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64,5% das vezes em que Bolsonaro fala em ‘fake news’ são ataques à imprensa
23.12.2019 - 07h36
Rio de Janeiro - RJ
O presidente Jair Bolsonaro utilizou o termo “fake news” ou “fake” em 31 manifestações feitas em redes sociais em 2019. Em 64,5% dos casos (20 ocasiões) para acusar algum veículo de imprensa ou jornalista de publicar uma informação que o presidente considerava incorreta. A Folha de S.Paulo foi o veículo mais citado: em oito publicações, Bolsonaro fez referência a conteúdos do jornal.
O levantamento da Lupa analisou Twitter, Facebook e Instagram do presidente no período do dia 1º de janeiro até o dia 20 de dezembro. Os veículos citados ou sinalizados em fotos foram: Folha de S.Paulo, O Globo, GloboNews, Estado de S.Paulo e Revista Veja.
A rixa entre o presidente e a Folha de S.Paulo é antiga. Em outubro de 2018, antes de assumir o cargo, Bolsonaro criticou reportagens feitas pelo veículo e disse que sem apoio do governo federal o jornal não conseguiria se manter. Ao longo de seu mandato, teceu diversas críticas à Folha e algumas podem ser observadas em suas redes sociais.
A primeira vez que Bolsonaro utilizou a expressão “fake news” para negar a veracidade de uma reportagem do veículo foi no dia 11 de março. O jornal havia publicado uma reportagem afirmando que, depois de polêmicas envolvendo redes sociais, o governo escalara o coronel Didio Pereira de Campos para ser o responsável por uma nova estrutura, chamada Comunicação Global. O UOL divulgou o texto da Folha em seu Twitter e Bolsonaro comentou, classificando a reportagem como “fake news”.
Após o ocorrido, a Folha publicou uma nova reportagem. Bolsonaro voltou a se posicionar sobre o caso: “A 1ª chamada fala sobre um novo coordenador das redes sociais após ‘polêmicas’, induzindo o leitor a associar meu perfil pessoal à notícia. Essa muda o foco da minha resposta à desinformação da 1ª para a nomeação de um novo servidor. É a Fake News da Fake News!”, tuitou o presidente.
Bolsonaro voltou a criticar o veículo e utilizou o termo “fake news” para desqualificar a Folha de S.Paulo no dia 20 de maio. Naquela data, a coluna do jornalista Celso Rocha de Barros do jornal dizia que o presidente “quer fechar Congresso e STF, censurar a imprensa  e perseguir esquerda”. No Twitter, Bolsonaro escreveu: “não fui eu que anulei o legislativo comprando votos, não fui eu que tive em meu plano de governo o controle da mídia e da internet e fui eu quem levou uma facada de um militante de esquerda. É exatamente o contrário, Folha. 100% Fake News!”
Em outro episódio, o presidente chegou a utilizar o termo para fazer uma brincadeira durante uma viagem ao Japão. Ele parabenizou a Folha de São Paulo por uma reportagem que informava que o presidente, “avesso a peixe cru”, comeu pouco em um banquete imperial e teve que recorrer a macarrão instantâneo para poder se alimentar em visita ao continente asiático. Segundo Bolsonaro, aquela “matéria não é Fake News”.

Os ataques ao Grupo Globo

O levantamento feito pela Lupa mostra que o Grupo Globo foi o segundo mais atacado pelo presidente em 2019. A última menção dele ao termo em 2019, inclusive, era uma crítica generalizada ao grupo. Na última sexta-feira (20), Bolsonaro tuitou uma montagem em vídeo com um trecho do telejornal Bom Dia, Brasil. Nele, a jornalista Ana Paula Araújo fala sobre a taxa Selic. Em seguida, um homem comenta que a empresa “não fala” que foi com Bolsonaro que o índice chegou ao seu menor patamar na série histórica.
Além disso, ao longo do ano, Bolsonaro classificou como “fake news” três reportagens do jornal O Globo, duas do canal de TV por assinatura GloboNews e um tuíte do jornalista Guilherme Amado, colunista da revista Época.
O primeiro deles foi no dia 5 de janeiro, quando o presidente criticou uma reportagem do jornal O Globo que relatava ataques dele ao ex-candidato à Presidência Fernando Haddad (PT) e falas como o “PT quebrou o Brasil de tanto roubar”. Bolsonaro escreveu que a reportagem era uma “fake news fortíssima” e que teria apenas respondido a “uma das inúmeras acusações e falta de respeito referentes” a ele.
No mesmo mês, Bolsonaro voltou a usar o termo para atacar um texto publicado no blog Politicando do jornal, cujo título dizia “‘Grande dia’, escreve Bolsonaro após Jean Wyllys anunciar decisão de deixar o país”. O tuíte do presidente, de fato, não fazia nenhuma referência ao deputado. Segundo Bolsonaro, ele estava falando de “missão concluída, reuniões produtivas com Chefes de Estado, voltando ao país que amo, Bolsa batendo novo recorde na casa dos 97.000 e confiança no nosso país sendo restabelecida, isso faz de hoje um grande dia!”.
No início do ano, o ministério da Educação era comandado pelo professor Ricardo Vélez. No dia 27 de março, a jornalista Eliane Cantanhêde falou na GloboNews que o presidente decidiu demitir o ministro – o que, de fato, acabou acontecendo no início de abril. Bolsonaro usou o Twitter para dizer que sofria “fake news diárias” e disse ainda o seguinte: “a mídia cria narrativas de que NÃO GOVERNO, SOU ATRAPALHADO, etc. Você sabe quem quer nos desgastar para se criar uma ação definitiva contra meu mandato no futuro. Nosso compromisso é com você, com o Brasil”.
Em outra ocasião, Bolsonaro atacou o colunista da Época Guilherme Amado. Em sua coluna, o jornalista disse que o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, filho do presidente, vetou o acesso dele à sua própria conta no Twitter. Bolsonaro escreveu, em letra maiúscula, “fake news”. Em sua live no Facebook, tradicionalmente realizada às quintas-feiras durante todo o primeiro ano de mandato, o presidente voltou a afirmar que não tinha problema com o filho. “[Carlos] tem sua posição, tem sua liberdade para expor suas ideias no Twitter ou onde for, assim como outra pessoa qualquer”, disse Bolsonaro.

