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Lupa
Apps de relacionamento: golpes se intensificam e recursos de segurança das plataformas se tornam insuficientes
21.06.2024 - 14h09
Rio de Janeiro - RJ
Não é novidade o uso de plataformas de relacionamento para aplicação de golpes. As ações criminosas variam desde extorsões e sequestros relâmpagos a crimes de homicídio. Mesmo que os usuários compartilhem suas informações com amigos e familiares ou sigam as instruções de segurança oferecidas pelas plataformas, a garantia de segurança tem se mostrado cada vez menor. 
Dados da Polícia Civil do estado de São Paulo mostram que entre janeiro e março deste ano foram registrados 18 casos  e quatro mortes relacionadas a "golpes do Tinder", na capital paulista. Em 2023, dos 51 casos de sequestro na cidade de São Paulo, 49 deles (96%) ocorreram por meio de aplicativos de namoro – todos com homens. 
Na última semana, o jovem Leonardo Rodrigues Nunes, de 24 anos, foi encontrado morto depois de um encontro marcado por aplicativo, na Zona Sul de São Paulo. Na terça-feira (12), Dia dos Namorados, Leonardo saiu em direção à Vila Natália, no Sacomã, para encontrar um homem que havia conhecido pelo Hornet, aplicativo de relacionamento popular na comunidade LGBTQIAPN+. 
Antes de sair de casa, o jovem compartilhou sua localização com amigos para acompanhar o trajeto – uma tentativa de se sentir mais seguro. Ele alertou ainda que voltaria até 2 da manhã, o que não aconteceu. Na madrugada de quarta-feira (13), o corpo do jovem foi encontrado no Sacomã, bairro também localizado na Zona Sul paulistana, vizinho ao local do suposto encontro. 
Segundo os investigadores, não há indícios de homofobia no caso. A Polícia Civil trabalha com a hipótese de crime patrimonial.  
Nas redes sociais, uma série de usuários relataram já ter passado por situações de risco envolvendo encontros marcados por apps como Hornet e Grindr, que tem como foco usuários gays. 
Condição de anonimato: proteção e armadilha
Desde 2015, a popularidade mundial dos aplicativos de relacionamento vem crescendo, passando a ser adotados como alternativa virtual mais segura do que o espaço público das ruas, considerado historicamente inseguro para essa comunidade, marcado por práticas de violência moral, verbal e física contra gays, lésbicas, bissexuais e transexuais e travestis. Estes aplicativos surgem como alternativa de espaço mais seguro, entre outros fatores, pelo anonimato, ou pela possibilidade de uma visibilidade mais controlada, em que a pessoa pode negociar o quanto ela quer se mostrar e expor", explica Paulo Faltay, jornalista e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco, que estuda o tema. 
Assim como a maioria dos apps de relacionamento, o Hornet funciona com a interação entre usuários, por meio de descrições e fotos pessoais, algumas restritas apenas a pessoas selecionadas pelo proprietário da conta. A plataforma também conta com localização de pessoas próximas via GPS, o que facilita um encontro instantâneo, caso haja interesse mútuo entre os usuários. 
E, se por um lado, o anonimato ou a visibilidade controlada podem aumentar a sensação de maior segurança nos usuários, esses mesmos recursos têm sido usados como estratégias para favorecer a atuação e proteção dos golpistas. 
Além dos casos de São Paulo, o problema se espalha por outros estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco. Segundo a Folha de Pernambuco, no início de junho, em Recife, uma quadrilha ligada ao PCC criava e utilizava contas falsas com o nome de 'Maria Clara' para marcar encontros, sequestrar e extorquir vítimas. 
Para Faltay, a solução para casos como estes passa por medidas estruturais de responsabilização dos aplicativos. Caso contrário, o debate pode se tornar moralista, com o risco de culpabilização das vítimas. "De fato, Leo seguiu as dicas tradicionais de proteção, como passar localização, avisar a um amigo. Isso não foi suficiente, o que demonstra a limitação de ações individuais isoladas", argumenta o pesquisador.  
Responsabilidade das plataformas
Segundo Renata Ferreira, especialista em Direito Digital, os aplicativos de relacionamento precisam ter responsabilidade moral com a segurança de seus usuários. No entanto, no âmbito legal, ainda não existe nenhuma legislação no Brasil que obrigue a implementação de medidas de segurança nessas plataformas. 
