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Lupa na Ciência: por que é cedo para dizer que a cloroquina é a cura para Covid-19
15.04.2020 - 12h00
Rio de Janeiro - RJ
O que você precisa saber
  • Até agora, é impossível dizer que a cloroquina é um tratamento eficiente  para a Covid-19
  • Pesquisadores convergem para o fato de que ainda são necessárias mais pesquisas sobre o efeito da droga contra o novo coronavírus
  • Países estão usando a cloroquina no tratamento da Covid-19 de forma experimental
  • Efeitos adversos do medicamento estão levando médicos a suspender o uso em algumas regiões
Os recentes discursos inflamados que defendem o uso de cloroquina e hidroxicloroquina (um derivado com as mesmas propriedades farmacológicas, mas menos efeitos tóxicos) para tratar casos da Covid-19 têm gerado dúvidas e muita ansiedade sobre a real eficácia destes medicamentos para frear as mortes causadas pelo novo coronavírus. Entre os defensores do uso amplo destas drogas estão os presidentes norte-americano, Donald Trump, e brasileiro, Jair Bolsonaro.
Mas as autoridades de saúde ainda são cautelosas com relação à indicação da cloroquina e seus derivados no tratamento da nova doença, já que a medicação apresenta efeitos adversos que podem ser fatais. A Lupa analisou três artigos científicos recentes publicados no Google Acadêmico que discutem o tema e constatou que as pesquisas convergem para a conclusão de que ainda são necessários muitos estudos para que se chegue a qualquer ideia definitiva sobre a eficácia e segurança do medicamento no combate a esta pandemia.
Em meados de março, o Journal of Critical Care, revista oficial da Federação Mundial das Sociedades de Cuidado Intensivo e Crítico (WFSICCM, na sigla em inglês), publicou uma revisão dos mais recentes artigos sobre o tema. As notícias iniciais são boas. Estudos com a fase pré-clínica concluída – em que o medicamento é testado em células fora do corpo (in vitro) e/ou em animais – apontaram que a cloroquina se mostrou eficaz contra o novo coronavírus. Ou seja, a substância foi capaz de inibir a replicação do vírus nas bancadas dos laboratórios, indicando que possa ter o mesmo efeito no corpo humano.
No entanto, pesquisadores da Universidade de Aix-Marselha, na França, em artigo já disponível online e que será publicado na próxima edição da revista Antiviral Research, alertam para o fato de que este medicamento (há décadas usado no combate à malária e outras doenças reumatológicas) teve comportamento semelhante na fase pré-clínica para frear outros vírus, mas sua eficácia não se comprovou na fase seguinte – a da pesquisa clínica, quando os testes são feitos em humanos. É o caso de vírus como o da zika e da chikungunya, doenças para as quais não há tratamento específico até hoje.
Além disso, o estudo faz um alerta: pesquisas anteriores também mostraram que a margem entre as doses terapêutica e tóxica do remédio em humanos é estreita, e o envenenamento por cloroquina tem sido associado a distúrbios cardiovasculares que podem ser fatais. Este seria mais um motivo para se ter muita cautela na hora de recomendar o uso do medicamento.
Conforme a revisão de estudos publicada no Journal of Critical Care, há um esforço de diversos países, como China, Estados Unidos e França, para avançar nessas pesquisas clínicas. Elas contam com duas etapas principais:  testes em pequenos grupos de pacientes, para entender se o medicamento tem efeito, e a seguir em grupos maiores, randomizados e controlados – nos quais os pesquisadores dividem aleatoriamente os pacientes, sendo que metade toma o remédio e a outra metade, sem saber, recebe placebo. É com a conclusão desta etapa final que um medicamento passa a ser aprovado para uso em larga escala ou não, e sob determinadas diretrizes.
Até o momento, não existem ensaios clínicos randomizados e controlados concluídos sobre o efeito da cloroquina e da hidroxicloroquina no combate ao coronavírus. O mais próximo que se tem são os resultados de ensaios clínicos não randomizados, como um que foi conduzido na França com poucos pacientes, em que o tratamento consistia no uso de hidroxicloroquina junto com o antibiótico azitromicina.
As conclusões, disponíveis online desde o dia 20 de março pela plataforma ScienceDirect e publicadas na International Journal of Antimicrobial Agents, apontam para um potencial benefício dos medicamentos no tratamento de casos da Covid-19. Contudo, vêm acompanhadas de um alerta para o fato de que são necessários mais estudos para comprovar esta eficácia, especialmente em casos graves, e que é preciso medir também os riscos destes medicamentos conforme as dosagens e o tempo de tratamento.
Esse estudo foi bastante criticado pela comunidade científica. A microbiologista Elisabeth Bik apontou vários problemas metodológicos. Por exemplo, a análise desconsiderou três pacientes que tiveram piora do estado de saúde e um que morreu durante a pesquisa. Além disso, Bik levantou problemas éticos, como o fato de que um dos coautores do estudo é editor do periódico no qual a pesquisa foi publicada.
Frente a este cenário, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem sido cautelosa sobre o tema. Na atual situação de emergência mundial, há um esforço conjunto da OMS e de diferentes órgãos de saúde ao redor do mundo para compilar dados sobre a eficácia deste e outros medicamentos, que também estão sendo testados. Entretanto, até agora é impossível dizer que já temos uma cura, ou mesmo que o mundo está próximo disso.
Assim como o que foi realizado no estudo clínico francês, médicos de diversos países  estão utilizando experimentalmente a cloroquina em casos específicos de pacientes infectados com o vírus no modo off label, ou seja, ainda que não esteja indicado na bula o uso para este tipo de tratamento. Isso, é claro, a partir de protocolos governamentais e desde que assumam os riscos e os pacientes concordem com a prática.
Em alguns casos, como em hospitais suecos, o número de pacientes que apresentaram efeitos colaterais graves levou os profissionais a suspenderem o uso do medicamento. No Brasil, desde o final do mês passado, o Ministério da Saúde autorizou o uso de cloroquina para casos graves de coronavírus, e esta segue sendo a recomendação por aqui. Enquanto as respostas mais concretas não chegam, o que resta à população é o que de melhor esta pandemia vem nos ensinando: ter paciência e confiar na ciência.
Fontes:
International Journal of Antimicrobial Agents
Artigo disponível no link https://doi.org/10.1016/j.ijantimicag.2020.105949
Journal of Critical Care
Artigo disponível pelo link https://doi.org/10.1016/j.jcrc.2020.03.005
Antiviral Research
Artigo disponível pelo link   https://doi.org/10.1016/j.antiviral.2020.104762
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