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Lupa
Lupa erra ao classificar como ‘exagerada’ afirmação ‘falsa’ de Bolsonaro
30.08.2018 - 12h00
Rio de Janeiro - RJ
Numa semana marcada por entrevistas de candidatos presidenciais ao Jornal Nacional, a Lupa errou ao classificar como “exagerada” a seguinte afirmação de Jair Bolsonaro (PSL):
“O Plano Nacional de Promoção da Cidadania LGBT: são 180 itens, entre eles a desconstrução da heteronormatividade, ensinando (…) que homem e mulher está errado”.
Heteronormatividade, como já explicou a Lupa, é a ideia de que somente a relação mulher-homem deve ser considerada norma. Qualquer outra relação seria considerada desvio.
De acordo com a agência, só um tópico do plano cita a “desconstrução da heteronormatividade”, em passagem sobre o Sistema Único de Saúde (SUS).
Afirma a Lupa: “O objetivo fixado por esse tópico é fazer com que famílias formadas por casais homossexuais, travestis e transexuais sejam incluídas no sistema de informação do SUS, assim como acontece com as formadas por casais heterossexuais”.
O plano prescreve, conforme a checagem, a inclusão no SUS de famílias com casais não heterossexuais. Não que “homem e mulher está errado”, enfatiza a agência.
Na minha opinião, o núcleo, o ponto central da declaração de Bolsonaro, é que o plano afirma que “homem e mulher está errado”. A julgar pelo que a própria Lupa apurou, penso que o núcleo da declaração de Bolsonaro é “falso”, não “exagerado”. Há tempo para corrigir.
A Lupa fez as checagens em tempo real, um desafio que oferece riscos e ganhos. Exige planejamento na seleção de dados que podem vir a ser citados e destreza para reagir a imprevistos. Abre também um questionamento sobre a necessidade de ser tão célere num trabalho de precisão.

“Kit gay” e “LGBT infantil”
Na mesma entrevista ao JN, Bolsonaro mostrou um livro, cujo conteúdo ele queria exibir no ar, e os apresentadores não autorizaram. Segundo o candidato, o livro “Aparelho sexual e cia.” fazia parte do que ele denominou “kit gay” e foi distribuído nas escolas públicas.
O que o candidato chamou de “kit gay” era um material destinado à formação de professores em temas relacionados aos direitos LGBT.
O livro integrava o que Bolsonaro classificou como “kit gay”? O tal “kit” foi distribuído, adotado, usado? Quem leu só a Lupa não soube. A agência não checou na noite da terça-feira nem no dia seguinte.
Ainda sobre a questão LGBT, a Lupa acertou ao considerar falsa a declaração de Bolsonaro sobre o “seminário LGBT infantil”. A checagem informou que ocorre anualmente no Congresso Nacional um encontro para discutir questões relacionadas à comunidade LGBT, e o tema de 2012 era “Infância e sexualidade”.

Mulheres
Bolsonaro tem repetido que nunca defendeu salários diferentes para mulheres e homens. Ao Jornal Nacional, reiterou: “Não preguem em mim essa pecha que eu defendo isso. Se eu tivesse defendido, teria um discurso”.
A Lupa já tinha checado essa afirmação do candidato (aqui e aqui). Deveria republicá-la, pois ele persiste nessa versão. Os leitores que buscaram esclarecimento agora podem não ter encontrado a verificação feita antes.
A agência preferiu conferir a frase sobre a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho): “Na CLT já se garante isso, o salário compatível [entre homens e mulheres]”. Deu “verdadeiro, mas”: a CLT de fato proíbe que sexo, idade, cor ou situação familiar influenciem sobre o salário, porém o IBGE constata que a desigualdade de salários entre gêneros existe.
Nota da redação: Vamos atualizar a postagem com a checagem sugerida pela ombudsman em instantes.

Réu
A Lupa atribuiu “falso” ao candidato Ciro Gomes (PDT) pela afirmação, feita ao Jornal Nacional, de que o presidente de seu partido, Carlos Lupi, não é réu.
A agência contou que Lupi responde a uma ação civil pública por improbidade administrativa. Teve a preocupação de informar que é uma ação cível, não criminal. O link da ação mostra, na aba “movimentação”, que em 13/08/2018 o caso foi encaminhado para despacho. Lupi reconheceu que responde a essa ação. A questão, portanto, é a palavra “réu”.
Na tarde de terça-feira, segundo o portal UOL, Ciro reconheceu que Lupi responde a uma ação cível, mas reiterou que ele não é réu porque, em ação cível, o termo técnico seria requerido.
Os leitores ganharão se a Lupa:
  1. esclarecer se é certo ou errado usar a palavra réu em ações cíveis. A Lei de Improbidade Administrativa já utiliza a palavra réu. O leitor, porém, não tem obrigação de saber;
  2. informar se já houve decisão da Justiça;
  3. checar se há outras ocorrências judiciais de Lupi.
Nota da redação: Em nota, a OAB-RJ nos confirma que a palavra “réu” pode ser utilizada. Nossos repórteres já foram pautados para responder as outras duas questões. O post será atualizado assim que possível.

Matemática
A Lupa corrigiu de modo transparente dois erros numa checagem sobre Ciro Gomes. O candidato do PDT afirmou ao “JN” que o endividamento dos brasileiros era de R$ 4 mil, em média. A agência considerou “falso” por entender que o valor apresentado por Ciro era “264%” maior que a dívida média de R$ 1,5 mil, segundo o SPC Brasil.
Primeiro veio a correção matemática: o certo seria falar em 164%. Mais tarde, a Lupa informou que Ciro se baseou nos dados do Serasa, e a agência, nos do SPC Brasil. Corrigiu a etiqueta para “verdadeiro, mas”. Foi útil aos leitores saber que há mais de uma fonte sobre o assunto. Por que o “mas”?
Nota da redação: Optamos por manter o “mas” para que o leitor saiba que o dado usado pelo candidato se baseia em uma fonte de dados, mas que existe outra que aponta informação divergente.

De novo, o “mas”
Ciro afirmou que no PSDB não há ninguém preso. A Lupa classificou como “verdadeiro, mas” e acrescentou que o senador Aécio Neves é réu no Supremo Tribunal Federal. Informação relevante. Mas, de novo, o “mas” é dispensável. A checagem era sobre prisão, e não sobre a condição de réu.
A propósito: não há mesmo ninguém do PSDB preso ou o que não existe no cárcere é dirigente ou figurão do partido?
Nota da redação: O candidato falava especificamente de presos na Operação Lava Jato. Consideramos relevante pontuar que o senador Aécio Neves é réu. O “mas”, segundo nossa metodologia, é usado para dar contexto às checagens.

O “mas” no devido lugar
Na checagem da entrevista do candidato Geraldo Alckmin (PSDB) ao JN, a etiqueta “verdadeiro, mas” apareceu em sua melhor versão. O tucano afirmou que, em 2017, o número de assassinatos no Estado de São Paulo caiu para 3.503. A Lupa esclarece: em 2017, SP realmente registrou uma redução no número de homicídios dolosos (3.504), MAS o dado desconsidera outros tipos de mortes violentas e intencionais ocorridas no período, como lesão corporal seguida de morte, latrocínios e mortes em decorrência da ação das Polícias Militar e Civil. O leitor agradece.
O e-email da ombudsman é ouvidoria@lupa.news.
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