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Cinco imagens com 800 mil shares: o submundo das fake fotos no Facebook
03.09.2018 - 14h00
Rio de Janeiro - RJ
Por pura curiosidade, passei os últimos sete dias imersa no oceano das imagens falsas que circulam diariamente no Facebook. Queria saber mais sobre as profundezas da mentira estampada em fotomontagens e legendas truncadas. Entender como elas se espalham na rede e com que velocidade alcançam o grande público. Pois bem. Retorno dessa experiência impressionada e decidida a dar total atenção a esse mar de mentiras até novembro – enquanto durar o processo eleitoral. Na última semana, cinco montagens toscas ou fotos reais com legendas indevidas – todas elas relacionadas às eleições, atingiram mais de 800 mil compartilhamentos na plataforma.
Por meio do projeto de verificação de notícias, lançado pelo Facebook no Brasil em maio, a Agência Lupa, assim como Aos Fatos e France Presse, tem acesso a uma plataforma única e exclusiva que mostra todos os posts (textos, imagens e vídeos) que os usuários da rede social gostariam que fossem verificados. Tudo aquilo que o próprio Facebook – por meio de seu machine learning – entende como potencialmente falso também aparece lá.
O volume é gigantesco. São centenas de artigos, fotos e gravações todos os dias. Alguns passíveis de checagem. Outros nem tanto por se tratarem de opiniões, previsões de futuro, conceitos amplos.
Na última semana, a equipe de checadores da Lupa mergulhou de cabeça nas imagens denunciadas como potencialmente falsas e produziu uma série de artigos que não só revela a dimensão do problema como também mostra que não há partido nem político livre disso. As reputações – e a verdade – estão em risco.
Que a jovem Suzane Richthofen, presa por assassinar os pais, não será candidata a deputada neste ano é algo que usuários mais atentos do Facebook podem deduzir. Seus direitos políticos estão suspensos por lei, já que sua sentença transitou em julgado. Mas, mesmo assim, “santinhos” com um número de urna impossível – tanto em nome do PSDB, quanto em nome do PT – foram produzidos para ela e ganharam tração na rede social no último dia 24. Até a publicação da checagem, as fotos avaliadas pelos fact-checkers já tinham sido compartilhadas mais de 101 mil vezes na plataforma, sempre em tom crítico às duas legendas.
Uma falsa capa do polêmico kit gay, como ficou popularmente conhecido o material elaborado mas nunca distribuído em 2011 para promover a não-discriminação por orientação sexual nas escolas, também voltou à tona nos últimos dias.
Quem acompanha política há anos sabe que imagens falsas ligadas a esse assunto sempre emergem quando Fernando Haddad (PT) entra em campanha. Ele era ministro da Educação na época em que o material foi produzido e acabou envolvido no escândalo. Resultado: o tema kit gay, com suas fotos falsas, está de volta às redes. E surgiu no WhatsApp também.
Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República, parece ser o alvo ou o assunto preferido das imagens de conteúdo falso que povoaram o Facebook na última semana. Em sete dias, a equipe da Lupa flagrou duas fake fotos ligadas a ele.
A primeira – que chegou a ser postada e deletada pelo próprio atingindo 27 mil compartilhamentos – mostra 18 homens, alguns deles fortemente armados, em frente a um cartaz de papelão em que se lê a frase “Bolsonaru é bala. CV”, em referência ao Comando Vermelho. A imagem original, que data de 2016, não tem o cartaz.
A segunda fake foto ligada a Bolsonaro mostra, na verdade, o rosto do presidenciável e um texto que não é real: “Bolsonaro acabou de dizer em uma entrevista que não precisa dos votos das mulheres, dos LGBTs e dos negros”. Não há qualquer registro público disso, e o candidato vem, inclusive, reclamando da postura de seus rivais de campanha que estariam reforçando essa frase por aí. “Olha só, o pessoal tenta me jogar contra as mulheres, os negros, os gays”, queixou-se. Há notícias de que o Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia trabalha neste caso especificamente.
Geraldo Alckmin, candidato do PSDB ao Planalto, não passa despercebido no mundo das imagens falsas que povoam a rede social. Na manhã desta segunda-feira (3), já tinha sido compartilhada 740 mil vezes no Facebook uma postagem que mostrava seu rosto acompanhado da frase: “Quem quer dar aula faz isso por gosto, e não pelo salário. Se quer ganhar melhor, pede demissão e vai para o ensino privado. Geraldo Alckmin”.
Falsa, como as anteriores. Apesar de ter tido alguns atritos com professores da rede pública de ensino, o ex-governador de São Paulo nunca disse essa frase. Um busca simples na internet revela que ela é atribuída ao ex-governador do Ceará Cid Gomes. Mas os usuários do Facebook parecem não estar dispostos a fazer sequer esta simples busca no Google. Mais fácil clicar na setinha e compartilhar o conteúdo falso.
Daí a relevância dos checadores. Afinal, quanto tempo demoraria para as campanhas localizarem essas informações e recorrem às plataformas ou à Justiça? E quanto tempo demoraria a Justiça para avaliar cada um dos casos citados – apenas alguns dos checados pela equipe da Lupa nos últimos dias?
Até onde se enxerga, no front espinhoso da guerra contra as notícias falsas, a única resposta real e objetiva vem sendo dada pelos fact-checkers, que, produzindo mais e mais informação, vêm conseguindo combater (pelo menos) uma pequena parte da desinformação que se acumula nas redes.
Este artigo foi publicado no site da revista Época em 3 de setembro de 2018.
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