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ChatGPT já é rotina entre alunos e professores, enquanto instituições de ensino debatem limites da IA
16.06.2023 - 17h16
Rio de Janeiro - RJ
Instituições de ensino brasileiras que pararam seus planos de estudo e estão avaliando os desafios em sala de aula impostos pelos chatbots com inteligência artificial (IA) generativa - aqueles programas que se utilizam de uma técnica de algoritmos de aprendizado de máquinas que consegue produzir um conteúdo novo a partir de informações que já existem com modelos de linguagem - parecem não perceber que a ferramenta já é rotina nas salas de aula.
Ao conversar com professores e alunos sobre o assunto, percebe-se que o mais popular deles no país, o ChatGPT, já é usado como sinônimo do programa de IA, numa metonímia muito parecida com a do Bombril ou do Cotonete. E na falta de diretrizes claras das instituições, o ChatGPT, dependendo da roda de discussão pode ser ou a esperança de novos dias de conhecimento sem tanto retrabalho ou o apocalipse da educação como a conhecemos.
Em sua página na internet, o professor da PUC-SP, coordenador do programa de estudos pós-graduados em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD), Diogo Cortiz, também pesquisador do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR - NIC.br, afirma que há certa ansiedade no meio educacional justamente pela conjunção de fatores como uma tecnologia recente, possibilidades de uso infinitas (para o bem e para o mal, destaque-se) e falta de diretrizes claras das autoridades e instituições de ensino. Ele cita uma pesquisa conduzido por pesquisadores da Chalmers University of Technology e que contou com a participação de quase 6 mil alunos de universidades na Suécia.
Ainda que seja preciso contextualizar uma pesquisa de realidade escandinava, as conclusões não devem ser muito diferentes de algumas salas de aulas brasileiras em pelo menos dois pontos: tanto alunos quanto professores já usam os chatbots em muitas de suas tarefas diárias com apelos que vão do aumento de produtividade (caso da maioria dos professores) a melhorias nas habilidades de escrita, reforço de pesquisa e linguagem (caso dos alunos).
 Mas o destaque é o segundo ponto, também visto aqui: "Como não há diretrizes claras nas instituições sobre o uso responsável dos chatbots em sala de aula, tanto por parte de alunos quanto de professores, ninguém sabe com certeza os limites de uso e não-uso da ferramenta", diz Cortiz. "Mas se há uma lição clara para os educadores vinda desta pesquisa é que o ChatGPT já está aí e é uma realidade que não se pode fingir que não está acontecendo, como eu percebo em muitas escolas e universidades".
O pesquisador, professor emérito da Loughborough University e professor visitante no King's College London, David Buckingham, autor do livro "Manifesto pela Educação Midiática"possui um site sobre jovens, educação e mídia onde aborda a percepção dos educadores ingleses sobre os chatbots de IA generativa num viés que também vem sendo abordado no Brasil. 
Diz ele: "Ao contrário da retórica da OpenAI (dona do CHatGPT)  de “aprendizagem profunda”, quando se trata de educação, o medo é que essa tecnologia seja exatamente o oposto: trapaça. No Reino Unido, o debate sobre IA tem sido dominado por uma ansiedade avassaladora sobre a avaliação da aprendizagem. Isso assume uma força particular no ensino superior, onde as instituições são maciçamente (e precariamente) dependentes de estudantes internacionais com altos salários e onde os requisitos de idioma foram progressivamente reduzidos. Claro, o plágio não é de forma alguma um fenômeno novo – nem mesmo as “fazendas de ensaios”, que vendem trabalhos suficientemente competentes e aparentemente originais. Como a maioria dos acadêmicos, eu poderia contar algumas histórias divertidas e deprimentes sobre isso que remontam há várias décadas. No entanto, enquanto programas como o Turnitin (criado para detectar trechos plagiados em trabalhos acadêmicos) agora são usados rotineiramente para detectar plágios do tipo cortar e colar, a ameaça com o ChatGPT é que o plágio agora está se tornando impossível de detectar. Enquanto alguns afirmam que novos serviços, como o gptzero.me,  já podem realizar essa tarefa, outros estão menos convencidos".
De volta ao papel e caneta
Profissionais e instituições mais reativas às mudanças estão recorrendo a soluções consideradas inúteis ou pouco inovadoras e improdutivas por profissionais mais realistas. Recente reportagem no jornal "O Globo" conta que "escolas públicas na cidade de Nova York e Seattle proibiram o ChatGPT nas redes e dispositivos Wi-Fi da escola para evitar trapaças, embora os alunos possam encontrar facilmente alternativas para usar o chatbot". Alguns professores reformularam seus cursos, com mais exames orais, trabalhos em grupo e avaliações manuscritas em vez de digitadas.

