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“É preciso atenção às pesquisas eleitorais fake”
19.08.2022 - 19h05
Rio de Janeiro - RJ
Na segunda parte da edição sobre campanhas eleitorais, o cientista político e diretor do Ipespe Antonio Lavareda, e o ex-ministro e jornalista Thomas Traumann, ajudam a decifrar possíveis cenários de futuro, comentam sobre a desconfiança nas urnas e sinalizam os perigos das pesquisas falsas que, em sua visão, são registradas como medições cientificamente válidas por conta de brechas operacionais, têm sido pouco monitoradas pela imprensa e agências de checagem e representam verdadeira ameaça ao processo eleitoral e à democracia. 

Se a eleição de 2018 ficou marcada pela enxurrada de desinformações que circularam nas redes, em 2022 pode haver mais um problema à vista: as chamadas pesquisas fake. No momento em que teorias conspiratórias ganham espaço no debate público, os especialistas alertam: mais do que nunca, é preciso garantir a transparência e legitimidade das pesquisas eleitorais, ferramentas importantes para avaliar o desempenho dos candidatos e orientar o eleitor na decisão do voto. 
O que são pesquisas eleitorais fake? “São pesquisas que deliberadamente não captam a realidade no que diz respeito à distribuição das intenções de voto”, explica o cientista político e coordenador do Ipespe, Antonio Lavareda. Em linhas gerais, sua função seria provocar polêmica e manipular o desempenho dos candidatos, apresentando resultados que destoam de outros levantamentos porque não seguem metodologias científicas padronizadas.
"É preciso atenção às pesquisas fake", diz Lavareda. Para ele, o olhar para esse tipo de conteúdo, além de urgente, seria uma das formas de antecipar a discussão e reduzir potenciais inseguranças com relação à metodologia, aos dados e aos resultados que as pesquisas eleitorais dos grandes institutos apresentam - como DataFolha, Ipec e Ipespe. Mas como saber diferenciar pesquisas confiáveis das fake? 
Se engana, por exemplo, quem acha que o registro de uma campanha no TSE é garantia de segurança do levantamento. “As pesquisas são todas registradas no TSE e isso nos dá um elemento de pretensa legitimidade, mas o registro do TSE, na verdade, é apenas uma coisa burocrática que não faz nenhum controle da qualidade dos dados, das amostras e dos questionários”, diz Thomas Traumann. Ou seja, segundo eles, não há equipes ou tempo para que os técnicos do TSE possam garantir que há a elaboração de medições eleitorais nas quais se possa confiar. 
Apesar de urgente, a discussão e o monitoramento das pesquisas falsas ainda são tarefas áridas e pouco aprofundadas entre as entidades responsáveis pelo assunto, aponta Lavareda. “Eu diria inclusive que esse tipo de conteúdo deve ser objeto de observação permanente tanto por parte dos veículos de imprensa quanto por parte das agências de checagem”, reforça. 
Com o início das campanhas eleitorais, pesquisas envolvendo resultados discrepantes já começaram a circular e devem ser cada vez mais frequentes até o pleito, apontam os entrevistados. “Recentemente, saiu uma pesquisa que apontava vantagem do presidente Bolsonaro frente a Lula, o que não se confirmou em nenhuma outra medição dos principais institutos”, diz Lavareda. Segundo ele, o problema põe em risco a própria integridade das eleições.
Desconfiança nas urnas
Mesmo com os constantes ataques de Bolsonaro e seus apoiadores ao sistema eleitoral, pesquisas recentes vêm mostrando que a maioria dos brasileiros continua confiando nas urnas eletrônicas - quase 80%, segundo último levantamento do DataFolha.    
Na visão dos entrevistados, a tentativa de descredibilizar as urnas produz dois efeitos relevantes. Um deles é a redução do número de votantes no atual presidente.No limite, se Bolsonaro faz uma campanha sistemática contra as urnas eletrônicas, ele pode estar desestimulando eleitores que têm um nível menor de compreensão da realidade, com menos escolaridade, que vão passar a entender que não adianta comparecer às urnas, porque elas falsificam a vontade dos indivíduos”, explica Lavareda.