“A responsabilidade deles é limitada até certo ponto. Eles devem, sim, criar mecanismos e portais de segurança para as vítimas fazerem suas denúncias”, afirmou Ferreira em entrevista à Lupa. “Hoje, temos o Marco Civil da internet, que limita essa responsabilidade dos aplicativos, falam que a responsabilidade deles se inicia a partir de uma decisão judicial. Então, a gente ainda fica à mercê das denúncias das vítimas”. 
Além dos relatos, nas redes, usuários debateram sobre as problemáticas do uso dessas ferramentas, chegando a cogitar a redução ou o abandono dessas plataformas como saída. Ferreira analisa a situação com preocupação, acreditando que o problema não será solucionado dessa forma. “Infelizmente, pessoas para praticarem o mal vão ter em todos os lugares. Então, a gente precisa se precaver, estar mais cauteloso”. Para a especialista, algumas medidas de cuidado podem ser úteis nesse sentido, pois muitas vezes o modus operandi dos criminosos é semelhante. 
“O problema não está nos aplicativos, o problema está quem está manuseando os aplicativos e utilizando de forma indevida, de forma maldosa, de forma ilícita. A solução não é a gente demonizar os aplicativos”, disse. Outro caminho mencionado pela advogada para mitigar os riscos são práticas de educação midiática, com objetivo de deixar os usuários mais alertas aos sinais aparentes do golpe.

Medidas pessoais de segurança digital
Antes do date
  • Analise as imagens: Se as fotos de perfil do usuário retratam uma realidade muito diferente da que ele descreve. Fique atento. “Desconfie do que parece ser muito perfeito. Desconfie de pessoas que se dizem muito bem sucedidas”, alerta  Renata Ferreira. É possível que a cena apresentada seja apenas um “conto de fadas” para atrair pessoas.
  • Não compartilhe dados pessoais: Não forneça número de telefone, endereço,  local de trabalho, nomes de parentes, horários específicos da rotina ou qualquer outro dado pessoal. Mantenha contato apenas pelo app. Dados pessoais podem ser utilizados em golpes futuros.
  • Pesquisar não faz mal a ninguém: Procure pelo nome da pessoa em outras redes sociais. Em alguns casos o perfil pode ser fechado, ainda assim, você pode verificar mais informações em outras páginas da internet, avaliando se são condizentes com a realidade descrita por ela. Se algo estiver sendo omitido ou for contraditório, desconfie. Vale pesquisar pelo nome da pessoa somado com outras palavras como “golpe” ou com o nome da plataforma a fim de verificar se existe alguma notícia ou relato recente sobre algum perigo vinculado ao perfil. “Desconfie dos ‘fantasmas da internet’, que você não consegue encontrar nenhuma informação quando você pesquisa”, aconselha.
  • Desconfie do “amor à primeira vista”: Segundo a especialista em Direito Digital, é comum que perfis golpistas que tentam extorquir, iniciem a conversa de maneira a demonstrar uma forte paixão pela pessoa na tentativa de encantar a vítima para depois solicitar dinheiro. “Desconfie de um cara que é muito intenso e diz que nunca amou ninguém como está te amando”, pontuou. 
Na hora de marcar e ir para o encontro 
  • Local público e conhecido: Marque os encontros em locais públicos, com alta circulação de pessoas e que você já conheça; evitando assim estar exposto e sozinho diante de um potencial golpista. Se puder ser perto de casa ou de amigos e familiares, melhor ainda.  
  • Compartilhe a localização: Ao sair para um encontro, compartilhe sempre sua localização em tempo real com familiares e amigos; ao chegar, avise que está tudo seguro e, se for preciso, mantenha o localizador GPS do celular ativo durante o encontro. 
  • Desconfie se houver mudança de rota: Conforme alerta a especialista, há casos em que, mesmo marcando em um local público, o golpista envia mensagens no caminho afirmando que “o carro quebrou” ou outro imprevisto aconteceu e precisa que a vítima o ajude em um endereço determinado. No entanto, no momento em que a pessoa chega no local, ela percebe que se trata de uma emboscada. Fique atento.
O que dizem as plataformas?
