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Kit gay, seminário LGBT infantil e lei do incesto: exemplos de desinformação sobre educação sexual no Brasil
19.11.2019 - 19h12
Rio de Janeiro - RJ
Nos últimos anos, a educação sexual de jovens virou alvo de campanhas de desinformação por políticos e anônimos nas redes sociais. Em muitos casos, há uma tentativa de associar a existência de adolescentes LGBT com pedofilia. A Lupa verificou algumas declarações sobre esses assuntos, confira:
“Tinham acabado o 9º Seminário LGBT infantil. Repito: 9º Seminário LGBT infantil”
Jair Bolsonaro, candidato à Presidência da República pelo PSL, em entrevista ao Jornal Nacional no dia 28 de agosto de 2018
Falso
Nunca houve no Congresso um “seminário LGBT infantil”. O que há, anualmente, é um encontro para discutir questões relacionadas à comunidade LGBT, com um tema diferente a cada edição. Em 2012, o tema era “Infância e sexualidade”. As discussões propostas pela Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT, que promove o debate, diziam respeito ao combate à violência doméstica contra crianças e adolescentes “que não se enquadram em papéis de gênero”. O Seminário LGBT de 2018 ocorreu em junho e abordou o envelhecimento da população LGBT. Procurado, Bolsonaro não retornou.

“O Plano Nacional de Promoção da Cidadania LGBT: são 180 itens, entre eles a desconstrução da heteronormatividade, ensinando (…) que homem e mulher está errado”
Jair Bolsonaro, candidato à Presidência da República pelo PSL, em entrevista ao Jornal Nacional no dia 28 de agosto de 2018
Falso
O Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, lançado em maio de 2009 pela então Secretaria Nacional de Direitos Humanos, lista “diretrizes e ações para a elaboração de Políticas Públicas voltadas para o público LGBT”. São 51 diretrizes e 121 ações estratégicas, definidas durante a 1ª Conferência Nacional LGBT, realizada em Brasília, de 5 a 8 de junho de 2008.
Apenas um tópico cita a “desconstrução da heteronormatividade” – e ele diz respeito exclusivamente ao Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo fixado por esse tópico é fazer com que famílias formadas por casais homossexuais, travestis e transexuais sejam incluídas no sistema de informação do SUS, assim como acontece com as formadas por casais heterossexuais.
Heteronormatividade é um conceito que pode ser popularmente resumido como a relação entre um homem e mulher sendo tratada como norma, fazendo com que todo outro tipo de relação seja considerada como desvio. Veja definição, em inglês, no dicionário Oxford.
Ainda vale destacar que o plano não classifica como “errada” a relação entre homem e mulher, como disse Bolsonaro. Textualmente, sugere ações que possam “contribuir para a implementação de políticas educacionais voltadas à superação do preconceito, da discriminação e da violência sexista e homofóbica”.
Procurado, Bolsonaro não respondeu.