Por outro lado, o cientista político observa que o movimento de deslegitimar as urnas e o processo eleitoral como um todo é uma estratégia bastante eficaz na mobilização de uma “ideologia antissistema”, a qual Bolsonaro busca estar associado. “Em termos de efeito político, esses ataques reiterados são um arranhão à institucionalidade democrática. Curiosamente o mesmo Bolsonaro foi eleito diversas vezes por meio do sistema de votos eletrônicos, inclusive em 2018, quando se tornou presidente”, completa Lavareda. 
Segundo Traumann, o movimento de ataque às urnas tem um objetivo simples e evidente: contestar o resultado das eleições, caso Bolsonaro seja derrotado. 
7 de setembro
Além das campanhas eleitorais, Traumann indica que o 7 de setembro terá impacto direto na disputa presidencial deste ano. “O risco de rebote pode ser enorme. Não sei até que ponto o time bolsonarista está compreendendo isso. Se o 7 de setembro de 2022 for só igual ao que foi o do ano passado, já vai ser o suficiente para as pessoas dizerem: ‘Não, a gente não quer viver todo ano com um 7 de setembro desses’”, diz. 
O jornalista lembra ainda que muitos eleitores não petistas já estão sinalizando o voto no ex-presidente Lula e que a escolha pode estar ligada às ameaças constantes de Bolsonaro às instituições. “São pessoas que não tem nenhuma simpatia e que serão oposição ao Lula no dia seguinte, mas que estão vendo a ameaça democrática como algo que não dá para aceitar”, argumenta Traumann. 
“Vamos ver se o 7 de setembro, para o bem ou para o mal, tem o mesmo quilate do que foi em 2021. Se for, teremos um péssimo sinal de que o segundo turno, se ocorrer, será complicado, estressante, marcado por enfrentamentos muitos duros, que pode levar a tumultos, choques de rua e uma espécie de estresse institucional. E aí entramos no imponderável”, observa Lavareda com preocupação.
Investimento nas redes sociais 
É bom lembrar que a guerra de narrativas já vem ocorrendo nas redes sociais há tempos, embalados em discursos moralistas, conspiratórios e intolerantes, muito mais do que em diálogos e propostas para o país. Nesse campo das plataformas e novos modos de comunicar e mobilizar os eleitores, a direita, que desde o início do uso das estratégias de desinformação como uma estratégia, vem se saindo melhor do que a esquerda, explicam os especialistas. 
Traumann observa que não se trata de analisar se as redes e plataformas favorecem a direita ou a esquerda. Importa menos a plataforma e mais os recursos e oportunidades que nela se enxergam, e nisso, diz ele, a direita vai melhor. “O investimento que a direita faz nas redes é muito maior. Não é que determinada plataforma seja mais fácil para a direita do que para a esquerda. A direita brasileira está investindo mais nisso, é muito mais aberta para novos espaços onde ela pode colocar sua mensagem do que a esquerda. É só ver a indústria de games, que é a que mais cresce no mundo em termos de entretenimento, e ver como a direita trabalha com muito eficiência nessa área, enquanto a esquerda simplesmente finge que isso não existe”. 
O que esperar para um possível segundo turno? 
A resposta imediata é: tensão. “Se vier ocorrer, vejo o segundo turno com bastante preocupação. Eu não acho que possamos hoje estar absolutamente tranquilos sobre esse possível cenário. Sobretudo pelo que Thomas lembrou há pouco: vai ser um segundo turno engessado. Jair Bolsonaro chega sem capacidade de expansão das suas intenções de voto. Nunca houve grandes alterações nessas intenções do primeiro para o segundo turno, no período curto de três semanas. Nesse quadro, seus apoiadores podem querer criar problema e eventualmente tentar adiar a realização do segundo turno”, sugere Lavareda. 
