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Lupa
O desafio da relevância
23.08.2018 - 12h00
Rio de Janeiro - RJ
Quando o jornalista e professor universitário Phillip Meyer publicou nos Estados Unidos o livro “Jornalismo de Precisão”, em 1973, propôs empregar no exercício jornalístico métodos de investigação social. A partir de então, o jornalismo de precisão desenvolveu o uso de ampla base de informações, originando o que depois se chamou de RAC (Reportagem com Auxílio de  Computador) e, mais tarde, jornalismo de dados.
Meyer identificava na precisão das informações um dos pilares da credibilidade jornalística. Cobrava exatidão da informação oferecida: correção na grafia de nomes, nos números, na citação das fontes. Por que é relevante acertar em coisas simples, como o nome do entrevistado? Para que esse entrevistado, ao se deparar com um erro de grafia em seu próprio nome, não acabe por duvidar do conjunto do conteúdo de uma reportagem. Os leitores se irritam ao se deparar com erros – principalmente em informações que eles dominam. Checar antes de publicar é tarefa que deveria ser rotineira, mas muitas vezes escapa à pressa das redações.
Conferir o que os outros dizem também é atribuição do jornalismo. É preciso saber se é verdadeiro o que uma fonte afirma. Checar é tarefa jornalística inegociável.
Em 1991, o jornalista norte-americano Brooks Jackson recebeu de seu chefe, na CNN em Washington, a tarefa de averiguar se coincidia com os fatos o que os possíveis candidatos à Presidência dos Estados Unidos sustentavam na TV. Jackson fundou a “Ad Police”, equipe especializada em checar a propaganda eleitoral, e, em 2003, o primeiro site independente de fact-checking, o FactCheck.org, ativo até hoje.
No Brasil, profissionais atuavam isoladamente no jornalismo de precisão e no fact-checking, que não tinha esse nome. Pioneiro no uso de dados, o jornalista e matemático Claudio Weber Abramo morreu este mês. O jornalismo brasileiro deve a ele avanços na luta pelo acesso a informações públicas. Na “Folha de S. Paulo”, para citar apenas um veículo, o repórter Gustavo Patu foi especialista em reportagens comparando com outras fontes dados fornecidos por políticos.
A ampliação do trabalho de checagem decorre da especialização de uma atividade jornalística que engatinhava no Brasil. Beneficia-se do aperfeiçoamento do jornalismo de precisão, ou de dados, que vitamina o exercício da verificação com o aproveitamento de vasta base de informações, permitindo a criação de bancos de dados e o cruzamento deles de modo mais veloz e certeiro.
O jornalismo, mesmo sabendo que é impossível alcançar a objetividade jornalística plena, deve buscar a precisão. Em um mundo tomado pela profusão de informações, é papel do jornalismo esclarecer ao leitor se o que lhe dizem tem  respaldo nos fatos.
Quem checa declarações alheias aceita se expor ao necessário escrutínio dos leitores, num exercício de transparência. A Lupa decidiu ter uma ombudsman, uma ouvidora, representante dos leitores. É este trabalho que realizarei a partir de agora, recebendo críticas e sugestões do público ao trabalho da agência. E intermediando a relação da Lupa com leitoras e leitores, além de cobrar respostas dos jornalistas (ouvidoria@lupa.news).
O ambiente carregado no Brasil de hoje impõe ao jornalismo um desafio extra: ser ainda mais preciso, necessário e relevante. Não há receita única para isso, e a checagem jornalística terá que construir a sua, com erros, acertos e ajustes.

Notas da semana (de 15 a 22 de agosto de 2018)
Com o início oficial da campanha eleitoral, os debates e os programas de governo ocuparam o noticiário. A Lupa acompanhou bem os primeiros, mas passou quase ao largo dos programas. É parte da metodologia da agência não checar promessas, porém há pontos a serem verificados. Se um candidato anuncia num debate que valoriza a mulher, é recomendável saber o que diz seu programa de governo a esse respeito.
