas - não dispostas ao diálogo - que engajam conteúdo enganador. Por esse motivo, esse fenômeno se ampliou em suas categorias, conforme mostra esta divisão proposta pelo First Draft:
  • Desinformação: conteúdos fabricados e deliberadamente manipulados que podem ir desde audiovisuais até teorias da conspiração;
  • Misinformation: erros não intencionais manifestados em legendas de fotos, datas, estatísticas, traduções impróprias ou em sátiras, quando levadas a sério enquanto conteúdo informativo-noticioso.
  • Malinformation: publicações deliberadas de informações privadas para fins pessoais ou corporativos em detrimento de interesse público, como pornografia de vingança; publicações com mudança deliberada de contexto, data ou hora do conteúdo genuíno.
A complexidade do tema deixa nítido o porquê de entendermos o motivo pelo qual as pessoas se deixam levar por conteúdos desinformativos, apesar de muitas vezes possuírem instrumentos para discernir se determinada informação é correta ou não. Um trabalho dos pesquisadores Joseph Kane e Benjamin Bowyer, das Universidades da Califórnia e de Santa Clara, nos ajuda a compreender ainda melhor o tema. Eles aplicaram um questionário em mais de dois mil jovens. Em um primeiro momento, existia um questionamento sobre um tema e três ponderações sobre ele. O assunto tratava do aumento ou não de impostos - sempre com dois grupos separados para a análise: um a favor e um contra. O primeiro conjunto de argumentos tinha tom passional, com uma frase de efeito sobre o tema e com uma figura em destaque para a defesa de ambos. O segundo trazia um gráfico com uma fonte oficial citada, mas cada uma de origem diferente apesar dos elementos visuais serem bastante similares. E o terceiro apresentava dois argumentos falsos, um a favor, um outro contra, feitos de forma exagerada.
Em paralelo, o estudo também fazia perguntas sobre a crença dos participantes, e o cruzamento dos resultados mostrou que a maioria dos jovens deu crédito às informações totalmente falsas quando alinhadas às suas convicções. Quando não alinhadas, a taxa era muito menor. Levantamentos como esse demonstram que existe uma barreira no combate à desinformação. Por isso, somente levar a informação correta, perante uma pluralidade de desinformação, não é o suficiente.
Nesse cenário, alguns esforços podem e devem ser considerados. Os próprios pesquisadores citam a educação midiática como um dos principais pontos a serem investidos para combater esse fenômeno. Também não se pode esquecer que a própria checagem mudou e ampliou seus horizontes para além da confrontação de discursos públicos com dados oficiais, passando a realizar verificações de conteúdos virais na Internet. Em resumo, todos esses esforços devem ser considerados em diferentes frentes e fortalecidos juntos, já que a desinformação se apresenta como problemática transversal em diferentes manifestações e setores da sociedade atual
Clique aqui para ver como a Lupa faz suas checagens e acessar a política de transparência
A Lupa faz parte do
The trust project
International Fact-Checking Network
A Agência Lupa é membro verificado da International Fact-checking Network (IFCN). Cumpre os cinco princípios éticos estabelecidos pela rede de checadores e passa por auditorias independentes todos os anos.
A Lupa está infringindo esse código? FALE COM A IFCN
Tipo de Conteúdo: Artigos
Copyright Lupa. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização.
Lupa © 2024 Todos os direitos reservados
Feito por
Dex01
Meza Digital