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Parlamentares apresentaram 104 projetos sobre desastre de Mariana, mas nenhum foi aprovado
07.11.2019 - 14h13
Rio de Janeiro - RJ
Passados quatro anos do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana (MG), nenhuma das propostas apresentadas no Congresso Nacional para evitar casos semelhantes foi aprovada. De 2015 a 2019, os deputados federais e senadores protocolaram 104 projetos com o objetivo de alterar a Política Nacional de Segurança de Barragens, adotar medidas para prevenir desastres do mesmo tipo ou mudar a forma de pagamento de indenizações, entre outros temas relacionados.
Houve o arquivamento de cerca de um quarto dessas proposições. Das restantes, apenas quatro foram aprovadas até agora na Câmara, mas ainda aguardam parecer em comissões do Senado para que sua tramitação prossiga. Outras quatro estão prontas para serem votadas em plenário pelos deputados federais e, se aprovadas, ainda terão de ser analisadas pelos senadores. Um outro projeto já pode ser analisado pelo plenário do Senado e depois terá de passar pela Câmara.
Em 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão rompeu-se em Mariana, devastando uma grande área e deixando 19 pessoas mortas. Estudos mostraram que o desastre causou danos irreversíveis ao Rio Doce, importante bacia hidrográfica da região Sudeste. Desde a tragédia até o ano passado, o número de propostas apresentadas sobre o tema vinha diminuindo a cada ano. Contudo, com o rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG), no dia 25 de janeiro deste ano, os congressistas voltaram a formular projetos sobre o assunto.
A Lupa analisou as propostas apresentadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e observou que 36% tratam do fortalecimento da segurança em barragens no país. O Projeto de Lei (PL) nº 3598/2015, do deputado federal Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), por exemplo, determina a elaboração e publicação de laudos técnicos sobre barragens e outras construções. A proposta estabelece que as empresas ou responsáveis pela construção precisam publicar um laudo de seis em seis meses, mas acabou apensada, ou seja, foi juntada a uma outra proposição similar, de 2007.
No mesmo ano do desastre, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) apresentou um projeto que, se aprovado, irá fechar em dez anos barragens de rejeitos que não sejam de concreto. No Senado, a senadora Eliziane Gama (CIDADANIA-MA) protocolou uma proposta que tornaria obrigatório o Plano de Ação de Emergência, independentemente do risco de dano potencial associado à barragem. Todas as propostas foram reunidas pela Lupa em uma tabela, que pode ser consultada online.

Vítimas também foram contempladas

Das 104 propostas protocoladas no Congresso Nacional, 17 tinham como foco ajudar as vítimas de Mariana e Brumadinho. Em 2015, quando houve a tragédia de Mariana, o deputado Evair de Melo (PV-ES) apresentou uma proposta que sustava um decreto e permitia que a conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) fosse movimentada, em situação de necessidade pessoal, em caso de um desastre natural. Essa proposta ainda tramita na Câmara. Em 2016, o deputado Carlos Gomes (PRB-RS) apresentou um projeto semelhante, que ainda tramita na Casa. Após Brumadinho, essa ideia voltou a ser colocada em discussão, por meio do PL 2133/2019, do deputado Filipe Barros (PSL/PR).
Outras propostas apresentadas no Congresso falam sobre como ajudar comunidades localizadas perto de barragens em caso de rompimento. O PL nº 3108/2019 do deputado Célio Studart (PV-CE) estabelecia a necessidade de oferecer semestralmente treinamento de segurança para as comunidades. O projeto, no entanto, foi arquivado.

‘Quase lá’: os projetos prontos para serem votados

Embora até o momento não tenha ocorrido nenhuma mudança na legislação, cinco propostas estão prontas para serem votadas em plenário no Congresso. Quatro delas tramitam na Câmara. Entre essas proposições está o PL nº 3561/2015, do deputado Wadson Ribeiro (PCdoB-MG), que torna obrigatória a contratação de seguro contra o rompimento e vazamento de barragem de água e rejeitos. Ideia semelhante está contemplada no PL nº 3563, da deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA), que também está pronta para ser colocada em pauta no plenário. O projeto trata ainda do pagamento de indenizações para as vítimas.
Existem ainda quatro projetos de lei apresentados por deputados que foram aprovados na Casa e, atualmente, aguardam parecer em comissões do Senado Federal. O PL nº 2787/2019, de deputados mineiros, pretende tornar crimes condutas que causem rompimento de barragens. Sendo assim, essa proposta altera a Lei nº 9.605/1998, tipificando o crime de ecocídio. Os mesmos congressistas são os autores de outro projeto que está em apreciação no Senado: o PL nº 2788/2019. Essa proposta pretende instituir a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens, estabelecendo direitos para essas pessoas como, por exemplo, “reparação por meio de reposição, indenização, compensação equivalente e compensação social”.
Os deputados mineiros também apresentaram o PL nº 2791/2019 para alterar a Política Nacional de Segurança de Barragens, proibindo o método de barragem de mineração a montante, por exemplo. Essa ideia aparece em diversas outras propostas, já que a barragem de Brumadinho foi construída dessa forma.
No Senado, apenas uma proposta está pronta para ser votada no plenário. Em 2019, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Brumadinho propôs alterar a Lei de Crimes Ambientais para prever agravamento das penas em casos de desastres ecológicos de grande proporção, como o rompimento de barragens. O texto da proposta cita Brumadinho e Mariana.