Outros veículos criticados

O jornal Estado de S Paulo, a Revista Veja e a revista Crusoé também tiveram reportagens classificadas como “fake news”. No dia 1º de janeiro, o presidente utilizou pela primeira vez o conceito ao comentar uma coluna do Radar da Veja. Nela, o jornalista relatava um “puxão de orelha” de Bolsonaro nos filhos. O presidente disse que aquela não era a primeira “fake news” do ano, “mas vale uma risada”.
Em abril, a Veja divulgou que Bolsonaro teria prometido ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que ele escolheria o próximo procurador-geral da República. Nas suas redes sociais, Bolsonaro disse que o cargo era um dos mais importante do país e que sugestões e opiniões seriam levadas em consideração pelo governo. Em setembro, o presidente escolheu Augusto Aras para comandar a PGR.
No dia 21 de julho, o jornal Estado de S.Paulo publicou uma reportagem informando que o Vale do Ribeira, em São Paulo, região onde Bolsonaro viveu na infância e juventude, tinha moradores passando fome. O veículo conversou com moradores da região e relatou que famílias estavam com dificuldade para se alimentar. Naquele dia, o presidente foi às redes sociais e disse que o conteúdo foi feito para desacreditá-lo. Bolsonaro publicou ainda um vídeo que mostra duas senhoras que, supostamente, teriam sido entrevistadas pelo Estadão, e estariam desmentindo o que estava escrito na matéria.
Bolsonaro também classificou como “fake news” uma reportagem da revista Crusoé. Nela, o veículo informou que aliados do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, estaria reclamando de ataques do filho do presidente, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro. O conteúdo foi divulgado nas redes do Antagonista. Na ocasião, o presidente classificou a informação como “fakenews fortíssima” e disse o seguinte: “enquanto existir liberdade de imprensa para que outros jornalistas opinem assim o farei!”.

Termo “Fake news” sendo usado em outros momentos

O termo “fake news” não foi utilizado apenas para classificar uma informação como falsa. Em maio, Bolsonaro divulgou em suas redes sociais um vídeo do ministro da Educação, Abraham Weintraub, explicando o que era contingenciamento. Segundo ele, o ministro iria desmentir as “fake news” sobre o orçamento das faculdades. Além disso, Bolsonaro utilizou a expressão para afirmar que a “oposição” estaria tentando “emplacar a tese” de que perdeu as eleições por conta das “fake news”.

A expressão “fake news”

Em 2017, o termo “fake news” foi eleito a palavra do ano pelo dicionário britânico Collins. Essa expressão é utilizada para classificar um conteúdo falso e foi popularizada pelo presidente americano, Donald Trump, que se considera o criador do termo. Contudo, especialistas no combate a desinformação acreditam que ela não seja a expressão ideal a ser utilizada em muitos casos.
A jornalista Claire Wardle, do First Draft, por exemplo, não utiliza “fake news” e lista três razões para não usar-la. “Estamos falando de um termo cunhado por Trump e usado por ele para atacar os jornalistas. É uma expressão paradoxal em si. Se é notícia, não pode ser falsa. E, por fim, ela não dá conta de todas as formas de mentira que existem hoje em dia, como, por exemplo, uma foto real com uma legenda antiga”, explicou Claire no no Festival 3i em novembro de 2017.
Em um texto institucional publicado em 2017, a Lupa informou que “entende o termo fake news como uma “arma”, utilizada por políticos e poderosos para tentar limitar o trabalho da imprensa. Por conta disso, seus checadores evitarão usá-lo daqui para frente. “Informação errada”, “falsa” ou simplesmente “propaganda” e “mentira” serão expressões adotadas pela Lupa daqui em diante”.
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