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Lupa
“Já estamos no segundo turno”
17.08.2022 - 12h40
Rio de Janeiro - RJ
A corrida eleitoral começou e promete ser tão curta quanto intensa. Em busca das respostas sobre o que pode acontecer até outubro, a Lupa conversou com o cientista político e diretor do Ipespe, Antonio Lavareda, e com o ex-ministro e jornalista Thomas Traumann. Nesta edição, dividida em duas partes, os entrevistados traçam um panorama do histórico das campanhas eleitorais brasileiras até aqui, garantem que as eleições já começam num segundo turno entre Lula e Bolsonaro vivenciado no primeiro, analisam como devem ser as próximas semanas até o pleito e garantem que, apesar da gigantesca guerra de narrativas, as instituições - em especial o TSE - estão melhor preparadas para enfrentar a desinformação durante as campanhas, nas redes e fora delas. 

O imaginário popular crava: eleição só se resolve na urna. Analisar pleitos presidenciais nunca é tarefa simples e o jogo é complexo e surpreendente. A cada ciclo eleitoral, novas peças e movimentos são introduzidos no tabuleiro. Mas há também o retorno de velhas estratégias de campanha em busca de uma cadeira no Planalto. Com a experiência de 34 anos da redemocratização e após uma eleição com campanhas desinformativas como a de 2018, o que permanece como fator decisivo das campanhas eleitorais para presidente em 2022?
“Em primeiro lugar, é preciso entender que cada eleição tem sua própria natureza. A de 2022 se distingue de qualquer outra eleição da história do Brasil e também do cenário internacional pelo fato de estarem se enfrentando um presidente e um ex-presidente”, observa Antonio Lavareda. Em outras palavras, o que está em avaliação, explica, é a performance de um governo passado e a de um governo atual, com todos os benefícios e problemas que os dois carregam em suas gestões, além da personalidade dos governantes e tudo isso será explorado à exaustão.
 O que muda  
Com Lula e Bolsonaro somando mais de 75% das intenções de voto até aqui, a disputa eleitoral deste ano será marcada por uma corrida mais curta, com exigências maiores e todos os olhares concentrados em dois candidatos. “Estamos há pouco menos de dois meses da votação, a disputa presidencial já está desenhada e paramos de perguntar sobre a terceira via. Pela dinâmica, já estamos vivendo uma espécie de segundo turno, com foco nesses dois nomes, porque à esta altura já está claro que só Lula e Bolsonaro são candidaturas reais nesse processo”, diz Thomas Traumann. 
Apesar de natural, a comparação com as campanhas dos anos anteriores, inclusive 2018, tende a ser pouco confiável para uma análise do que pode ocorrer este ano. “Antigamente, se um candidato tivesse o apoio de partidos nacionais, tempo de televisão, bons palanques nos estados e dinheiro de campanha, sua candidatura tendia a ser bem sucedida. Em 2018, Geraldo Alckmin tinha tudo isso e deu no que deu”, lembra Traumann.
Para ele, diferente das eleições passadas, este ano as campanhas não devem apresentar um fator preponderante e, sim, uma junção de estratégias tradicionais com táticas mais recentes. Seriam as redes sociais as responsáveis por essa mudança no perfil das campanhas? A resposta é: também, mas não só.
“As eleições de 2018 destruíram a ideia de que bastava ter tempo de TV e bons apoiadores para ter uma campanha bem sucedida. Mas também criou-se uma ideia de que tudo mudou. ‘Ah, agora são as redes sociais que interessam e a TV não importa, etc’. Mas o que a gente está vendo é que não é bem assim. 2022 não é 2010, não é 2014, mas também não é 2018. As duas principais e únicas candidaturas verdadeiras nesse processo são completamente tradicionais. Isso não significa que voltamos a 2014, e, sim, que a cada eleição as coisas mudam”, indica Traumann. 
O que permanece
Há também o que não mude, permanecendo como pedra angular de qualquer disputa eleitoral. “O que continua a ser fundamental é o posicionamento da candidatura que, se não for adequado e responder às circunstâncias colocadas, não vai longe. Independentemente do aperfeiçoamento das técnicas de marketing, das tecnologias usadas em campanhas e dos marqueteiros contratados. O papel fundamental do marqueteiro, inclusive, é este: ajudar o candidato a se posicionar bem na mente dos eleitores”, afirma Lavareda.
Para o cientista político, em termos de posicionamento, quem fez a grande jogada de mestre até agora foi o ex-presidente Lula. “Ele estava sendo acusado de extremismo à esquerda e atraiu para sua chapa Geraldo Alckmin, hoje no PSB, que é um partido de esquerda, mas sendo ele reconhecidamente um quadro tradicional da centro-direita do PSDB”, aponta. 
“É claro que uma vez favoráveis as circunstâncias, o candidato deve procurar mantê-las de alguma forma. E para isso é evidente que a comunicação e o marketing - com as novas e as velhas mídias - têm sua importância na construção da mensagem que busca conectar o candidato a determinados grupos que se queira alcançar”, diz Traumann. Os aplicativos de mensagens e as plataformas, assim como os conteúdos que neles circulam ajudam nessa conexão, ainda que para os entrevistados seus efeitos devam ser menores do que em 2018. 
Redes sociais e desinformação 
