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Checadores latinos lutam contra fake news transnacionais – no Brasil, a proteção é o português
07.01.2019 - 14h43
Rio de Janeiro - RJ
Você acha que o Brasil anda inundado por notícias falsas? Que não dá para receber mais mentiras no seu celular? Que já atingimos o nível máximo de desinformação em 2018? Pois agradeça o fato de falarmos português. Ao que tudo indica, nosso idioma ainda serve de barreira para algumas fake news.
Na coluna desta semana, convido você, leitor, a refletir um pouco sobre o dia a dia dos checadores que atuam em espanhol – bem pertinho daqui, na América Latina. Falo de profissionais que diariamente lêem denúncias de notícias falsas sem saber exatamente de que país elas partiram nem quais interesses políticos escondem. E que precisam desvendar tudo isso em questão de minutos, numa operação delicada e transnacional que merece reconhecimento.
Em agosto do ano passado, por exemplo, os argentinos do Chequeado viram despontar no Facebook um post que mostrava a foto de militares armados e em veículos de grande porte, acompanhada de um texto que “informava” que eles passariam a vigiar as ruas do país, obedecendo a ordens expressas do presidente Maurício Macri. Tudo falso.
Os militares da foto não são argentinos, mas mexicanos. A foto, na verdade, havia sido feita oito anos antes, em 2010. Mas os cidadãos argentinos não notaram (ou não quiseram notar) as diferenças nos uniformes. Também não imaginaram que uma medida desse porte, se tivesse realmente sido tomada por Macri, seria alvo de reportagens na imprensa local – o que não havia acontecido, obviamente. Resultado: acabaram compartilhando a foto mexicana – como se argentina fosse – 92,9 mil vezes. E, para encontrar a origem da imagem e entender seu contexto real, o Chequeado precisou buscar informações fora de suas fronteiras – lá nas Forças Armadas do México.
Em junho, os fact-checkers da coalizão Verificado, que esteve ativa e foi premiada por sua atuação durante a eleição presidencial mexicana, fez um caminho semelhante. Dessa vez, conectando-se com a Colômbia. No dia 8 daquele mês, ganhou força nas redes sociais do México a “informação” de que um grupo de mulheres vestindo biquínis panfletava em favor do Partido Revolucionário Institucional (PRI), a legenda mais antiga do país, chamando a atenção de quem as via passar. Também não era verdade.
A imagem original – localizada pelos fact-checkers mexicanos – tinha sido publicada na Colômbia quase um mês antes, e as mulheres tinham panfletado para o ex-candidato Germán Vargas Lleras a quilômetros de distância do México. Mesmo assim, a foto com legenda falsa foi compartilhada mais de 60 mil vezes.
E o que pode acontecer quando as notícias falsas se aproximam da diplomacia, opondo chefes de governo? Em novembro, os fact-checkers do ColombiaCheck desfizeram uma grande confusão. Um site chamado AsíSucedió tinha publicado a “notícia” de que o novo presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, havia dado uma entrevista ao canal de televisão venezuelano TeleSur fazendo duras críticas à Colômbia e dizendo que o país vivia “uma ditadura disfarçada de democracia”. Falso, mais uma vez. A entrevista à TeleSur jamais acontecera, e a intriga trinacional já era gigantesca quando foi desfeita pelos checadores profissionais.
O fato de todos esses países usarem o mesmo idioma facilita a disseminação do conteúdo distorcido. Agora pense em regiões do mundo que são “um pouco” mais conflituosas e que também compartilham a língua. O Oriente Médio, por exemplo. Pense como notícias falsas feitas no Egito podem ser plantadas no Iraque. As do Iraque, no Líbano ou na Síria e assim por diante.
E agradeça pelo português que você fala.
Este artigo foi publicado pelo site da revista Época em 7 de janeiro de 2019.
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