“O capítulo desta cartilha dizia claramente a crianças de 12, 13 anos de idade (…) ‘você não nasce com sexo, você descobre seu sexo ao longo da vida.’ (…)”
João Doria, governador de São Paulo, em entrevista para o programa Central GloboNews em 2 de outubro de 2019
Falso
Alvo de polêmica por ter sido recolhida pelo governo do estado em setembro, a apostila São Paulo Faz Escola, produzida pela Secretaria Estadual de Educação para os alunos do 8º ano do ensino fundamental, traz dois textos que falam sobre orientação e diversidade sexual. O primeiro deles, “Sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual”, explica que todos os seres humanos nascem com um sexo biológico e dividem-se em machos e fêmeas. O texto destaca ainda que isso se deve tanto a características genéticas (cromossomos XY ou XX) como fenotípicas (aspectos físicos).
O texto explica em seguida que, além do sexo biológico, existe a identidade de gênero – ou seja, o gênero com o qual a pessoa vai se identificar por meio de sua vivência: “Não há um elo imediato e inescapável entre os cromossomos, o órgão genital, o aparelho reprodutor, os hormônios, enfim, o corpo biológico em sua totalidade, e o sentimento que a pessoa possui de ser homem ou mulher”. A conclusão do texto é que ninguém ‘nasce homem ou mulher’, mas se define ao longo da vida, em função de suas interações sociais. Trata-se de uma versão adaptada, extraída de um manual do Ministério da Saúde.
O segundo texto, “Dialogando sobre diversidade sexual”, afirma que a heterossexualidade não é a única possibilidade de relacionamento sexual entre os seres humanos. Destaca ainda que, “apesar da semelhança biológica”, a vida de cada pessoa é diferente. Em nenhum momento diz que ninguém “nasce com sexo”, como afirmou Doria. Depois dos dois textos, a apostila propõe discussões sobre os temas entre os alunos.
Em nota, a secretaria de Comunicação do governo de São Paulo disse que o texto “não informou que se tratava apenas da abordagem sociológica do assunto, quando existem outros campos do pensamento científico que discutem o tema, como o campo das ciências naturais”. A nota diz, ainda, que “a pasta estadual da Educação pauta suas ações por respeito a todos e pelo conhecimento acumulado pela ciência”.

“Isso (imagem acima) é a capa do kit gay”
Imagem postada no Facebook e em grupos de WhatsApp nas últimas semanas. Veja exemplos (aqui, aqui, aqui e aqui)
Falso
Todo o material produzido em 2011 para tentar combater a homofobia em escolas – conteúdo que ficou popularmente conhecido como “kit gay” – pode ser visto aqui. A imagem acima não aparece em nenhum de seus onze componentes, como afirmam as postagens analisadas pela Lupa.
Esse material foi elaborado por organizações do terceiro setor quando o hoje candidato à vice-presidente pelo PT, Fernando Haddad, comandava o Ministério da Educação, mas nunca chegou a ser aprovado ou distribuído em escolas.
Em 2011, cinco ONGs prepararam o conteúdo como parte do programa federal Brasil Sem Homofobia, que também previa a formação de educadores capazes de tratar questões relacionadas a gênero e sexualidade no ambiente escolar. O kit consistia em um caderno direcionado aos gestores, seis boletins destinados aos estudantes, três peças audiovisuais e um cartaz.
Quando já estava pronto para ser impresso – mas ainda antes de ser avaliado pelo Ministério da Educação -, parlamentares iniciaram uma campanha contra o projeto, e ele acabou sendo suspenso.
À época, a presidente Dilma Rousseff (PT) se envolveu na polêmica e declarou o seguinte: “não vai ser permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opções sexuais”.
As postagens analisadas pela Lupa afirmam que a imagem acima é uma reprodução de uma das capas do kit. Não é verdade. Abaixo estão todas as capas e links para os vídeos originais. Confira:
Caderno:
Seis boletins:
Cartaz:
E, aqui, os links para os três vídeos: aqui, aqui e aqui.
Desde 2011, no entanto, a falsa reprodução circula na internet e ganha força sempre que Haddad concorre a algum cargo público. Foi o que ocorreu em 2012, quando ele disputou a Prefeitura de São Paulo, em 2015, um ano antes de tentar a reeleição e, agora.
Geralmente essa imagem vem acompanhada de texto opinativos. Por questões metodológicas, a Lupa ateve-se a avaliar se a foto era ou não parte do “kit gay”.

