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Marielle, Suzano e decisão do STF transformaram o WhatsApp num pântano de horror e ódio
18.03.2019 - 15h00
Rio de Janeiro - RJ
A mistura de três notícias explosivas no curto período de 48 horas fez com que o WhatsApp brasileiro se transformasse num pântano de imagens e montagens odiosas. Num espaço fértil para propagação de notícias falsas e para a difusão de vídeos de pânico e horror. Um território de brigas, discórdia e desentendimento. Fica a pergunta: até quando reagiremos assim, Brasil?
Na terça-feira (12), o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz e o policial militar reformado Ronnie Lessa foram presos no Rio de Janeiro sob a suspeita de terem matado a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em março do ano passado. O fato de Lessa morar no mesmo condomínio do presidente Jair Bolsonaro (PSL), na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, serviu de munição para que dezenas de notícias falsas ganhassem vida.
A imagem que mostrava a “família de Bolsonaro com o executor de Marielle”, por exemplo, já foi etiquetada como tal pelos fact-checkers profissionais. A Lupa apurou que o homem que veste camiseta polo preta e aparece sorrindo na imagem é, na verdade, Wladimir Garcia de Menezes, vice-presidente da Associação dos Policiais Militares Portadores de Deficiência do Estado de São Paulo (APMDFESP). Ele não tem qualquer relação com os presos do caso Marielle. Mas a maldade solta no WhatsApp não se preocupa com fatos – é claro.
Também é falsa a imagem de Élcio usando uma camiseta com a foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após sua prisão, odiosos militantes foram até as redes sociais do ex-PM e capturaram uma imagem de sua biblioteca para ser adulterada. A checagem que detalha essa história já está no ar há dias, mas a cólera continua jorrando nos aplicativos de celular.
Na manhã de quarta-feira (13), dois jovens entraram armados numa escola de Suzano (SP) e mataram oito pessoas. Depois morreram também. Não havia passado sequer uma hora do desfecho da tragédia, e eu – no Rio de Janeiro – já tinha recebido via celular um vídeo em que se via corpos de crianças mortas, estiradas nos corredores ensanguentados da escola.
Não tenho qualquer conexão com Suzano. Não tenho familiares ou amigos que morem por lá. Nunca estive na cidade. Horrorizei-me não só com o conteúdo que vi (e que espero que jamais seja visto por aí), mas também com velocidade com que aquilo viajou pelo WhatsApp. Sem barreiras, sem impedimentos.
Iniciei sozinha uma corrente contrária à difusão daquele material. Primeiro de forma pessoal. Depois, com a ajuda dos checadores da equipe da Agência Lupa. Entendemos que era uma bandeira a ser encampada, afinal, em poucas horas, o Monitor de WhatsApp – criado pela Universidade Federal de Minas Gerais – passou a refletir o horror que era compartilhado à enésima potência. Dessa forma, abrimos no Twitter um fio de conversa (uma thread), lembrando que situações extremas de violência são propícias à produção de notícias falsas envolvendo supostas vítimas, autores e muito mais. Essas foram nossas sugestões de reflexão. Elas valeram para aquele dia, mas valerão para outros também:
E aí chegou a tarde da quinta-feira (14). Com ela, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de fazer com que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando associados ao caixa dois de campanha, passassem a ser julgados exclusivamente pela Justiça Eleitoral. O alvo do ódio no WhatsApp se virou contra a Corte e seus membros.
Na Folha de S.Paulo daquele dia, a colunista Daniela Lima havia previsto: “grupos de WhatsApp que tinham sido desativados após a campanha voltam a operar (…) as comunidades elegeram um alvo comum: o Supremo. Montagens pedem ‘o fim do STF’, apontam ‘a toga contra o povo’ e chamam os ministros de criminosos“.
Fui checar, e era fato. No Monitor do WhatsApp, entre as 12 imagens mais compartilhadas da jornada estavam, as seguintes:
Com elas, voltaram a viralizar nas redes notícias falsas que haviam sido checadas meses atrás. Uma contra o ministro Marco Aurélio – que não tirou foto ao lado de Fidel Castro. E outra sobre um falso auxílio-educação de R$ 7 mil para filhos de juízes com até 24 anos de idade. O ministro Dias Toffoli mostrou-se farto. Anunciou a abertura de um inquérito para apurar as fake news e as ameaças feitas contra ele e seus pares. Mas… que fim tudo isso levará?
Este artigo foi publicado pelo site da revista Época em 18 de março de 2019.
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