"Eu sou a favor do ChatGPT e acho que é necessário educar os alunos sobre as limitações da ferramenta, porque ela erra. A preocupação em sala de aula tem que ser a conscientização do corpo discente sobre o uso ético da ferramenta, a percepção de que ela falha porque não tem compromisso com a verdade"Glauco

Glauco Arbix, sociólogo e professor titular de Sociologia na Universidade de São Paulo (USP)

 "Não discutir sobre o assunto e adotar esse tipo de comportamento é não conseguir enxergar o elefante no meio da sala", diz Mariza Ferro, professora adjunta do Instituto de Computação UFF e especialista em IA. "O que falta mesmo é um conjunto de diretrizes, o que leva a cada professor a estabelecer o seu modus operandi. Eu faço um letramento em Inteligência Artificial, explicando sobre o que é a ferramenta, como é seu melhor uso dentro dos conceitos de ética e honestidade científica e explico como ela pode ajudar ou atrapalhar um trabalho de pesquisa", conta.
Ferro pensa que a falta de conhecimento de professores e coordenadores a respeito da ferramenta leva a saídas de proibição ou punição. "Já ouvi discussões a respeito de direitos autorais por uso de trechos de outros autores, o que não faz sentido se a plataforma trabalha com palavras, agrupamentos e seus sentidos, não recorrendo ao texto de ninguém, a menos que provocada. Eu sou totalmente a favor do uso de IA em sala de aula e acho que é uma tremenda ferramenta de ajuda à pesquisa", conta.
O sociólogo e professor titular de Sociologia na Universidade de São Paulo (USP), Glauco Arbix, especialista em teoria da inovação e sociologia econômica, concorda e vai além: "Eu sou a favor do ChatGPT e acho que é necessário educar os alunos sobre as limitações da ferramenta, porque ela erra. A preocupação em sala de aula tem que ser a conscientização do corpo discente sobre o uso ético da ferramenta, a percepção de que ela falha porque não tem compromisso com a verdade, mas com a produção de textos, sons e imagens conforme a orientação do usuário e não cair na discussão vulgar do plágio".
Para Arbix, cabe aos professores definir as abordagens no uso da ferramenta, seja como fonte inspiracional, seja como um roteiro de texto, sendo possível até que o aluno cite seu uso. "O ChatGPT permite treinamento muito eficiente de alunos de diferentes níveis e ajuda os professores a preparar questões e textos direcionados a essas lacunas específicas. É o que se conhece como educação de precisão", diz.
Arbix cita um estudo feito pelos pesquisadores da Universidade de Stanford e do Massachusetts Institute of technology (MIT) Erik Brynjolfsson, Danielle Li, Lindsey Raymond e publicado no National Bureau of Economic Research (NBER).
A pesquisa se chama "Generative AI at Work" ("IA Generativa no Trabalho") e é assim definida pelos autores: "Estudamos a introdução escalonada de um assistente de conversação generativo baseado em IA usando dados de 5.179 agentes de suporte ao cliente. O acesso à ferramenta aumenta a produtividade, medida por problemas resolvidos por hora, em 14% em média, com maior impacto em trabalhadores novatos e pouco qualificados e impacto mínimo em trabalhadores experientes e altamente qualificados. Fornecemos evidências sugestivas de que o modelo de IA dissemina o conhecimento potencialmente tácito de trabalhadores mais capazes e ajuda os trabalhadores mais novos a descer a curva de experiência. Além disso, mostramos que a assistência de IA melhora o sentimento do cliente, reduz os pedidos de intervenção gerencial e melhora a retenção de funcionários".
Fonte: Universidade de Stanford-Massachusetts Institute of technology (MIT)
Fonte: Universidade de Stanford-Massachusetts Institute of technology (MIT)
A pesquisa se refere ao mercado de trabalho, obviamente, mas seu mérito, no entender de Arbix, pode ser estendido à sala de aula em usos capazes de melhorar o desempenho de alunos que não estejam acompanhando o desenvolvimento das disciplinas.
Para ele, é preciso que as instituições incorporem as habilidades de uso da ferramenta em sala de aula e que ensinem os alunos a usá-lo, inclusive comparando respostas próprias com as respostas dadas pelo robô e permitindo que os comandos possam ser usados de forma mais eficaz. O Instituto de Estudos Avançados da USP está auxiliando a direção da universidade a respeito do tema de modo a produzir diretrizes.
Arbix lista alguns desafios, como a) entendimento da ferramenta por alunos e professores, incluindo suas falhas; b) dificuldades na mudança do método pedagógico em sala de aula, incluindo a produção de exercícios mais criativos e inovadores que meramente formais e c) falta de preparo de escolas e universidades para receber experimentação no ensino de forma simples. 