“Em pleno domingo, Toffoli atende Dodge e libera livro infantil, com cenas de sexo gay no RJ”
Legenda de post no Facebook que, até as 12h de 9 de setembro de 2019, tinha sido compartilhada 533 vezes
Falso
A informação, analisada pela Lupa, é falsa. As imagens de personagens similares aos de livros infantis, que aparecem neste e em outros posts semelhantes, pertencem a uma obra adulta, As Gêmeas Marotas, de Brick Duna, publicada em Portugal em 2012. O nome do autor é um pseudônimo e faz uma referência a Dick Bruna, famoso escritor e ilustrador holandês que criou a coelhinha Miffy. Os desenhos do livro são uma sátira a Bruna.
Imagens que mostram algumas das páginas de As Gêmeas Marotas circulam na internet desde pelo menos 2014. No site das Bibliotecas de Lisboa, o livro aparece classificado como ficção para adultos. A empresa de artes gráficas Multitipo, localizada em Queluz de Baixo, Portugal, fez a impressão e afirmou por telefone à Lupa que trabalha mediante encomendas. Não se sabe quem é o real autor do livro.
Em nota, a assessoria de imprensa da Bienal do Rio afirmou que a obra não foi vendida no evento. “Vale lembrar que a Prefeitura vistoriou o festival por dois dias seguidos e não encontrou absolutamente nada que julgasse passível de qualquer questionamento legal”, diz o texto.
Alguns posts chegaram a afirmar que As Gêmeas Marotas estava entre os 14 mil livros de temática LGBT distribuídos gratuitamente no evento pelo youtuber Felipe Neto, o que também é falso. No domingo (8), ele criticou no Twitter a circulação de imagens da obra nas redes sociais, o que classificou como parte de uma estratégia para veiculação de notícias falsas pelos seguidores do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Uma versão desta checagem foi produzida pelos sites Aos Fatos, Boatos.org, E-farsas e Estadão Verifica.

“Está em votação no Congresso a lei que permite pai casar com sua filha [PL 3.369/2015]”
Legenda de imagem publicada no Facebook que, até as 18h do dia 20 de agosto de 2019, havia sido compartilhada por mais de 800 pessoas
Falso
A informação analisada pela Lupa é falsa. O artigo 1.521 do Código Civil estabelece que é proibido o casamento dos “ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil”, ou seja, entre pais e filhos naturais ou adotados. O PL 3.369/2015 não altera esse artigo. Assim, a proibição continua válida.
O texto da proposta cria o Estatuto das Famílias do Século XXI. A iniciativa tramita na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) e teve parecer favorável do relator, o deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE), em 8 de julho. A proposta seria votada na CDHM nesta quarta-feira (21), mas foi retirada de pauta por decisão do presidente do colegiado, Helder Salomão (PT-ES), a pedido do autor.
De autoria do deputado Orlando Silva (PCdoB), o projeto reconhece como entidades familiares “todas as formas de união entre duas ou mais pessoas que para este fim se constituam e que se baseiem no amor, na socioafetividade, independentemente de consanguinidade, gênero, orientação sexual, nacionalidade, credo ou raça”.
Na quarta-feira (20), Silva publicou artigo sobre essa questão no site Vermelho. Segundo o autor, ao falar “independentemente de consanguinidade”, referiu-se a filhos adotivos. “É estarrecedor que grupos se aproveitem da religiosidade do povo brasileiro para semear esse tipo de acusação infundada e nojenta”, diz o texto.
Essa informação também foi verificada pelo site Estadão Verifica.

