UOL - O melhor conteúdo
Lupa
“Hora de rever como se avalia o ensino”, diz presidente de associação de IA na Educação
22.07.2024 - 22h17
Rio de Janeiro - RJ
Já está na hora de repensar as formas de avaliação de ensino e aprendizagem no Brasil e neste ponto a inteligência artificial tem muito a contribuir com a educação. É o que defende Seiji Isotani, membro do Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES), vinculado ao Instituto de Computação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e presidente da Sociedade Internacional de Inteligência Artificial na Educação (IAIED Society). Recém eleito para o cargo, Isotani conversou com a Lupa na primeira entrevista da série IA na Educação, que traz as diferentes visões de especialistas sobre o tema no Brasil.
Seiji Isotani falou sobre o desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial para educação no Brasil, explicou o método da 'IA desplugada' e comentou o PL 2338, que pretende regulamentar a IA no país. O pesquisador também defendeu a importância do pensamento crítico para lidar com as tecnologias inteligentes, destacando ainda os desafios de presidir um órgão internacional de IA e educação.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
Com a IA, estamos diante de um novo paradigma social?
Tanto no Brasil quanto no mundo inteiro, muito do que vem se discutindo sobre inteligência artificial, em particular na educação, se deve à popularização do ChatGPT e outros modelos de linguagem ampla (os chamados LLMs, em inglês). E, na verdade, o uso da IA na educação já tem quase meia década de história. Então, não é necessariamente uma novidade. No Brasil, temos conseguido criar tecnologias inteligentes e levar os benefícios da inteligência artificial para regiões e contextos onde a infraestrutura e a tecnologia são praticamente inexistentes. Isso é mais recente.
O que são tecnologias inteligentes?
São aquelas que utilizam algoritmos baseados em Inteligência Artificial, ou seja, que utilizam dados que permitem o computador tomar decisões consideradas inteligentes. Algoritmos são treinados com dados ou com outras formas de formalização de conhecimento de modo que o computador consiga se comportar de maneira inteligente ou de uma maneira racional, que é tomar decisões sabendo quais são as suas ações e quais as consequências delas.
Como essas tecnologias podem contribuir para a educação brasileira?
Contribuem tanto ao poder apoiar o aluno a resolver um problema, quanto ao auxiliar o professor a preparar um material didático considerando diferentes tipos de aluno, ou ajudando a personalizar automaticamente uma determinada atividade para alunos com deficiência, por exemplo.
Historicamente, quando mal implementadas, novas tecnologias tendem a favorecer a exclusão social. Um dos recursos de IA que pode contribuir para o acesso aos benefícios da tecnologia na educação é a chamada 'IA desplugada'. Como funciona?
A maior parte das escolas do país tem pouco ou nenhum acesso à internet. Muitas delas têm grandes problemas de infraestrutura. E aí a pergunta que precisamos responder é: será que conseguimos repensar e redesenhar tecnologias de inteligência artificial para alcançar essa população? A 'IA desplugada' é uma das várias técnicas que desenvolvemos no Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES), da UFAL, para tentar resolver isso.
Durante a pandemia de Covid-19, alunos voltaram para a sala de aula e perderam a capacidade de escrita porque passaram um ano e meio sem escrever. Você precisa melhorar a escrita das crianças. Para isso, desenvolvemos um aplicativo chamado “Acompanhamento Personalizado de Aprendizagem” para a correção automática de textos escritos à mão por crianças.
Como a 'IA desplugada' tem impactado na prática?
[Essa tecnologia] tem nos ajudado a quebrar uma das cinco barreiras que impedem o uso da IA, ligada à infraestrutura. Utilizamos a infraestrutura atual das escolas, com a realidade que já existe. Se é o caso de uma escola que não tem internet ou onde a internet só está disponível em alguns momentos, ou se há falta de celulares ou computadores para alunos e professores, conseguimos utilizar IA para beneficiar o processo da aprendizagem.
O educador pega um celular, tira uma foto da redação do aluno e, quando a internet estiver disponível, envia para nosso servidor. Automaticamente, fazemos uma avaliação dessa redação [usando recursos de IA], oferecendo ao professor um dashboard com um diagnóstico de pontos em que o aluno está indo bem, no que está indo mal, empoderando o professor para que auxilie os alunos a escreverem melhor.
Geramos um grande banco de redações e avaliações de alunos de Ensino Fundamental de todo o Brasil. Foram mais de 500 mil alunos utilizando essa ferramenta, 20 mil professores em 1500 municípios, sendo os municípios pequenos e com estruturas mais precárias aqueles que mais recorreram a essa tecnologia.
Como enxerga a tramitação e o último adiamento do PL 2338, que trata da regulamentação da IA no Brasil?
Achei muito importante [o adiamento] porque dá oportunidade de realmente pensarmos melhor em regular a inteligência artificial na direção de fomentar inovação e o uso desse tipo de tecnologia para resolver problemas do nosso país.
O grande desafio é que se está tentando regular o que o Brasil ainda não conhece direito e ainda não faz direito. Se você regula demais, destrói uma tecnologia que poderia trazer grandes benefícios, tanto do ponto de vista educacional e econômico, quanto do ponto de vista de crescimento social. Precisamos pensar mais em entender e trabalhar essa tecnologia para resolver problemas reais e, a partir dessas experiências, começar a regular. Criar um arcabouço regulatório para nutrir a possibilidade de usar tecnologia para resolver problemas, principalmente em regiões mais carentes, faz muito mais sentido do que tentar regular a IA por medo de que algo de errado vá acontecer.
Mas o que fazer diante de problemas gerados pela IA na educação, como o uso de ferramentas para realizar tarefas escolares e produzir conteúdos desinformativos?
