UOL - O melhor conteúdo
Lupa
O mundo ‘pós-likes’ pode colocar o fact-checking em xeque
18.09.2019 - 07h01
Rio de Janeiro - RJ
Se você acompanha de perto os movimentos de Facebook, Instagram, Twitter e Youtube, já sabe que as curtidas parecem ter os dias contados. As quatro gigantes implantaram ou estão testando formas de omitir quantos likes uma postagem teve. Agora, se você é do tipo que não segue esse noticiário, comece a prestar atenção a essas mudanças. As alterações podem afetar em cheio o trabalho dos checadores de fatos no mundo todo e, em consequência, ampliar o grau de desinformação nas redes sociais.
Numa primeira leitura, o movimento em favor da desmetrificação dos posts – sejam eles em formato de textos, fotos ou vídeos – parece ser uma resposta à indústria dos likes e ao dano psicológico que ela pode causar.
Lá atrás, quando as redes sociais saíram do papel, as curtidas serviam não só para mostrar o sucesso de uma publicação, mas também para influenciar o algoritmo de algumas das plataformas e fazer com que aquele conteúdo fosse distribuído para mais pessoas.
Em alguns anos, surgiram as fazendas de curtidas e os robôs, sistemas que poderiam ser comprados de forma a “viralizar” um conteúdo e a transformar um determinado indivíduo num influenciador digital. Com isso, veio o caos mental. A busca por curtidas e a angústia atrelada a sua ausência.
A desmetrificação seria, portanto, uma forma de quebrar esse ciclo vicioso: sem saber quantos likes um conteúdo ou uma pessoa têm, as redes sociais sobreviveriam apenas pela qualidade real daquilo que comportam.
Em julho deste ano, o Instagram deu o primeiro passo. Passou a “esconder” o número de curtidas das postagens feitas em sete países do mundo: Brasil, Canadá, Austrália, Itália, Irlanda, Japão e Nova Zelândia. E o marketing digital reclamou. Muito. Influenciadores já não tinham como provar o sucesso de suas postagens – nem cobrar por elas. Nas empresas, os marketeiros já não sabiam ao certo em que contas investir – muito menos medir seu ROI (return of investment).
Hoje em dia, sabe-se que o Facebook (dono do Instagram) faz testes internos no mesmo sentido, assim como o Twitter. O Youtube, por sua vez, deixou de mostrar o número exato de pessoas inscritas em canais. A contagem mostra apenas números aproximados.
É possível que você tenha chegado até aqui comemorando essas decisões. Então precisa saber que, o trabalho dos fact-checkers de todo o mundo depende – e muito – das métricas produzidas pelas redes sociais. Qualquer alteração na exibição delas deveria passar por uma discussão com os checadores.
Explico: todos os dias, as redações das plataformas de checagem recebem centenas de posts apontados como supostamente falsos para checar. É com base nas métricas – número de likes, de compartilhamentos e comentários – que as equipes determinam o que merece atenção imediata, com base no potencial de viralização indicado pelos dados. A ausência deles pode colocar os checadores num estado semelhante ao que se vê hoje em dia no WhatsApp.
E já há casos concretos disso. Ao agir contra fotos antigas atribuídas às queimadas da Amazônia, os fact-checkers da Agência Lupa perceberam que já não podiam contar com o aplicativo de celular do Instagram. Ele já não informava o número de likes das fotos que circulavam fora de contexto. Tiveram que correr para o computador para verificar se, por lá, ainda era possível saber qual imagem merecia ser trabalhada antes. Foi com alívio que constataram que, pelo desktop, ainda era possível ver o número de curtidas.
Imagine agora como seria se todas as redes sociais retirassem dos checadores a informação sobre qual texto, imagem e vídeo falso está sendo mais espalhado pela rede. Você certamente o receberia – sem a devida checagem em anexo. Talvez esse lado da desmetrificação mereça ser mais debatido.
Atualização feita às 13h do dia 26 de setembro de 2019: O Facebook informa que não há nenhum plano para retirar os likes do NewsFeed em curto prazo, mas também não nega a possibilidade de que isso seja feito. Destaca que a ferramenta disponibilizada para que os fact-checkers trabalhem na plataforma não leva em consideração os likes, mas sim o número de shares, uma métrica diferente que não está sendo posta em xeque.
Os fact-checkers, no entanto, entendem, que os likes também são importantes no conjunto de informações que levam a decisões sobre o que priorizar na hora de iniciar um trabalho de verificação. A coluna publicada nesta semana diz respeito, sobretudo, ao que já foi sentido na redação da Lupa no que diz respeito ao Instagram – não ao Facebook.
Editado por
Clique aqui para ver como a Lupa faz suas checagens e acessar a política de transparência
A Lupa faz parte do
The trust project
International Fact-Checking Network
A Agência Lupa é membro verificado da International Fact-checking Network (IFCN). Cumpre os cinco princípios éticos estabelecidos pela rede de checadores e passa por auditorias independentes todos os anos.
A Lupa está infringindo esse código? FALE COM A IFCN
Tipo de Conteúdo: Opinião
Conteúdo editorial em que a Lupa ou convidados se posicionam sobre algum fato envolvendo desinformação e educação midiática.
Copyright Lupa. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização.

Leia também


11.07.2024 - 18h17
opinião
Alvo de 'Abin paralela', Lupa pede resposta de autoridades sobre espionagem ilegal

A Lupa repudia o uso clandestino de ferramentas operadas pelo Estado brasileiro contra a imprensa e, especificamente, contra a própria Lupa. Ações como essa representam riscos a uma democracia livre e precisam de respostas contundentes das autoridades.

Natália Leal
09.05.2024 - 16h03
Rio Grande do Sul
Como é estar em Porto Alegre e combater fakes em meio ao caos da enchente

Repórter da Lupa relata como é trabalhar com checagem de fatos vivendo em Porto Alegre, cidade que convive com bairros alagados, falta de água potável e com uma enxurrada de desinformação que contribui para o caos.

Maiquel Rosauro
01.11.2023 - 08h00
Coluna
Um ano após Musk, X enfrenta declínio em meio à escalada de fakes e ódio

Em seu primeiro ano à frente do X (antigo Twitter), Elon Musk coleciona fracassos. Há queda em downloads, tempo de uso e valor de mercado. Enquanto isso, cresce a circulação de discurso de ódio, incluindo mensagens racistas, antissemitas e homofóbicas, e da circulação de desinformação e teorias conspiratórias, analisa a colunista Cristina Tardáguila.

Cristina Tardáguila
25.10.2023 - 08h00
Coluna
Israel descreve foto violenta e complica (ainda mais) checagem da guerra

As Forças Armadas Israelenses colocaram os checadores que acompanham a guerra no Oriente Médio em xeque ao postar no X um conteúdo em texto que, aparentemente, não pode ser verificado. O post relata o suposto assassinado de uma mulher grávida e um bebê pelo Hamas. A colunista Cristina Tardáguila conta como foi a busca por evidências sobre o caso.

Cristina Tardáguila
18.10.2023 - 10h00
Coluna
Imagens de horror em Gaza e Israel: como podemos nos proteger?

A violência da guerra entre Israel e Hamas circula em imagens impactantes, especialmente nas redes sociais. A colunista Cristina Tardáguila conversou com especialistas e explica o que podemos fazer para evitar que a exposição a cenas tão brutais afetem a nossa saúde mental.

Cristina Tardáguila
Lupa © 2024 Todos os direitos reservados
Feito por
Dex01
Meza Digital