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Homeschooling e os problemas de limitar a educar em casa
23.06.2022 - 09h24
Rio de Janeiro - RJ
Por Henrique Fontes, da Pace Educação
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O homeschooling é uma modalidade de ensino em que crianças e adolescentes têm a educação formal dentro de suas próprias casas, sendo os seus pais ou professores contratados os responsáveis por conduzirem as aulas e os processos educacionais. Após dois anos de pandemia, é importante frisar que o homeschooling não é sinônimo de educação remota, já que esta última possui mediação da escola, enquanto a educação familiar, não.
Por que estamos discutindo esse tema?
A discussão sobre essa modalidade voltou aos holofotes após a Câmara dos Deputados aprovar o projeto de lei 1.338/2022 que regulamenta a oferta de ensino domiciliar da educação básica. Atualmente, o PL está no Senado Federal, onde encontra resistências para ser chancelado. O atual relator do projeto na Casa, o senador Flávio Arns (Podemos-PR), requisitou uma série de audiências com especialistas para entender o tema e já afirmou que quer que o debate não seja contaminado pelas eleições majoritárias de outubro.

- Direito constitucional à educação no Brasil
- Impactos nas redes públicas de ensino
- Impactos nas redes privadas de ensino
- Metas do Plano Nacional de Educação e a regulamentação do homeschooling no exterior
- Base Nacional Comum Curricular e a formação docente
- Políticas de combate à desigualdade social e à violência contra crianças e adolescentes

Os seis eixos temáticos que serão discutidos no Senado

O cuidado em torno do assunto se dá também pelo fato de que, segundo o Código Penal, pais que privam seus filhos de estudarem em escolas podem ser acusados de crime por abandono de intelectual. Além disso, o retorno do tema acontece em um período eleitoral quando postulantes ao Congresso Nacional utilizam a pauta como bandeira para conseguirem votos, ainda que especialistas apontem uma série de perigos na modalidade.
A procuradora de Justiça Synara Buttelli fala sobre o crime por abandono intelectual.
Como chegamos até aqui?
A educação domiciliar está presente no Brasil desde os tempos do Império. No livro “A Casa e os seus Mestres: A Educação no Brasil de Oitocentos”, de Maria Celi Chaves Vasconcelos, a autora afirma que, em 1887, cerca de 87% da população em idade escolar estava fora das escolas e parte desses jovens eram educados em casa, sem um currículo básico ou diretrizes gerais.
Desde então, a educação passou por transformações. Na década de 1930, os primeiros passos para que as escolas passassem a ser o espaço onde acontece o processo escolar ocorreram com a criação do ministério da Educação e a criação do Conselho Nacional de Educação. Ainda assim, a garantia de ensino gratuito era somente para o primário (atual ensino Fundamental I). Ao longo das décadas de 60 e 70, os governos criaram versões das chamadas Diretrizes e Bases da Educação (LDBs), que buscavam garantir o que seria básico a ser ensinado mesmo que em diferentes modalidades, mas o ensino público universal ainda era algo distante. Somente com a Constituição de 1988 criou-se a exigência de que, em 10 anos, se garantisse a universalização da educação básica (compreendida como os atuais Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio).
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Anual - 2º trimestre
Em 1994, durante a implementação do projeto de universalização do ensino básico, surgiu o primeiro Projeto de Lei sobre Educação Domiciliar. O projeto ficou no limbo - que ficou foi engavetado logo depois - até que, em 2018, o Supremo Tribunal Federal julgou um caso envolvendo essa modalidade de ensino e, por maioria de votos, entendeu que essa forma de ensino é possível, desde que seja prevista por lei federal – classificando como inconstitucionais as leis estaduais e municipais sobre esse tema.
Nessa votação, o Supremo entendeu que o homeschooling não é um direito da família ou do aluno, mas a modalidade fica “em aberto” para pessoas impossibilitadas de frequentar a escola, como por questões de saúde. Nesses casos específicos, para que a educação domiciliar seja realizada, é necessário cumprir algumas questões como a garantia de que o Estado possa supervisionar as condições e a qualidade deste ensino em casa e se os jovens entre 4 e 17 anos estão de fato sendo educados dentro da Base Nacional Comum Curricular. Esse é um ponto muitas vezes retirado do debate: pela decisão do STF, que acabou legislando temporariamente o assunto enquanto o Congresso não aprova uma lei definitiva, o ensino domiciliar não é a prática de ensinar o que a família entende que seja correto do ponto de vista da educação, mas, sim, promover o que se espera dentro do currículo estabelecido pelo Estado devido a condições específicas que impedem o jovem de frequentar a escola. Afinal, é nela que ele ganha habilidades e competências que vão além do conteúdo das aulas.
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Impactos do homeschooling no estudante
Segundo Alessandra Gotti, presidente executiva do Instituto Articule, o principal risco da Educação Domiciliar é a privação da criança e do adolescente de seus direitos educacionais previstos na Constituição, que fala tanto da aprendizagem, quanto do preparo para a vida. “Embora isso possa ocorrer também em outros ambientes, a escola tem um papel diferenciado, com uma convivência mais plural e diversa, que propicia o exercício do respeito e da tolerância, fundamentais para uma sociedade mais pacífica, mais justa e igualitária”, afirma a especialista.
Para Gotti, a escola é fundamental para a proteção da criança, pois é lá que muitos casos de violência doméstica são descobertos.
Além disso, a presidente executiva da Articule comenta que a escola assegura um mínimo de segurança alimentar para muitas crianças carentes. Num cenário atual, onde 6 a cada 10 famílias no Brasil vivem com algum tipo de insegurança alimentar, de acordo com dados da Rede Penssan, a garantia de pelo menos uma refeição para a criança consegue evitar que cada vez mais pessoas entrem no Mapa da Fome da ONU. “Pelo que pudemos acompanhar ao longo do debate mais recente sobre esse tema, há questões religiosas e ideológicas, saúde, queixas à qualidade da escola e também a ideia de que o ensino domiciliar favorece alguns tipos de aprendizagens”, comenta Gotti.
Nos casos em que as famílias optam por educar a criança em casa por motivos religiosos, a presidente executiva acredita que a escola é ainda mais necessária na formação do aluno. Nesse ambiente, diz, os jovens convivem com outros jovens, num ambiente mais plural e diverso de vivências, ideais e religiões. Na questão da qualidade do ensino, ela concorda que a escola precisa melhorar e já melhorou desde a Constituição de 1988. “Acredito que, como sociedade, devemos lutar por mais melhorias, demandando mais investimentos, melhores salários e formação para os professores e nos colocando como parte dessa transformação, fortalecendo a escola e com ela dialogando, ao invés de isolar nossos filhos”, afirma a especialista.
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Tipo de Conteúdo: Na mochila
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