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Em 4 anos, não aprendemos lições sobre desinformação e estamos sem tempo
28.10.2022 - 13h18
Rio de Janeiro - RJ
Uma série de especialistas e estudiosos da comunicação percebe que o que se vive nessas eleições é um tsunami de desinformações pior do que o de quatro anos atrás. O tradicional debate televisionado, uma das bases para a democracia desde a Nova República, já não é funcional como modelo já que não há discussões de propostas e sobre direitos de resposta baseados em acusações falsas. Analistas apontam que o combate à desinformação nestas eleições teve mais fracassos, apesar do aumento circunstancial de esforços feitos por diferentes grupos governamentais, da imprensa e da sociedade civil. 
O ex-ministro e jornalista Thomas Traumann admite que havia por parte da maioria das instituições uma  crença de que a situação da desinformação havia chegado a um patamar sobre a qual não haveria mais surpresas, ou seja, o fenômeno já era bem conhecido, as táticas relativamente fáceis de desmascarar e as estratégias de financiamentos e propagação, de certa forma, capazes de serem acompanhadas de perto. Isso não aconteceu. "As máquinas eleitorais são descentralizadas, regionalizadas, hiperlocais e esses grupos se organizam de formas  e por desinformações diferentes. Nós fracassamos de forma maior do que em 2018 porque fomos surpreendidos pelo volume da desinformação que está circulando, turbinado por muito dinheiro, apesar de tudo que sabíamos a respeito", diz ele. Tanto é assim que o próprio ministro Alexandre Moraes admitiu que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que preside está diante de um desastre de desinformação e invocou poder de polícia para tentar conter o caos.
A mídia tradicional produzindo fake para as redes 
Há no discurso de Traumann um ponto em comum com os discursos do Professor Adjunto do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFMG (PPGCP-UFMG), Cristiano Rodrigues. As plataformas prometeram controlar a desinformação em seus ecossistemas e não o fizeram diante do volume de peças que circularam em praticamente todas as redes sociais de forma livre. "Com exceção da Jovem Pan, que insistia num atentado ao candidato Tarcísio de Freitas ao governo de São Paulo, todas as outras redes de TV eram cautelosas sobre o tiroteio em Paraisópolis. Mas se você olhasse nas redes sociais, o atentado ao candidato já era um fato consumado e aquele conteúdo circulava sem qualquer aviso de que poderia não ser aquilo, como de fato se confirmou. Isso é um desserviço de informação", diz Traumann. "Não tenho dúvidas de que as redes sociais precisam de regulação. E a regulação precisa prever sanções para o sistema, não para as pessoas", afirma.
O vínculo religioso impossibilitando o da evidência
A jornalista e professora Magali Cunha, do Coletivo Beréia - que traz informações e checagem de notícias vinculadas ao contexto da fé cristã - menciona aspectos percebidos por ela  junto a grupos religiosos e que podem ser considerados  novidade. Um deles já foi citado acima e é overdose de conteúdo, que como apela para questões de costumes, crenças e dogmas, não é facilmente desfeita pelas peças de checagem tradicionais. Ou seja, a desinformação é multiplicada num terreno de crenças não alcançadas, em termos de combate, por verificação tradicional baseada em evidências. "Não se combate emoções e sentimentos com dados estatísticos. É preciso um novo formato de alcance para esse público", diz Cunha. 
Há nos grupos religiosos duas percepções positivas: certo cansaço de discussões políticas em âmbito religioso e certa ideia de que há campanhas de desinformação para enganar as pessoas. Mas isso não é suficiente para garantir conforto a ninguém, porque o material da desinformação, lembra Cunha, é a emoção. "Bolsonaro foi eleito em 2018 sem proposta de governo, baseado apenas num sentimento antipetista e anti-esquerdista fartamente carregado de simbolismo, como em simulacros e simulação,  para dar concretismo à emoção como o vermelho e a moralidade lavajatista, com a cumplicidade de boa parte da mídia. Isto é difícil de contrapor com racionalidade pura e simples", diz ela. 
Buscar o simples e pessoal virou fenômeno social
Guilherme Ferreira, doutor em Serviço Social pela PUC-RS, consultor voluntário da Política Nacional de Diversidade no Sistema Penal vinculado ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), diz que quatro anos de anti-intelectualismo, resumindo o conhecimento à experiência própria de cada um - "se não acontece comigo, não existe"- alienou a experiência educativa e científica a um ponto perigoso, como se vê agora, em que as pessoas simplesmente se recusam a acreditar nos fenômenos mais evidentes e comprovados. A saída é um trabalho educativo presencial importante, diz ele.
"É preciso restabelecer relações de confiança, como diz Agner Heller, na hora de suspensão da vida miúda, o cotidiano. Na hora do café, cozinha, sala, trazer as discussões para estes momentos", afirma. 
Desta forma, Cesarino Costa acerta em praticamente todos os seus diagnósticos sobre o cenário da desinformação neste outubro pré segundo turno. Qual seja:
1. "As notícias falsas já fazem parte do cotidiano da população brasileira". Mas nestas eleições, que se deixe claro, elas se multiplicaram de uma forma não imaginada; 
2. "Os grupos dedicados à produção e difusão de inverdades cresceram, se organizaram e se financiaram. Parecem ter tido êxito em criar uma espécie de realidade paralela. Como escreveu Tardáguila, “há sinais claros de que as notícias falsas se enraizaram e que podem ter se consolidado como verdade em muitos espaços ainda pouco iluminados”. É tão difícil assim achar quem produz desinformação? E "os espaços pouco  iluminados"? Traçar estratégias para ambos é assim tão complexo?
3. "As organizações de checagem são cada vez mais numerosas e, aos poucos, têm sofisticado suas metodologias, mas têm dificuldades em ampliar o alcance de suas verificações e correções". Correto. Não se questiona a metodologia da checagem, mas o formato e a distribuição;
4. "Cada vez mais grupos de pesquisadores, institutos acadêmicos, empresas de monitoramento estão mergulhados na análise e deciframento das redes sociais e do comportamento de seus usuários. Conhecimento fundamental para entender como as coisas se dão, mas que ainda não produziu resultados que possam levar a ações práticas de fechamento dos dutos desinformativos"; Correto. A metodologia de combate à desinformação na base da divulgação da informação verificada ou da educação sobre como detectar uma mentira não têm funcionado em situações de overdose de conteúdos desinformativos;
5. "As plataformas digitais avançaram no controle de postagens mentirosas e ofensivas, mas elas não têm interesse em reduzir o número de conteúdo, uma vez que vivem das viralizações, de capturar a atenção das pessoas para vender anúncio”. Muitos já falam abertamente em regulamentar as plataformas, não os usuários;
6. "A Justiça eleitoral tentou se preparar melhor do que em 2018, mas está longe de ser eficiente. Vídeos falsos e mentirosos seguem sendo compartilhados, depois de proibidos, escancarando a incapacidade do TSE em fazer com que sejam cumpridas suas decisões". Falta punição clara. Retirar conteúdo de circulação não desestimula ninguém a mentir. Cassar um mandato tem mais eficácia.
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Tipo de Conteúdo: Artigos
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