Esses potenciais problemas, como o de cola ou do aluno fazer a entrega do texto totalmente pela IA, se dão muito pela forma como nos acostumamos a realizar a avaliação, o que faz com que o aluno pense em utilizar a IA daquela forma para ter um resultado esperado.
Já está na hora de repensarmos como avaliamos o ensino. Em vez de avaliar o resultado final, passar a avaliar o passo a passo e as decisões que o aluno toma. Em vez de avaliá-lo pela prova ou pela redação, avaliar seu processo durante a aprendizagem. Assim, você consegue acompanhar o processo de construção de conhecimento e, a partir disso, ter melhores maneiras de explorar a criatividade, a resolução de problemas e as potencialidades do aluno. Às vezes, a tecnologia vem para chacoalhar um pouco e mostrar que coisas que achávamos que deveriam ser de uma forma, na verdade, podem ser de outra.
Quais os caminhos para preparar alunos e professores para saberem lidar com as novas tecnologias de IA? Que papel a educação midiática tem nisso?
A primeira coisa é dar oportunidade de uso para essas pessoas, deixar usarem a IA generativa, entenderem, verificarem as possibilidades de resolver problemas com essas ferramentas. Apesar de estarmos falando de inteligência artificial na educação, impactos, medos e assim por diante, nos Estados Unidos foi feita uma análise para ver se os professores já tinham escutado falar sobre IA Generativa, como ChatGPT, e metade deles nunca tinha sequer escutado. É interessante perguntar: e no Brasil, como é que está? Não temos conhecimento fora da nossa bolha sobre o quanto as pessoas conhecem ou desconhecem [essas tecnologias].
Alguns problemas não podem ser resolvidos pela inteligência artificial e pela tecnologia. Às vezes, na verdade, o problema é a tecnologia, o excesso de uso da tecnologia. Precisamos entender quais são os problemas que elas estão trazendo do ponto de vista de aprendizagem e o que, na verdade, parece que é tecnologia, mas é sobre comportamento, como dificuldade de concentração e de leitura, por exemplo. É claro que com a tecnologia esse problema aumenta, mas a causa não é a tecnologia em si, mas algo anterior à ela. São coisas que precisam ser muito bem pensadas, de maneira sistêmica.
Essa perspectiva não pressupõe visão crítica por parte do aluno e do professor?
A resposta é sim e não. Precisamos entender quais são os limites da IA ou seja, quais são as potenciais perguntas que você pode responder, o pensamento crítico que você precisa ter ao interagir com a inteligência artificial. Mas isso é muito mais do que uma habilidade digital, é uma habilidade humana. Precisamos retomar essa habilidade que estávamos perdendo no meio desse processo de transformação digital. Assim como você, conversando comigo, está pensando se as informações e ideias que estou passando fazem sentido, quando estamos utilizando inteligência artificial, em particular a IA Generativa, não é plausível você aceitar a resposta do computador ou da IA da forma como ela veio.
A capacidade de conseguir julgar ou fazer uma análise crítica se perdeu muito nos últimos tempos. Isso está dentro do processo de análise midiática, de entender as informações e fazer uma avaliação. É algo que se torna cada vez mais importante. Precisa ter um processo de pensamento crítico que permita que, a partir de várias interações, você entenda se aquilo faz sentido, se não faz, se tem dados incorretos, se a IA está alucinando. Então, essa habilidade de pensamento crítico se torna muito mais importante, e não vai servir só para interagir com a inteligência artificial, mas para a vida como um todo.
O Brasil tem aparecido como potência no campo das tecnologias de IA na educação. O que explica essa posição? Como estamos diante do cenário global?
São duas coisas diferentes: uma inteligência artificial geral, aquela que escutamos muito na mídia, que é o que OpenAI, Google e Microsoft vêm desenvolvendo. Nesse sentido o Brasil está muito para trás. Estados Unidos, China e Índia estão criando soluções que demoraremos algumas décadas para conseguir recuperar o atraso.
Só que olhando para resolução de problemas e a criação de inteligências artificiais para atender populações carentes em regiões e contextos onde a infraestrutura não está muito disponível, em que as habilidades digitais são quase inexistentes, nesse contexto o Brasil é uma liderança. Temos muitas publicações e vários pesquisadores que trabalham nesses contextos de restrição de recursos no Brasil.
Recentemente, você foi eleito presidente da Sociedade Internacional de Inteligência Artificial na Educação. Que desafios terá pela frente?
Uma das iniciativas que a gente quer trabalhar nos próximos anos é conseguir ajudar a sociedade a entender os grandes problemas educacionais e entender como a comunidade de IA na educação pode encontrar soluções interessantes de maneira colaborativa para atacar esses desafios.
Além disso, nos próximos anos vamos criar mais oportunidades para disseminar o conhecimento da academia para o ambiente externo e trazer mais pessoas de outros meios - como governo, indústria, entidades não governamentais, para compartilhar experiências e entender como desenvolver tecnologias de IA para educação capazes de resolver problemas do mundo real.
Editado por
Clique aqui para ver como a Lupa faz suas checagens e acessar a política de transparência
A Lupa faz parte do
The trust project
International Fact-Checking Network
A Agência Lupa é membro verificado da International Fact-checking Network (IFCN). Cumpre os cinco princípios éticos estabelecidos pela rede de checadores e passa por auditorias independentes todos os anos.
A Lupa está infringindo esse código? FALE COM A IFCN
Tipo de Conteúdo: Abre aspas
Copyright Lupa. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização.
Lupa © 2024 Todos os direitos reservados
Feito por
Dex01
Meza Digital