Em abril, o app Tinder anunciou recursos para aumentar a segurança dos usuários, incluindo medidas para combater perfis criados utilizando recursos de inteligência artificial. A ideia, entre outras coisas, é garantir a autenticidade dos usuários, evitando que se passem por terceiros. Ainda assim, usuários de aplicativos relatam se sentirem cada vez mais inseguros ao usarem as plataformas. 
Recursos de segurança das plataformas 
Recursos ausentes 
  • Nenhum dos apps possui recursos de botão de emergência, em que a central do serviço é imediatamente acionada. Alguns já contaram com o recurso, mas em parceria com outras empresas que forneciam o serviço. 

Ainda sem data de lançamento, o recurso 'Compartilhar Meu Date' será liberado pelo Tinder no Brasil. O anúncio foi feito em abril de 2024. Ferramenta permitirá que usuários possam compartilhar um link contendo informações importantes como nome, data, horário, local e foto da pessoa com quem estão planejando se encontrar. Crédito: Tinder / Divulgação
A Lupa contatou as plataformas Tinder, Hornet, Bumble, Grindr, Badoo e Happn a fim de buscar posicionamentos sobre as medidas de segurança adotadas pelas empresas para proteger seus usuários. Foram feitas perguntas sobre como os usuários podem ser verificados; quais os procedimentos de uma denúncia no caso do golpe já ter sido aplicado e o perfil do golpista estiver sido desconectado da conversa; como a empresa atua na segurança dos usuários e se já existe algum mecanismo que evite que o app seja utilizado para dar golpes. As administradoras do Happn, Grindr e Bumble encaminharam seus posicionamentos. 
“No Happn, a segurança é nossa maior prioridade. Exatamente por isso introduzimos o recurso de verificação de perfil. Por meio de biometria, os usuários podem autenticar seus perfis e, se desejarem, interagir apenas com outros perfis verificados no aplicativo”, afirmou a plataforma em nota. “Aconselhamos nossos usuários a se encontrarem em um lugar público e seguro, com muitas pessoas por perto, e informarem um amigo próximo ou membro da família sobre o local do encontro. Nossa equipe colabora com as autoridades em caso de investigação e oferece suporte total aos usuários 24 horas por dia, 7 dias por semana, quando necessário, para ajudar e garantir uma experiência segura.
“Nós do Grindr estamos tristes com a trágica morte de Leonardo Nunes. Embora este incidente não pareça envolver o Grindr, estamos cientes de que, no Brasil, plataformas digitais como a nossa são ocasionalmente utilizadas para atingir pessoas LGBTQ+. Para apoiar nossos membros, hospedamos e atualizamos regularmente um Guia de Segurança Holística e dicas de segurança do usuário em nosso site, e incentivamos os usuários a relatório qualquer comportamento suspeito e use nosso recurso de videochamada para se conectar com outros usuários antes de conhecê-los pessoalmente”, afirmou em nota. “O Grindr também possui protocolos para detectar e remover golpistas e contas falsas e prejudiciais, incluindo uma equipe de moderação dedicada na América Latina, e irá censurar ou banir um usuário que tenha violado as Diretrizes da Comunidade ou os Termos de Serviço do Grindr”. 
“Desde 2019, os usuários contam com o Private Detector, uma inovadora funcionalidade que utiliza inteligência artificial para detectar e desfocar imagens de nudez. Em seguida, o sistema alerta o destinatário, que pode optar por visualizar, excluir ou denunciar a imagem”, disse, em nota, o Bumble. “Além disso, em 6 de janeiro de 2024, foi anunciado o Deception Detector™, que emprega machine learning para identificar spam, golpes e perfis falsos, buscando agir antes que os membros os visualizem. Isso reforça a prioridade do Bumble Inc. em promover conexões seguras e confiáveis. Dentre os perfis identificados como spam/golpes, testes mostram que o Deception Detector™ apoia o bloqueio automático de 95% deles.


Para saber mais sobre outros tipos de golpes, visite "Será que é Golpe?”. A plataforma reúne mais de 160 conteúdos verificados sobre diversos golpes digitais, além de fornecer orientações sobre o que fazer caso você já tenha sido vítima de um golpe.

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Tipo de Conteúdo: Artigos
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