"Não quero desmerecer o papel das redes sociais no processo, porque isso seria uma idiotice. Quero apenas relativizar a importância delas diante de determinadas circunstâncias”, reafirma Lavareda. Como exemplo mais recente, ele cita as eleições de 2020 nos EUA, quando às vésperas do pleito Joe Biden tinha apenas 10% do número de seguidores de Trump e acabou saindo vencedor da disputa. 
“As redes sociais são uma oportunidade de comunicação barata e eficiente para os candidatos proporcionais, mas para os majoritários, televisão e rádio serão fundamentais”, explicou Lavareda, lembrando que em 2018, “no período longo de hospitalização, quem teve mais tempo de TV, em especial nos telejornais, foi Bolsonaro. Cada boletim médico anunciado nas redes de televisão era uma verdadeira propaganda do candidato”, disse. 
E a desinformação? Na visão de Traumann, esse tipo de conteúdo será fator de interferência ao longo das campanhas, mas não de definição na escolha do próximo presidente. “Depois de quatro anos, algumas das coisas que deram certo em 2018 não vão dar de novo. Mamadeira de piroca não vai funcionar mais. Não consigo perceber que a desinformação vá ter um efeito decisivo nas eleições presidenciais deste ano. Não é que não tenha influência. É que agora as pessoas estão um pouco mais acostumadas, não há tanta surpresa com as fake news como foi em 2018”, diz.
Além disso, o jornalista lembra que Lula e Bolsonaro são figuras conhecidas, sobre as quais a grande maioria dos eleitores já têm um posicionamento definido e difícil de ser alterado por conteúdos desinformativos. “Claro que não se pode deixar de considerar que a desinformação continuará como fator de influência, principalmente na definição das eleições estaduais, de governadores, senadores e deputados, principalmente os estaduais”, observou. 
Instituições bem preparadas
“Concordo com o Thomas e queria comentar a fala dele: o impacto da desinformação será menor do que em 2018. Isso porque houve uma espécie de aprendizado social e institucional. Em especial as instituições, me parece, aprenderam e se prepararam para lidar melhor com isso nos últimos quatro anos”. É o caso do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal, que têm realizado campanhas e projetos de combate à desinformação. 
Lavareda cita ainda o exemplo das eleições de 2016 e 2020 nos EUA, em que o impacto da desinformação foi muito maior na primeira ocasião do que na segunda, quando as instituições de segurança já estavam mais atentas para lidar com os conteúdos falsos, e a sociedade para reagir com menos credulidade a eles.
Especialistas têm apontado com frequência que a dificuldade não será o impacto da desinformação, mas a velocidade dos órgãos de controle (TSE e TREs) de agirem em relação aos conteúdos em circulação nas plataformas. Quanto a isso, Lavareda explica: “De fato, essa preocupação se aplica às campanhas referentes aos estados, em que há uma morosidade maior nos processos legais. Mas no caso da campanha presidencial, que é acompanhada pelo TSE, acredito que o Ministro Alexandre de Moraes está atento para agir rapidamente sobre as infrações e o seu devido remédio legal”.
“Entre o primeiro e o segundo turnos das eleições de 2018, foi publicada a histórica reportagem da Patrícia Campos Mello sobre a rede Whatsapp, sobre a qual o TSE não fez absolutamente nada, porque não sabia o que fazer. Havia ali elementos claros de fraude e de um esquema de disparo de desinformação em massa, mas não se sabia como agir, como processar e a eleição continuou. Dessa vez, eu duvido, duvido realmente, que aconteça o mesmo. O TSE vai agir de outra forma, vai ser célere e vai ser duro ”, opinou Traumann. 
* Esta é uma série especial do Abre Aspas sobre as Eleições 2022. O projeto é uma realização da Lupa em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com foco no combate à desinformação durante o processo eleitoral.

Antonio Lavareda | É Presidente do Conselho Científico do IPESPE - Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas. Graduado em Jornalismo pela PUC-PE , em Direito pela UFPE , mestre em Sociologia pela UFPE e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro . É professor colaborador da pós-graduação em Ciência Política da UFPE. Foi professor e coordenador do mestrado em Ciência Política da UFPE e pesquisador visitante na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Atuou como consultor de estratégia em 91 campanhas eleitorais majoritárias em todo o país, tendo trabalhado também em Portugal e na Bolívia. Como apresentador tem passagens pela Rádio Bandnews FM e pela TV Jornal, afiliada do SBT em PE. 
Thomas Traumann | É jornalista e graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Paraná (1989). Foi editor de jornais e revistas nacionais, com passagens pela Folha de São Paulo, UOL, Veja e Época. Foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, em 2014. Atua como consultor político-econômico independente e palestrante corporativo. Coordena o MBA de Comunicação Digital da FGV/DAPP e é mestrando de Ciência Política do IESP/UERJ. Tem experiência na área de Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: política pública, gestão de governo, redes sociais e conjuntura brasileira.

Produzido por Carolina Araújo e Dominique Gogolevsky
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