 "Mas se há uma lição clara para os educadores vinda desta pesquisa é que o ChatGPT já está aí e é uma realidade que não se pode fingir que não está acontecendo, como eu percebo em muitas escolas e universidades"

Diogo Cortiz, professor da PUC-SP, coordenador do programa de estudos pós-graduados em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD)

O MIT Technology Review publicou um artigo muito citado por docentes de vários países a respeito da ferramenta e que se chama "ChatGPT is going to change education, not destroy it" ("ChatGPT vai mudar a educação, não destruí-la").
No texto, o autor Will Douglas Heaven conta que, passado o pânico inicial com a ferramenta, universidades americanas e europeias estão aos poucos usando o recurso de várias formas: "Os chatbots avançados podem ser usados como poderosos auxiliares que tornam as aulas mais interativas, ensinam alfabetização midiática aos alunos, geram planos de aula personalizados, economizam o tempo dos professores na administração e muito mais". É o que já ocorre em algumas escolas e universidades brasileiras.
Um dos manuais mais usados por professores e alunos em sala de aula é "ChatGPT for Higher Education and Professional Development: A Guide to Conversational AI", de autoria do professor da Universidade de Rhode Island, Stephen Atlas. O guia vem sendo considerado muito útil no geral, com destaque para o capítulo sobre ensino personalizado, em especial para a criação de sistemas tutoriais individuais inteligentes, adaptação de conteúdo a estudantes portadores de deficiências e formatos de estudos em grupo onde são estimuladas as trocas de saberes e talentos. Atlas é um entusiasta dos chatbots generativos, mas não descuida da grande questão sobre o plagiarismo.
"Para reduzir o risco de plágio ao usar o ChatGPT, várias medidas podem ser tomadas. Uma abordagem eficaz é educar os alunos sobre o uso adequado da ferramenta, incluindo a importância de divulgar as fontes quando apropriado. isso pode ser feito por meio de workshops, sessões de treinamento ou incorporando informações sobre integridade acadêmica e plágio no currículo. Outra abordagem é usar um software de detecção de plágio, que pode digitalizar automaticamente o trabalho do aluno em busca de sinais de plágio. Isso pode ser integrado ao processo de classificação, permitindo que os instrutores identifiquem e abordem rapidamente qualquer potencial problemas. Além disso, o uso de Turnitin, Grammarly, Plagscan, etc. pode ser implementado para verificar o plágio", afirma.
Ansiedade que não vem de hoje
Igor Rodrigues, professor do  Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do  Ceará (IFCE), percebe entre os professores a mesma ansiedade ocorrida quando do surgimento da Wikipedia e do próprio Google: aquela sensação de que os alunos não escreverão nunca mais nada de própria autoria.
Para ele, os chats generativos são um caminho sem volta e a ferramenta pode ser útil não apenas na formação dos alunos, mas poupando tempo de trabalho de professores hoje sobrecarregados em tarefas mais mecânicas para que ele se dedique ao aspecto mais criativo e mesmo eficiente das aulas. "O modelo me lembra muito os sistemas de tutores inteligentes, mas entendo que o ChatGPT pode funcionar muito eficazmente como assistentes pedagógicos voltados a alunos com desempenho abaixo da média se a instituição não possui recursos para ter esses assistentes fisicamente", afirma.

"A ameaça com o ChatGPT é que o plágio agora está se tornando impossível de detectar. Enquanto alguns afirmam que novos serviços, como o gptzero.me,  já podem realizar essa tarefa, outros estão menos convencidos".

David Buckingham, pesquisador, professor emérito da Loughborough University e professor visitante no King's College London

O professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da  USP Márcio Moretto Ribeiro, um dos coordenadores do Monitor do Debate Político no Meio Digital, adverte que enquanto a discussão sobre os chatbots generativos estiver no campo da disciplina e vigilância, a tecnologia não vai ser compreendida a ponto de ser usada em sua plenitude como ferramenta pedagógica. Mas ele admite que a decisão hoje está nas mãos dos professores individualmente, diante da falta de critérios institucionais de escolas, universidades e governos.
"Cada profissional trabalha de uma forma e encara a ferramenta como ameaça ou parceira. No meu caso, o ChatGPT me economiza muito tempo de trabalho. Eu uso como auxiliar na solução de exercícios de programação, inclusive corrigindo as respostas que o programa dá de forma equivocada. Ele também me ajuda a escrever pedaços de programação mais rotineiros e eu mesmo o corrijo diante de respostas que não se mostram acertadas. O chatbot generativo é excelente em termos de forma e documentação, por exemplo, e isso pode ser usado como um aliado pedagógico. Produzir cartas específicas, mandatos, recomendações, tudo isso ele faz com maestria deixando mais tempos para professores e alunos nas tarefas de criar e inovar em sala de aula, que é o que importa", afirma.
*Gilberto Scofield Jr. é Consultor em Educação Midiática e Digital da Lupa e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Mídias Criativas da UFRJ
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Tipo de Conteúdo: Artigos
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