É possível dizer que uma definição em primeiro turno reduziria a tensão? Para Traumann, sim. “Primeiro ponto a entender é que no segundo turno não têm os deputados federais, que já vão ter sido eleitos. Toda a tensão e angústia dos deputados que hoje apoiam Bolsonaro já foi. Tem circunstâncias em que será mais ou menos possível atenuar essa ideia de ‘fuga para a montanha’. Segundo ponto é como Lula vai se comportar para atrair os demais candidatos que não tem mais chance - coisa que o PT não conseguiu fazer em 2018”, diz. 
Já para Lavareda, a resposta é: sim e não. “O fato dos senadores e deputados terem sido eleitos já no primeiro turno pode ser um componente de tranquilização, mas também de intranquilidade. Se o orçamento secreto e as emendas de relator tiverem produzido uma grande reeleição dos atuais deputados, significa que houve vitória de uma maioria expressiva do centrão. Esse grupo, como eu disse, pode flertar com uma interferência ou prorrogação do processo eleitoral”, afirma.  
“É importante entender que teremos uma eleição em que os dois candidatos que disputam a liderança terão juntos perto de 90% dos votos válidos”, lembra Traumann. Ainda é cedo para garantir respostas do que está por vir, mas cenários e hipóteses já podem ser traçados, a partir das pesquisas. “Até agora os levantamentos mostram que em um segundo turno Lula consegue crescer seis, sete, oito pontos, basicamente em função dos votos do Ciro, enquanto que Bolsonaro já atingiu seu teto”, afirma Traumann. 
Capitólio 2.0? 
Na visão de Lavareda, o cenário brasileiro, é sim, comparável ao das últimas eleições presidenciais ocorridas nos Estados Unidos, em 2020. Mas o analista alerta: é fundamental considerarmos as devidas mudanças e especificidades de cada contexto. “Por exemplo: não faz o menor sentido você imaginar eleitores bolsonaristas invadindo o congresso, porque lá não vai haver o equivalente à sessão de 6 de janeiro nos EUA, no Capitólio, em que são formalmente apresentados os resultados das eleições nos estados”.  
A hipótese mais tangível, aponta Lavareda, seria uma invasão ao Tribunal Superior Eleitoral na noite dos resultados da eleição. “Se houver espaço, se o local não estiver protegido adequadamente e se o resultado das eleições estiver discrepante daquele apresentado por essas pesquisas fake, isso pode justificar, na visão de parte do eleitorado bolsonarista, uma invasão ao TSE, assim como protestos mais violentos em outros locais”, sugere. 
“Enfim, medidas cautelares são absolutamente recomendáveis. Repito: nada pode ser descartado por excessivo otimismo”, conclui Lavareda. E Traumann completa: “Logicamente é muito difícil prever o que pode acontecer, mas com as informações que temos hoje, sim, temos todos os motivos para estar preocupados”.
* Esta é uma série especial do Abre Aspas sobre as Eleições 2022. O projeto é uma realização da Lupa em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com foco no combate à desinformação durante o processo eleitoral.

Antonio Lavareda | É Presidente do Conselho Científico do IPESPE - Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas. Graduado em Jornalismo pela PUC-PE , em Direito pela UFPE , mestre em Sociologia pela UFPE e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro . É professor colaborador da pós-graduação em Ciência Política da UFPE. Foi professor e coordenador do mestrado em Ciência Política da UFPE e pesquisador visitante na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Atuou como consultor de estratégia em 91 campanhas eleitorais majoritárias em todo o país, tendo trabalhado também em Portugal e na Bolívia. Como apresentador tem passagens pela Rádio Bandnews FM e pela TV Jornal, afiliada do SBT em PE. 
Thomas Traumann | É jornalista e graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Paraná (1989). Foi editor de jornais e revistas nacionais, com passagens pela Folha de São Paulo, UOL, Veja e Época. Foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, em 2014. Atua como consultor político-econômico independente e palestrante corporativo. Coordena o MBA de Comunicação Digital da FGV/DAPP e é mestrando de Ciência Política do IESP/UERJ. Tem experiência na área de Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: política pública, gestão de governo, redes sociais e conjuntura brasileira.

Produzido por Carolina Araújo e Dominique Gogolevsky
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