Os projetos da Comissão Externa de Mariana

Após o rompimento da barragem de Mariana, a Câmara dos Deputados criou uma Comissão Externa visando acompanhar e monitorar os desdobramentos da tragédia. A formação do colegiado foi uma sugestão dos deputados federais Newton Cardoso Jr (MDB-MG) e Zé Silva (SD-MG). Em 2016, a comissão apresentou três projetos de lei, mas apenas um continua tramitando na Casa.
O PL nº 4286/2016, que atualmente aguarda parecer do relator na Comissão de Finanças e Tributação, pretende alterar a Lei de Crimes Ambientais, estabelecendo que, em caso de desastre ambiental, a multa “poderá ser aumentada em até cem vezes do valor máximo, a critério do órgão ambiental competente, de acordo com o grau dos danos causados à saúde humana ou ao meio ambiente”. Em sua justificativa, a Comissão Externa aponta que um dos “clamores dos técnicos” envolvendo o rompimento da barragem de Mariana foi o “valor irrisório das multas”. O texto afirma que a multa é pequena considerando o lucro da empresa e os danos socioambientais da tragédia.
O PL nº 4285/2016 propunha mudanças na Política Nacional de Resíduos Sólidos para reduzir a geração e fomentar o aproveitamento de rejeitos da mineração, bem como o desenvolvimento de pesquisas voltadas a tecnologias de maior ganho social e menor risco ambiental. Essa proposta está arquivada. O outro projeto que está arquivado na Casa é o PL nº 4287/ 2016. Essa proposta também pretendia alterar a Política Nacional de Segurança de Barragens e tinha como um dos objetivos “definir procedimentos emergenciais a serem adotados em caso de acidente ou desastre, incluído o plano de emergência e a implantação de sistema de alerta às populações a jusante”

Só uma proposta para despoluir o Rio Doce

Um estudo realizado por uma aluna de doutorado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aponta que o desastre de Mariana causou danos irreversíveis ao Rio Doce. Contudo, em quatro anos, apenas um parlamentar apresentou uma proposta para colaborar com a despoluição da região. Em 2015, o deputado Paulo Foletto (PSB/ES) apresentou um projeto para instituir o Fundo Nacional de Apoio à Recuperação da Bacia Hidrográfica do Rio Doce.
Segundo o texto, o fundo tem como objetivo “proporcionar recursos e meios para reparação dos danos ambientais ocasionados ao rio Doce”. Além disso, o projeto também iria custear a reconstrução de localidades atingidas pela lama de Mariana. O PL começou a tramitar em 2015 e chegou a ser encaminhado para a Comissão de Minas e Energia no ano seguinte. Contudo, em 2019 o projeto foi arquivado.

Propostas arquivadas no Congresso

Das 104 propostas, 27 estavam arquivadas até a última terça-feira (5), data em que se completaram quatro anos do rompimento da barragem de Mariana. Ao todo, 25 projetos foram arquivados na Câmara dos Deputados. Desses, 12 estavam apensados ao PL nº 18/2019, que foi arquivado em julho deste ano. Apresentado por deputados do PSB em 2019, o projeto pretendia estabelecer que órgãos e entidades que fiscalizam barragens de rejeitos e água deveriam se articular com autoridades responsáveis pela fiscalização das políticas ambientais, hídricas e minerais, com o objetivo de compartilhar informações. Em sua justificativa, os parlamentares afirmam que “essas tragédias mostram que a legislação sobre barragens no Brasil precisa ser modificada, urgentemente”.
No Senado, duas propostas foram arquivadas. Elas não citam a tragédia de Mariana, mas falam sobre barragens e, por essa razão, constam neste levantamento. O PL nº 533/2015, do senador Hélio José (PSD-DF), estabelecia que a construção de barragens e reservatórios deveria ser projetada por profissionais habilitados, com registro na Agência Nacional de Águas (ANA). Já o PL nº 224/2016, de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), pretendia acelerar o pagamento da reparação de danos a terceiros e ao meio ambiente.
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