A agência prestou um serviço útil ao leitor e, principalmente, às leitoras  ao conferir um “falso” ao candidato Jair Bolsonaro (PSL) por uma frase proferida no debate da Rede TV!: “É mentira que defendi em qualquer época da minha vida que mulher deve ganhar menos [que homem]”. A Lupa já havia checado isso,  mas o candidato repetiu a declaração. Ponto para a checagem.
Foi oportuna a análise  da Lupa a respeito da frase do candidato Henrique Meirelles (MDB) mencionando que o plano de governo de Bolsonaro não aborda os salários de mulheres. A Lupa fez o dever de casa. Mostrou que a frase está correta, pois no programa do deputado registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com 81 páginas, a palavra “mulheres” aparece uma vez (o documento associa “combater o estupro de mulheres e crianças” a “outro exemplo de mudança ideológica”). “Mulher”, nenhuma vez.
Reitero, porém, a necessidade de que a Lupa se antecipe e passe a comparar as falas dos candidatos com seus respectivos programas, sem esperar que seus oponentes na disputa presidencial o façam.
Destaco alguns questionamentos dos leitores sobre etiquetas conferidas pela agência no debate presidencial da Rede TV!:
  1. Recebeu a etiqueta “verdadeiro, mas”, a seguinte asserção de Bolsonaro: “Eu defendo a castração química para estupradores”. A Lupa informou que Bolsonaro apresentou o Projeto de Lei 5398, propondo a castração química de condenados por estupro, e acrescentou que  o projeto ainda está em discussão. De lá para cá, três parlamentares foram indicados como relatores, mas não se pronunciaram. O projeto aguarda a designação de um deputado relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Leitores reclamaram do “mas”, já que a informação é verdadeira. Entendo que a Lupa poderia ter atribuído um “verdadeiro” e informado sobre a tramitação do projeto. O “mas” é dispensável.
Comentário da redação: Usamos o “mas” sempre que consideramos necessário dar um contexto extra ao leitor.
  1. A Lupa deu “falso” a esta declaração do candidato Ciro Gomes (PDT) por: “Em 1995, escrevi um livro e propus o IVA [Imposto sobre Valor Agregado]. As lideranças de São Paulo foram contra a vida inteira”. A Lupa assinalou que desde 1999 tucanos paulistas defendem o IVA. Como repararam leitores, há dois conjuntos de informações: 1) escrever o livro e propor o IVA; 2) as lideranças de São Paulo serem contra. O que está sendo checado?
Comentário da redação: O falso era apenas para a posição das lideranças de São Paulo. A crítica dos leitores é correta. Na metodologia da Lupa, cada frase merece uma etiqueta.
  1. A Lupa classificou com o selo “contraditório” esta afirmação da candidata Marina Silva (Rede): “O candidato que foi para o segundo turno nas eleições de 2014 está envolvido em graves crimes”.
Marina se referia ao tucano Aécio Neves. A Lupa lembrou que, no segundo turno de 2014, Marina apoiou Aécio na disputa com Dilma Rousseff. Por isso, a agência entendeu ser contraditória sua assertiva. Por mais que Marina colha agora efeitos políticos e eleitorais de sua conclamação pró-Aécio quatro anos atrás, a indagação é: o que está sendo verificado? A frase de Marina ou sua atitude? É um questionamento que a Lupa não pode ignorar, pois remete à sua função primordial: checar informações, e não avaliar condutas.
Comentário da redação: Consideramos a frase analisada contraditória à seguinte: “Eu sei que a partir do dia 1º de janeiro [de 2015], Aécio pode começar as mudanças que tanto queremos e o Brasil precisa (…). Peço que você participe do movimento de mudança que Aécio representa.”
  1. O Comitê de Direitos Humanos da ONU se pronunciou a respeito da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Várias afirmações foram feitas por personalidades públicas sobre a manifestação do comitê, que se tornou um dos assuntos principais dos últimos dias. A Lupa deveria produzir material próprio sobre o tema.
Comentário da redação: Vamos monitorar o tema com mais afinco, apesar de nossa metodologia nos impedir de checar opiniões, conceitos amplos e previsões de futuro.
Acompanhe todo o trabalho da ombudsman aqui.
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