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Sri Lanka bloqueou redes sociais e semeou dúvida: isso resolveria as ‘fake news’?
29.04.2019 - 13h30
Rio de Janeiro - RJ
No domingo de Páscoa (21), quando veio à tona a informação de que mais de 300 pessoas tinham sido mortas em ataques terroristas cometidos de forma quase simultânea no Sri Lanka, o governo local não pensou duas vezes. Para evitar a proliferação de notícias falsas, foi lá e bloqueou o acesso de seus cidadãos a Facebook, WhatsApp, Youtube, Instagram e várias outras redes sociais. Em meio ao caos e ao pânico gerados pelo horror, os poderosos preferiram puxar o fio da tomada. Impedir a comunicação – vertical e horizontal -, em vez de ampliá-la exponencialmente. Preferiram calar no lugar de fazer frente à desinformação que tomaria conta. Imagine agora se isso tivesse acontecido nos Estados Unidos, berço da liberdade de expressão, ou no Brasil, onde o consumo individual de internet já excede nove horas por dia. Que tamanho teria a reação?
“Se o governo dos Estados Unidos bloqueasse o acesso a todas as redes sociais depois de um ataque terrorista, nós consideraríamos isso como um ato absurdo e autoritário, mas, quando acontece longe, ficamos em cima do muro”, reconheceu, de forma transparente, Casey Newton no The Verge. A distância deixa tudo meio morno, meio adormecido, não é?
Mas o debate é bom. Faz pensar: desligar a internet num momento de crise resolve a desinformação? Para a produção e disseminação de notícias falsas? Ou afeta também o jornalismo profissional e o trabalho dos fact-checkers, contribuindo para aumentar o pânico na sociedade?
No dia 15 de abril, enquanto as chamas consumiam boa parte da catedral de Notre Dame, em Paris, surgiu a suspeita de que se tratava de um atentado terrorista. Aos ocidentais, parece absurdo imaginar que, em algum momento, o presidente francês Emmanuel Macron tenha se reunido com os membros de seu gabinete de crise para avaliar a possibilidade de suspender o acesso dos franceses às redes sociais.
É certo que o incêndio de Notre Dame não resultou em mortes, mas as notícias falsas e as teorias da conspiração estavam todas lá. Aos montes. E ganharam tanta força que levaram a coalizão FactcheckEU, criada para fazer frente à desinformação ligada à eleição do Parlamento Europeu que acontecerá em 26 de maio, a mudar de foco. Por aproximadamente 48 horas, as 19 plataformas de checagem associadas a essa iniciativa deixaram de lado a disputa eleitoral e se dedicaram a combater as “fake news” sobre Notre Dame, tamanha relevância elas ganharam. E mais: os parceiros do FactcheckEU usaram as redes sociais – jamais bloqueadas, é claro – para compartilhar o resultado de suas verificações com o resto da comunidade de checadores. Veja aqui o que foi publicado naquele dia.
Passei a última semana na Cidade do México. Participei de um encontro promovido pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em conjunto com o Instituto Nacional Eleitoral (INE) do México, sobre como combater as notícias falsas durante campanhas políticas.
Eleição, em geral, não deixa mortos. Mas também pode ser tratada como um momento de crise, já que a desinformação corre solta. A comparação, portanto, pode ser interessante. Se numa determinada campanha, o nível de notícias falsas se tornar alarmante aos olhos do governo ou da autoridade eleitoral, o desligamento das redes sociais poderia ser uma medida plausível?  Hora de respirar fundo diante da ideia.
No evento de que participei, foram analisadas quase todas as experiências de combate à desinformação vistas nos três países que realizaram eleições presidenciais em 2018: Brasil, Colômbia e México. Desligar a internet – algo tão real e recente no Sri Lanka – ainda pareceu absurdo. Ufa.
Na América, a crença vigente é de que desinformação se combate com ondas massivas de informação de boa qualidade. Com dados apurados de forma veloz e dispersados – vejam só – nas redes sociais. É dado como fato que autoridades e fact-checkers precisam trabalhar cada vez mais juntos, de forma coordenada, para neutralizar teorias da conspiração e informações duvidosas. Afinal, não é fechando o campo de futebol e guardando a bola que se extingue a vontade de jogar.
Este artigo foi publicado na edição digital da revista Época no dia 29 de abril de 2019.
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