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Imagem falsa do papa mostra como estamos despreparados para o fascínio do visual
29.03.2023 - 14h28
Rio de Janeiro - RJ
No dia 6 de janeiro deste ano, o papa Francisco alertou os cristãos a não se seduzirem por notícias falsas. Apesar do conselho, a sedução fez com que muitos acreditassem em uma desinformação envolvendo o próprio pontífice. Foi o que aconteceu no sábado (25), por exemplo, quando uma postagem no Facebook chegou a 1 milhão de visualizações e trazia a imagem do religioso usando um casaco de uma grife famosa em um visual bem espalhafatoso. 
Porém, a imagem era falsa – como a Lupa mostrou – e foi criada por meio de um programa de inteligência artificial (IA), o Midjourney. O uso de IA na produção de textos visuais mostrou que a lógica de que “uma imagem vale mais do que mil palavras” também serve no convencimento sobre desinformação. A tradicional revista Vogue, inclusive, reproduziu a foto falsa como se fosse verdadeira
O Midjourney, na mesma semana, também foi utilizado para a criação de uma série de imagens do ex-presidente norte-americano Donald Trump sendo preso. A plataforma é usada por diferentes usuários que passaram a fazer criações que vão desde obras artísticas até deepfakes. Mas o que seduziu as pessoas a caírem na tentação de acreditar que o papa adotou um novo estilo ou que um Trump raivoso e preso são imagens que retratam fatos reais está mais ligado a velhas estratégias para desinformação do que, necessariamente, uma nova tecnologia se impondo.
Em 1895, quando os irmãos Lumière apresentaram publicamente em Paris, pela primeira vez, o filme de apenas 50 segundos "L'arrivée d`un train en gare de La Ciotat" ("A chegada de um trem na estação La Ciotat"), conta-se que espectadores saíram assustados das salas achando que as imagens projetadas poderiam ser reais e um trem cruzando a tela poderia invadir as cadeiras enfileiradas. 
O historiador especialista em imagem Paulo Knauss é um defensor de que o olhar “precisa ser preparado para ver e analisar as imagens". Ana Maria Mauad, também historiadora pela Universidade Federal Fluminense (UFF), já abordava o quanto as imagens podem mentir em propagandas e fez um alerta que serve para a análise sobre o uso de IA: "Não importa se a imagem mente, mas, sim, o porquê e como se deu tal mentira". 
A foto falsa do papa Francisco foi feita pelo artista Pablo Xavier, que já tinha elaborado imagens de outras celebridades como a da apresentadora Oprah Winfrey de moletom laranja e do presidente dos Estados Unidos Joe Biden em uma jaqueta no melhor estilo anos 1970. As mesmas não tiveram repercussão similar. O engajamento com a imagem do papa e de Trump evidencia o que o especialista Peter Reichel chama de “fascínio da imagem”.
Para Reichel, algumas imagens são tão impactantes que criam uma negociação de sentido com quem as vê. Em outras palavras, queremos acreditar naquilo que está ali, já que o que vemos nos faz sentido e, claro, se é uma imagem, temos a orientação de que provavelmente é verdadeira. É divertido para uns pensar que o papa poderia usar aquela roupa, da mesma forma que oposicionistas de Trump gostariam de vê-lo sendo preso. 
O conceito de ‘viés de confirmação’, que é a lógica de estar predisposto a chancelar crenças iniciais mesmo sem verificar, ganha um novo contorno com a produção de imagens falsas. Essas imagens, quando bem elaboradas, mostrando exatamente o que muitos gostariam de ver, com formas e cores verossímeis, fascinam. E esse é o intuito – da arte ou da produção de um conteúdo desinformativo.
As plataformas de inteligência artificial vão ser cada vez mais utilizadas para diferentes fins. Não cabe apenas demonizar como foco de um fenômeno desinformativo, mas entender que muitos vão utilizar a manipulação de imagens com esse intuito e como as pessoas podem ser preparadas para discernir o real do imaginário. Tal como usaram a fotografia, o cinema e outras mídias no passado. Reagir de forma ludista é um retrocesso. Treinar o olhar, de maneira constante, é o passo necessário para uma mediação com as novas formas de produção de conteúdo imagéticos.
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