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Checando a História: ditadura reconheceu morte de Rubens Paiva em 1977
31.03.2016 - 08h16
Rio de Janeiro - RJ
No domingo 12 de agosto de 1979, Eunice Paiva falou mais uma vez publicamente sobre o desaparecimento de seu marido, o deputado federal cassado Rubens Paiva, ocorrido em janeiro de 1971. A mulher do parlamentar mostrava indignação com as últimas declarações do então presidente da República, o general João Batista Figueiredo.
Três dias antes, em uma caminhada por uma feira livre no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, Figueiredo fora questionado por jornalistas sobre uma solução para os casos das pessoas que combatiam ou criticavam os governos militares e que haviam desaparecido depois de presas pela polícia ou pelas Forças Armadas. A resposta de Figueiredo foi a seguinte:
“Não tenho solução. Quem deve dar a solução é a Justiça. O governo não é a Justiça. Nós temos três poderes neste país; o Executivo, o Judiciário e o Legislativo. Cabe ao Judiciário. Não tenho nada e nunca tive relação nenhuma com esse caso”
Numa entrevista ao “Jornal do Brasil”, Eunice respondeu a Figueiredo: “Todos os presidentes a partir de 1964 tem a ver com isso (desaparecimentos) e ele (Figueiredo) mais do que os outros porque participou intimamente dos governos Médici e Geisel.”
O informe, inédito até o momento, foi pedido pelo então presidente da República, general Ernesto Geisel (ao fim da página 1), ao órgão chefiado por Figueiredo. Assim sendo, o documento mostra que a informação do ex-presidente de que “nunca teve relação nenhuma” com os desaparecidos é:
Falso
No acervo do SNI disponível para consulta pública no Arquivo Nacional, a Lupa encontrou o “Pedido de Busca 10/15/AC/77”, datado em 20 de janeiro de 1977 – dia em que completavam seis anos da prisão de Rubens Paiva. O documento com carimbo de “confidencial” apresentava dois “Manuais de controle de atividades de elementos que tiveram seus direitos políticos suspensos pelos Atos Institucionais 1, 2 e 5”.
Segundo o documento, a Agência Central do SNI estava fazendo a atualização anual da localização e das atividades das pessoas que haviam sido cassadas, que tinham tido direitos políticos suspensos ou haviam sido presas a partir dos atos institucionais editados pela presidência desde o golpe de 1964. “O Exmo sr. Presidente da República (Geisel) determinou que os referidos Manuais fossem periodicamente aperfeiçoados e atualizados a fim de bem cumprirem com a finalidade a que se destinam”, informa o documento preparado pelo SNI de Figueiredo.
No volume I, relativo aos cassados nos AI 1 e AI 2, o nome de Rubens Paiva está listado na folha 113. Abaixo, aparece a sigla SDP, que significa “suspenso os direitos políticos”, e a data da cassação de seu mandato: 10/04/1964. Na última linha sobre o deputado, uma palavra confirma a morte: “falecido”.
Desde 1971, a família do parlamentar cobra explicações das autoridades pelo desaparecimento dele. Esta é a primeira vez que a família se depara com um documento oficial produzido no regime militar que registra oficialmente a morte de Rubens Paiva.
“Nunca vimos nada igual. Eu achei super relevante. É um envolvimento direto da Presidência da República. Não foram militares alternativos, isolados, que resolveram fazer. Como concluiu a Comissão Nacional da Verdade, isso mostra que tinha ordem de comando para chegar lá”, diz Vera Paiva, filha do deputado cassado.
Logo após a morte de Paiva, o I Exército divulgou que ele havia sido resgatado por grupos guerrilheiros quando era conduzido por três militares em uma diligência no Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro. A família nunca acreditou nessa versão e cobrou explicações do Conselho de Direitos da Pessoa Humana, órgão ligado ao Ministério da Justiça, no Superior Tribunal Militar e na Justiça Federal. Queria o reconhecimento da morte do parlamentar.
