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A checagem deve tratar com igualdade os desiguais?
18.10.2018 - 12h00
Rio de Janeiro - RJ
Quando preparou a saudação à turma de formandos de 1920 da Faculdade de Direito de São Paulo, Rui Barbosa produziu o texto que é considerado seu testamento político-jurídico. A “Oração aos Moços” traz uma definição célebre de igualdade: “Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”.
Sem entrar aqui na temática jurídica, a lição do jurista baiano é simples. Se a igualdade é um princípio consagrado na construção da cidadania, é preciso atentar para a igualdade real, perceber as diferenças e dar a elas o tratamento adequado.
O princípio da igualdade serve para, a dez dias das eleições, observar o trabalho da Lupa e as questões trazidas pelos leitores.
Um balanço das checagens realizadas pela agência em seis debates do primeiro turno com os candidatos a presidente indica 178 verificações, 94 positivas e 84 negativas. Segundo a Lupa, de acordo com os princípios da IFCN, da qual é signatária, como os políticos têm tempos de exposição diferentes e estilos de fala diferentes, qualquer comparação numérica com base em etiquetas é injusta e não recomendada. Assim, não se entrega o troféu do “mais mentiroso”.
Por meio do projeto de verificação de notícias em parceria com o Facebook, houve 58 conteúdos checados, 57 classificados como falsos e só um verdadeiro – a presença do candidato do PSC ao governo do Rio, Wilson Witzel, ao lado de candidatos que quebraram a placa em homenagem a Marielle Franco, vereadora do PSOL covardemente assassinada em março deste ano.
Desses conteúdos enviados por usuários do Facebook e confirmadamente falsas, a Lupa listou os dez mais compartilhados. Nove, como citei na coluna passada, eram a favor do candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, e de suas bandeiras, ou contra seus concorrentes.
A constatação óbvia é: não foi possível deter a nefasta onda de desinformação. O que precisa ser discutido são seus efeitos na campanha e na eleição.
Equilibrar o número de checagens sobre os adversários não é, necessariamente, ser equânime. Para ser fiel à igualdade real de Rui Barbosa, se um lado produz um volume avassaladoramente maior de informações mentirosas, os dois devem merecer a mesma quantidade de verificações? É um debate que o mundo da checagem jornalística tem feito hoje, e deve nos fazer refletir.
A forma como esta campanha foi coberta, analisada, checada, não diz só sobre os candidatos. Nem só sobre os eleitores. Diz sobre o passado e o futuro, sobre o que de relevante foi produzido pelo jornalismo e o que de ultrajante foi visto como aceitável. Diz sobre as perguntas feitas aos candidatos e a forma como a desinformação foi combatida. E, quando tudo isso for História, cada um poderá contar aos seus bisnetos o que andava fazendo.

O inacreditável mundo novo do WhatsApp
O WhatsApp esteve no centro do noticiário esta semana. Reportagem da Folha de S.Paulo mostra que empresas que apoiam Jair Bolsonaro estão comprando pacotes de mensagens enviadas em massa no aplicativo contra o PT. A prática é ilegal, pois a doação de empresas para campanhas é proibida pela legislação eleitoral.
A Lupa também produziu material exclusivo sobre o WhatsApp: uma parceria com UFMG e USP permitiu, num trabalho sem precedentes, o monitoramento e a checagem de 347 grupos públicos do aplicativo. No inacreditável mundo escrutinado pela pesquisa, das 50 imagens mais compartilhadas, só 4 eram verdadeiras – o que dá ideia do volume e da velocidade de falsificações circulando nessa rede.
Em artigo publicado no New York Times e no site da Lupa, o projeto teve o cuidado de deixar sugestões ao WhatsApp: restringir o número de encaminhamentos de uma mesma mensagem; reduzir o número de transmissões e limitar o tamanho de novos grupos.
Com essa ação notável, a Lupa demarca seu lugar no trabalho de checagem jornalística no Brasil. E ainda oferece aos leitores material para pesquisa.
Nas redes, a iniciativa dividiu os leitores. Houve aprovação, mas também acusações de que a Lupa quer censurar conteúdos. A agência explica que nenhuma das sugestões, caso seja aceita pelo WhatsApp, limita a comunicação, apenas tenta restringir temporariamente o avanço da notícia falsa.
As falsificações veiculadas nas redes já deixaram marcas indeléveis nesta campanha. Iniciativas como a da Lupa para combater tais falsificações são bem-vindas. Se darão resultados, mesmo que não mais nesta eleição, o futuro dirá.

O que faltou
O candidato do PSL, Jair Bolsonaro, fez uma visita ao Bope. Para além de suas declarações, há algo mais a ser checado: o que diz a legislação eleitoral sobre campanha em prédios públicos? A agência precisa informar.
Na sordidez da semana, espalhou-se nas redes o boato de que um livro escrito por Fernando Haddad defendia o incesto. Outros projetos de checagens, como Aos Fatos e Fato ou Fake, apontaram a falsificação. A Lupa não checou.
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