“França aprova a lei da pedofilia”
Título de postagens feitas pelos sites CatolicaConect, PoliticaeDireito, SempreQuestione, Redepress e Conexão Política, além de vídeos no Youtube e imagens no Facebook
Falso
A notícia de que a França teria legalizado a pedofilia ao promulgar, em 3 de agosto deste ano, a lei 2018-703 é falsa. A chamada Lei Schiappa – por conta de Marlène Schiappa, secretária de Estado encarregada de buscar a igualdade entre mulheres e homens, “não legaliza a pedofilia” nem abranda as regras de consentimento para sexo com menores, como afirmam sites e postagens de caráter conservador. Checagens sobre esse assunto já foram feitas pelo Le Monde e pelo americano Snopes, entre outras plataformas de fact-checking do mundo.
A lei 2018-703 é, na verdade, contra violências sexuais em geral. O artigo dois, do segundo capítulo é o que trata especificamente da violência contra menores de idade. Foi ele que causou polêmica, ao não incluir a expressão “não-consentimento” em seu texto. Mas, em nenhum momento, libera a pedofilia.
A lei francesa jamais fixou de forma clara uma idade de consentimento, e isso não foi alterado pela Lei Schiappa. Isso não significa, no entanto, que adultos podem fazer sexo com crianças impunemente. O código penal francês prevê penas de cinco a 20 anos de prisão para adultos que fizerem sexo com menores de 15 anos, além de pagamento de multa.
A Lei Schiappa ainda aumentou a proteção a vítimas de pedófilos, elevando as penas para punir casos de agressão sexual em que não ficou provado “coerção, ameaça, violência ou surpresa”. Nesse caso, a pena é de até 7 anos de prisão e multa de até 150 mil euros. Além disso, passa a constar na lei que menores de 15 anos “não dispõem do discernimento necessário sobre seus atos”, ou seja, esses menores também não teriam como consentir um ato sexual.
A discussão em torno da nova lei começou após duas decisões da Justiça francesa – tomadas no ano passado. Em uma delas, juízes absolveram um homem de 22 anos que manteve relações sexuais com uma menina de 11 por não haver provas de que houve coerção, ameaça, violência e surpresa. Na outra, um homem de 28 anos viu sua acusação por ter estuprado uma menina de 11 anos ser requalificada como “violação sexual”, também por não haver provas de coerção, ameaça, violência ou surpresa.

“Pedófilos pedem para ser aceitos em comunidade LGBT”
Título de postagens feitas pelos sites Expresso Diário, PortalLivre e Terça Livre e que até as 15h40 do dia 16 de julho de 2018 já tinham mais de 42 mil interações no Facebook, segundo a plataforma BuzzSumo
Falso
A suposta “campanha” para que pedófilos façam parte da comunidade LGBT nada mais é do que uma ação coordenada de trolls, usuários de redes sociais que, entre outras medidas, publicam informações enganosas para espalhar falsidades na internet.
A “notícia” analisa, em parte uma tradução de um conteúdo publicado por sites americanos, cita a existência de uma campanha pelo “orgulho MAP”. O texto diz que o termo MAP, do inglês, pessoas atraídas por menores, teria sido inventado para que a pedofilia “ganhasse aceitação da comunidade LGBT”. Também informa que grupos de pedófilos teriam criado bandeira, similar à do orgulho gay, para simbolizar a existência do coletivo. Nada disso, no entanto, é verdade.
Segundo o site Snopes, uma das principais plataformas de checagem de informações dos Estados Unidos, a campanha pelo “orgulho MAP” e a bandeira foram criadas por um troll. Inicialmente, este troll criou um Tumblr sobre o assunto, dizendo “apoiar MAPs”. Mais tarde, ele modificou o site, dizendo que “essas pessoas precisavam de um terapeuta, não de uma comunidade”.
O termo MAP, segundo o Snopes, já é usado há anos por instituições que oferecem tratamento psicológico a pedófilos e efebófilos (pessoas atraídas sexualmente por adolescentes), e nada tem a ver com uma tentativa de “ganhar aceitação”.
A fonte citada na “notícia”, Brad Dacus, é um conhecido ativista anti-LGBT, fundador do grupo Pacific Justice Institute. Segundo a ONG americana Southern Poverty Law Center, a instituição “é comprovadamente um grupo de ódio” que “promove falsidades anti-LGBT”.
Por fim, o site The Prevention Project realmente existe, mas busca prevenir abuso sexual de menores e oferece tratamento psicológico para pessoas que sentem atração por crianças e adolescentes – e não para “afirmar que pedófilos são incompreendidos”.
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