O estado brasileiro, no entanto, só reconheceu a responsabilidade pelo desaparecimento de Rubens Paiva por meio da Lei nº 9140, de 4 de dezembro de 1995, já no governo do então presidente, Fernando Henrique Cardoso.
Rubens Beyrodt Paiva foi levado de sua casa no dia 20 de janeiro de 1971. Era o feriado do dia do padroeiro do Rio de Janeiro, São Sebastião. Paiva tinha sido deputado federal pelo PTB até ser cassado após o golpe militar. Morava com a mulher, Eunice, e os filhos em uma casa de frente para a praia do Leblon, na zona sul da capital fluminense. Paiva recebeu uma ligação e, pouco tempo depois, sua residência foi invadida por agentes armados da Aeronáutica. Após alguns minutos de conversa, ele saiu dirigindo seu próprio carro rumo à 3ª Zona Aérea, no aeroporto Santos Dumont. Na mesma noite, ele foi entregue a agentes do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) e foi torturado até a morte, possivelmente no dia seguinte.
Nesse mesmo dia, os militares levaram sua mulher e a filha Eliana, de apenas 15 anos, para a sede do DOI-Codi do Rio, na Tijuca. Eliana ficou presa por 24 horas, e Eunice, por 12 dias. A família nunca viu Paiva.
Biblioteca da Presidência da República informa que, à época da prisão de Paiva, Figueiredo era chefe do gabinete militar do presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Antes, ele fora chefe da agência fluminense do SNI e comandante do Estado-Maior do III Exército. Foi justamente no governo de Geisel que ele foi nomeado ministro-chefe do SNI –  último cargo ocupado por Figueiredo antes de se tornar presidente da República, em 1979. Ele morreu em 1999.
Em maio 2014, a Justiça Federal aceitou uma denúncia do Ministério Público Federal do Rio contra cinco militares pela morte e ocultação do cadáver de Rubens Paiva. O general José Antônio Nogueira Belham, comandante do DOI-Codi à época, e o coronel Rubens Paim Sampaio, oficial que integrava o Centro de Informações do Exército (CIE), foram denunciados por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa armada. Eles podem ser condenados até 37 anos e seis meses de prisão.
O MPF também denunciou o general reformado Raymundo Ronaldo Campos e os capitães reformados e irmãos Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza pelos crimes de ocultação de cadáver, fraude processual e associação criminosa armada. As penas para os três podem superar dez anos de prisão.
Os militares recorreram da abertura do processo ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região que manteve a decisão de primeiro grau. Um segundo recurso foi protocolado no STF com base na Lei de Anistia. O ministro Teori Zavascki trancou o processo em decisão liminar em setembro de 2014. Não há previsão para o plenário da Corte decidir sobre o prosseguimento do processo ou não.
No capítulo 16 do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, intitulado “Autoria das graves violações de direitos humanos”, os membros do grupo responsabilizaram 377 militares pelas violações de direitos humanos que ocorreram na ditadura. Entre eles, estão os cinco presidentes. A CNV sustentou que os mandatários tiveram responsabilidade político-institucional e eles usaram como principal exemplo a lei que criou o Serviço Nacional das Informações (SNI).  “Está no texto da lei que o SNI devia assessorar o presidente nas atividades de informação e contrainformação”, afirmou o ex-coordenador da CNV, Pedro Dallari.
Dallari disse que o grupo fez o trabalho que era possível em meio a uma quantidade imensa de informações sobre quase 500 vítimas fatais. Ele, no entanto, ressaltou que o trabalho da CNV abriu caminho para que as pesquisas sobre a área continuem.
Procurado, o Exército informou, por meio de nota, que não possui nenhuma informação ou documento
relativos ao assunto. A Lupa não vai fornecer o link para a nota do Exército por proibição expressa do próprio na mensagem recebida.
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que guardou os documentos do SNI até 2005, não retornou os contatos da reportagem.
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