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É proibido proibir? O uso da tecnologia em sala de aula depois da pandemia
04.10.2023 - 21h28
Rio de Janeiro - RJ
Marlova Jovchelovitch Noleto*
Grandes e importantes avanços nas ciências e nas tecnologias, em especial no campo da tecnologia digital, estão provocando rápidas mudanças no mundo e contribuindo para a superação de desafios globais. Como agência-líder das Nações Unidas para a educação, a  Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) acredita que a tecnologia digital tem o potencial de garantir, complementar e transformar a educação, seja por  meio da expansão do acesso a oportunidades educacionais, da promoção da inclusão ou da melhora da qualidade da aprendizagem.  
Nos últimos anos, surgiu uma indústria de tecnologia educacional que auxilia no desenvolvimento  e na distribuição de conteúdo, sistemas de gestão da aprendizagem, aplicações linguísticas,  realidade aumentada e virtual, tutoria personalizada e testes. Mais recentemente, os avanços nos  métodos de inteligência artificial (IA) ampliaram o poder das ferramentas tecnológicas  educacionais. No entanto, para a UNESCO, as tecnologias digitais devem ser concebidas e  utilizadas de maneira responsável, visando ao bem comum, assim como orientadas pelos  princípios da inclusão, da equidade e do respeito aos direitos humanos.  
Os últimos anos, sobretudo durante a pandemia da COVID-19, nos levaram a repensar o papel  da tecnologia em nossas vidas e sua centralidade na educação.

"Afinal, foi durante a pandemia  que a evolução tecnológica se mostrou essencial para que aulas realizadas online, de maneira  remota, se tornassem realidade e, em muitos países, mantivessem o ano letivo em seu curso". 

Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora e representante da UNESCO no Brasil

De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o propósito da educação  deve ser a promoção do pleno desenvolvimento da personalidade humana, ao mesmo tempo em  que fortalece o respeito pelas liberdades fundamentais e promove a compreensão, a tolerância e  a amizade. Hoje, quando se trata do direito à educação diante dos desafios atuais, é possível  pensarmos em uma definição ampliada desse direito, que poderia incluir o apoio eficaz da  tecnologia para que todos os estudantes, especialmente os provenientes de grupos vulneráveis,  sejam capazes de alcançar todo o seu potencial.  
Foi também durante a pandemia que a UNESCO observou, por exemplo, que os países que não  possuíam infraestruturas de tecnologia desenvolvidas, nem sistemas de aprendizagem digital  consolidados, sofreram as maiores perdas de aprendizagem. Essa situação deixou cerca de um  terço dos estudantes em todo o mundo sem acesso à educação durante o fechamento das  escolas, que durou mais de um ano. O impacto causado pela COVID-19 na educação revelou a  necessidade urgente de se aliar tecnologias e recursos humanos para transformar os modelos de  ensino e construir sistemas de aprendizagem inclusivos, abertos e resilientes. 
O novo Relatório de Monitoramento Global da Educação (Relatório GEM) da UNESCO, lançado  em 2023, aborda o uso da tecnologia na educação em todo o mundo. Ao questionar “uma  ferramenta nos termos de quem?”, o Relatório mostra que as normas que regulamentam a  tecnologia estabelecidas fora do setor educacional não necessariamente responderão às  demandas da educação. As decisões relativas à tecnologia na educação devem priorizar as  necessidades dos estudantes, após se avaliar se a sua aplicação seria apropriada, equitativa,  sustentável e baseada em evidências.

"Os tomadores de decisão tampouco podem se esquecer  daqueles que ficaram para trás, assegurando a ênfase nos marginalizados".

Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora e representante da UNESCO no Brasil

O foco deve estar nos  resultados da aprendizagem, não nos insumos digitais. Para ajudar a melhorar a aprendizagem,  a tecnologia digital não deve substituir, mas complementar a interação presencial dos estudantes  com os professores. 
Isso porque as mudanças resultantes do uso da tecnologia digital são incrementais, desiguais e  mais amplas em alguns contextos do que em outros. A aplicação da tecnologia digital varia de  acordo com as comunidades e com os níveis socioeconômicos, com a vontade e a preparação  dos professores, com a qualidade do ensino e com o nível de renda do país. Na maioria dos  países, os computadores e outros dispositivos não são utilizados em larga escala nas salas de  aula. Assim, o uso da tecnologia não é universal. Além disso, as evidências sobre o seu impacto  são contraditórias, e normalmente são negadas as oportunidades para que as pessoas mais  desfavorecidas se beneficiem dela. 
É importante reforçar a ideia de que tecnologia é um meio, não um fim em si mesma. Deve-se  evitar a confusão entre “ferramenta” e “solução”, de modo que a relação entre professores e  tecnologia seja de complementaridade. Além disso, do ponto de vista pedagógico, ainda é  necessário demonstrar que a tecnologia digital oferece um valor agregado real em termos de  aprendizagem efetiva, especialmente em um momento em que todos tomam consciência sobre  os riscos da exposição excessiva às telas pelos estudantes. Além disso, os interesses comerciais  e privados na educação continuam a crescer, com todas as ambiguidades que isso acarreta: por  exemplo, até o momento, apenas um em cada sete países garante legalmente a privacidade dos  dados educacionais.  
Todas essas armadilhas podem ser evitadas, e é por isso que o Relatório GEM faz duas  recomendações que devem servir como uma bússola. Em primeiro lugar, os interesses dos  estudantes devem ter precedência sobre quaisquer outros. Em segundo lugar, como apontado acima, o Relatório reforça a ideia de que a tecnologia deve ser vista como um meio, nunca como  um fim. Para implementar essas recomendações na prática, a UNESCO está convocando seus  Estados-membros a garantirem o desenvolvimento justo, equitativo e seguro das tecnologias  educacionais. Isso significa estabelecer marcos normativos adequados e padrões em termos de  privacidade, acesso aos dados, não discriminação e tempo de tela. Significa também criar  programas ambiciosos de ação pública e cooperação internacional, para apoiar o acesso à  conectividade e a recursos educacionais abertos (REAs), assim como para treinar os professores  sobre essas novas questões em constante evolução. 
Por fim, é preciso lembrar que uma tela jamais substituirá a humanidade de um professor ou  professora. A tecnologia tem um potencial imensurável, mas deve ser utilizada de forma  responsável na educação, tendo em vista experiências de aprendizagem aprimoradas e o bem estar de estudantes e docentes. Como afirmou a diretora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay,  devemos ter “sempre o mesmo objetivo em mente: garantir que a tecnologia esteja a serviço da  educação, não o contrário”.

*Marlova Jovchelovitch Noleto é diretora e representante da UNESCO no Brasil. É mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Lecionou Teoria e Metodologia do Serviço Social por dez anos. Estudou no Instituto de Administração Pública de Nova York (Estados Unidos) e foi bolsista da Fundação Kellogg, da Eisenhower Exchange e, também, da Federação Sueca de Assistentes Sociais, aprofundando seus conhecimentos sobre combate à pobreza, políticas sociais, educacionais, responsabilidade social e filantropia.

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Tipo de Conteúdo: Artigos
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