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Como e quando o ‘silêncio estratégico’ é a melhor arma contra a desinformação
09.09.2022 - 19h22
Rio de Janeiro - RJ
Se há um grande desafio para o Jornalismo nestes tempos de pós-verdade é informar de maneira profissional sobre conteúdos falsos. E o que se quer dizer com isso? Saber quando, exatamente, um conteúdo falso deve ser verificado e quando é mais inteligente - simplesmente - desprezá-lo. Parece estranho? Nem tanto. Desde o dia seguinte à eleição do presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, um grupo de apoiadores de seu governo - sem falar no próprio chefe do Executivo -,  muitos totalmente inexpressivos, trataram de espalhar a tese de que as urnas eletrônicas eram passíveis de fraudes e que todo o processo eleitoral, inclusive, era pouco confiável. 
De tanto que o conteúdo nunca comprovado foi compartilhado e replicado à exaustão, inclusive por colunistas indignados da mídia, acadêmicos em universidades e palpiteiros de redes sociais, criou-se nas pessoas uma impressão - igualmente não comprovada - de que havia uma questão qualquer a respeito das urnas eletrônicas.
Ou seja, de forma não intencional,  a imprensa, a academia  e muita gente movida pela raiva das afirmações não comprovadas acabaram amplificando o alcance de um  conteúdo estrategicamente fabricado para iludir. O mesmo acontece com uma notícia falsa, uma foto manipulada, um dado distorcido ou  um vídeo editado quando alguém simplesmente decide comentar sobre sua existência.
Um guia, publicado em junho de 2021 pelo instituto de investigação InternetLab e pela ONG Redes Cordiais, ambos do Brasil, explica em detalhes o conceito do que se convencionou chamar de "silêncio estratégico":
“A decisão sobre não postar ou noticiar um conteúdo é tão importante quanto a decisão de falar sobre o assunto na internet. Isto porque a escolha de tornar público ou não um fato ou material sobre determinado assunto (seja um texto, um vídeo, um áudio ou uma imagem) pode ter como consequência a amplificação ou silenciamento de vozes, táticas, narrativas e ideias na rede”.
Em um mundo em que a comunicação se dá de forma digital e fragmentada, é fundamental que jornalistas e influenciadores estejam atentos a todo instante e considerem a possibilidade de eventualmente não comentar ou reportar sobre um determinado assunto. Em muitos casos essa é a melhor forma de proteger a sociedade de temas desinformativos e/ou discursos de ódio.
Nos últimos dois anos e meio de pandemia, a sociedade brasileira, incluindo a classe médica, debateu publicamente o uso de ivermectina - um medicamento tradicionalmente usado para o combate de parasitas, como piolho e sarna - como forma de prevenção ou cura para a Covid-19.
Em abril de 2021, a hashtag #EuTomoInvermectina (#EuTomoInvermectina, com um “N” escrita incorretamente depois da letra “I”) entrou nos trending topics do Twitter graças a usuários e meios de comunicação que começaram, não só a dizer que o medicamento não é eficiente contra a doença, como também passaram a criticar o evidente erro ortográfico. Uma armadilha claramente construída pelos desinformadores.
O monitoramento realizado na ocasião com auxílio do Buzzsumo e do CrowdTangle, ferramentas capazes de medir o grau de viralização de conteúdos que circulam pelas várias redes sociais, demonstrou que dezenas de meios de comunicação do Brasil acabaram colaborando para que o debate daquele dia fosse centrado no tema da ivermectina, ao informar sobre a hashtag equivocada.
E é muito possível que os desinformadores tenham celebrado seu sucesso. Esse é apenas um exemplo dos muitos que deixam claro que os mentirosos da internet seguem a regra que diz “falem bem ou falem mal, o importante é que falem de mim”. 
Outro ponto a considerar é o comportamento do público, que diante de conteúdos polêmicos, escandalosos ou com tons de denúncia, tendem a reagir com curiosidade, e passam a buscar pelo vídeo, foto, declaração ou postagem desinformativa em questão.  
Parte dos veículos de imprensa (mas não todos) parece ter entendido a lição de que sua credibilidade vale bem mais do que a viralização de matérias e coberturas que dão voz e visibilidade à desinformação - os chamados "caça-cliques". Bom exemplo disso foi o caso de deepfake envolvendo a apresentadora de um telejornal brasileiro, na primeira semana de campanha eleitoral. 
O vídeo apresenta uma montagem - razoavelmente bem elaborada - da jornalista anunciando uma pesquisa de intenção de votos referente ao primeiro turno da eleição presidencial deste ano. Em seguida, mostra uma tela com um gráfico de barras visualmente idêntico ao usado pela emissora no mesmo programa, mas com dados do levantamento claramente adulterados.
Em uma busca rápida pelos principais jornais e portais de notícias do país, encontramos inúmeras matérias sobre o episódio, mas nenhum link para a reprodução do vídeo falso. Se por um lado, isso ajudou a reduzir o espalhamento da desinformação, não foi suficiente para impedi-la de viralizar nas redes. 
Acontecimentos como esses reforçam a urgência de que a imprensa e os influenciadores sejam capazes de detectar e não cair neste tipo de armadilha. Não se está sugerindo aqui que paremos de expor as falsidades e que nos silenciemos o tempo todo. Não. A proposta é que sejamos um pouco mais estratégicos na hora de decidir se falamos ou reportamos sobre uma mentira.
Aqui vão algumas dicas simples:
1. Ao tratar de uma desinformação, nunca a compartilhe em sua totalidade. Não replique o tuíte original, por exemplo. A sociedade não precisa ver a mentira completa para saber que ela é falsa. Um resumo é suficiente.
2. Use marcações gráficas evidentes para comentar uma mentira. Por exemplo: faça uma captura de tela e coloque um “X” sobre a imagem, deixando visualmente claro que o conteúdo é falso, enganoso ou descontextualizado. Há casos de imagens falsas que aparecem como referência para uma informação verdadeira no Google Imagens, por exemplo. É preciso evitar confusões.
3. Etiquetar uma conta que desinforma é dar sobrevida a ela. A conta do desinformador tende a se tornar mais popular quando um veículo sinaliza sua existência. Uma boa prática nesse caso é deixar os negacionistas e desinformadores falando sozinhos, no escuro.   
4. Evite dar nomes aos desinformadores. Essa é uma outra forma de oxigená-los. Ao reportar sobre alguém que desinforma de modo constante, o melhor é escrever ou falar sobre o “ex-jogador de futebol”, o “ex-deputado”, o “apresentador de televisão”, sem a menção direta ao seu nome.
5. As mesmas técnicas utilizadas nas redes sociais abertas se aplicam aos aplicativos de mensagens, como WhatsApp e Telegram. Logo, a imprensa e os influenciadores também devem atentar para não oxigenar as falsidades oriundas desses espaços.
6. Escrever sobre o ‘silêncio estratégico é importante’. Como seria o mundo digital se mais e mais pessoas entendessem e incluíssem essa estratégia em seu dia a dia?
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Tipo de Conteúdo: Artigos
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