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Lupa na Ciência: Apesar de contradições entre estudos, pesquisadores estão otimistas com uso do remdesivir contra Covid-19
13.05.2020 - 12h00
Rio de Janeiro - RJ
O que você precisa saber:
  • Dados preliminares da maior pesquisa feita até agora com o remdesivir indicaram que a droga reduziu o tempo de internação por Covid-19
  • Especialistas consideram os resultados positivos, porém modestos. A próxima etapa do estudo vai incluir um anti-inflamatório e avaliar a combinação dos dois medicamentos no tratamento
  • Outra pesquisa que usou a mesma metodologia, mas com um número menor de voluntários, não apontou benefícios com o uso da droga
  • Pesquisadores envolvidos neste outro estudo, contudo, acreditam que novas análises são necessárias para saber se o remdesivir reduz o tempo de internação
Dois estudos clínicos publicados nos últimos dias chegaram a conclusões conflitantes sobre o uso da droga experimental remdesivir no tratamento da Covid-19. No maior deles, o medicamento reduziu o tempo de internação – o que pode ajudar a aliviar a pressão sobre o sistema de saúde  – e produziu uma pequena queda na taxa de mortalidade de pacientes com o novo coronavírus (SARS-CoV-2). Na outra pesquisa, que analisou os efeitos em um número menor de pessoas, os resultados obtidos com a droga não indicaram benefícios. Apesar disso, a soma das evidências coletadas até agora mantém os especialistas otimistas em relação ao medicamento como um aliado no tratamento da doença.
No dia 29 de abril, o órgão norte-americano National Institutes of Health (NIH) divulgou os resultados parciais do maior e mais rigoroso estudo clínico que está sendo realizado para avaliar a droga, constatando que ela foi capaz de reduzir o tempo de internação de pacientes graves internados em hospitais. O dado é animador porque, com menos tempo exposto a grandes quantidades do vírus, menor é o risco de o paciente desenvolver complicações decorrentes da doença. Trata-se do primeiro estudo clínico randomizado (no qual os voluntários são escolhidos de forma aleatória), controlado por placebo e duplo-cego (quando nem os médicos nem os pacientes sabem quem recebe o medicamento e quem recebe o placebo) conduzido nos Estados Unidos para avaliar esse tratamento experimental para Covid-19. A primeira etapa envolveu mais de mil pacientes em 68 hospitais – 50 unidades de saúde norte-americanas e 18 situadas em outros lugares, como Cingapura, Japão e Alemanha.
Os dados preliminares, publicados em um comunicado no site da própria instituição, indicaram que os pacientes que receberam remdesivir tiveram um tempo de recuperação 31% mais rápido do que aqueles que receberam placebo – de 15 para 11 dias. Houve, também, um número menor de mortes entre os que receberam o medicamento (8% de óbitos para o grupo que recebeu remdesivir contra uma taxa de 11,6% para o grupo placebo). Porém, os autores destacaram que esta tendência não foi estatisticamente significativa e que mais estudos são necessários para confirmar se o medicamento pode ou não reduzir a taxa de mortalidade.
Dois dias depois da divulgação, a agência reguladora de medicamentos dos EUA, a Food and Drug Administration (FDA), decidiu liberar o remdesivir, em caráter temporário e emergencial, para ser usado em hospitais nos pacientes internados em estado grave com a Covid-19.  “Baseado na totalidade das evidências científicas disponíveis, é razoável crer que o remdesivir possa ser efetivo e que, quando usado sob as condições descritas nesta autorização, os conhecidos e potenciais benefícios superam os conhecidos e potenciais riscos da droga”, diz o documento. A aprovação definitiva, contudo, só ocorrerá se houver consenso na comunidade científica sobre a relação entre os benefícios e os possíveis efeitos colaterais – o que requer mais pesquisas.

Sem impacto significativo

Nem todos os especialistas compartilham do entusiasmo expressado pelas entidades norte-americanas. Isso porque, dias antes da divulgação dos resultados parciais no NIH, a Organização Mundial da Saúde (OMS) havia publicado acidentalmente em seu site um rascunho com os resultados de outra pesquisa, que alegava não ter identificado benefícios significativos da droga em relação a quem não a usou. O documento indicava ainda que o estudo teve de ser interrompido para 18 voluntários, por causa dos efeitos colaterais. A OMS logo retirou a pesquisa do ar, e uma semana depois o estudo foi publicado na revista The Lancet, já com as conclusões revisadas.
Assim como o estudo norte-americano, o levantamento, realizado em 10 hospitais chineses, também foi randomizado, duplo-cego e controlado por placebo. Contou, no entanto, com apenas 237 pacientes (sendo que 158 foram tratados com o remdesivir e 79, com placebo). Os autores, que não conseguiram prosseguir com a investigação pela falta de voluntários (já que os casos estão diminuindo significativamente na China), concluíram que, no geral, a droga não apresentou benefícios quando comparada a reação dos pacientes que a ingeriram com a dos que receberam placebo. Os pesquisadores concluem, ainda, que o número de pacientes que apresentaram efeitos adversos foi similar nos dois grupos (remdesivir e placebo).
Apesar de os resultados do estudo da China não indicarem benefícios visíveis com a adoção da droga, seus autores não descartaram esse tipo de tratamento. Na conclusão do trabalho, eles ressaltaram que são necessários outros estudos com maior número de pacientes para avaliar se o medicamento reduz ou não o tempo de internação.

Como funciona o medicamento

O remdesivir é um antiviral patenteado pela gigante farmacêutica Gilead, originalmente testado para combater o ebola. O medicamento, no entanto, não apresentou resultados satisfatórios contra o vírus – e nem contra hepatite e outros vírus respiratórios comuns. Em 2017, a revista Science Translational Medicine publicou um artigo de pesquisadores americanos indicando que o remdesivir tinha sido eficaz contra vários tipos de coronavírus em culturas celulares, e também em um experimento feito com ratos que desenvolveram a SARS (síndrome respiratória aguda grave) e a MERS (síndrome respiratória do Oriente Médio), sem efeitos tóxicos relevantes.
Quando a pandemia do SARS-CoV-2 surgiu, uma equipe de canadenses – junto com cientistas da Gilead – publicou um artigo no Journal of Biological Chemistry explicando o funcionamento do medicamento. De acordo com os pesquisadores, os coronavírus usam enzimas específicas para copiar seu material e se replicar dentro de uma célula infectada. O remdesivir imita uma dessas enzimas e, quando é incorporado ao sistema de replicação do vírus no lugar da molécula original, prejudica ou até interrompe a capacidade de ele se reproduzir.
Considerando a forma como o medicamento interage com o novo coronavírus, muitos especialistas indicam que ele deve ser mais eficaz se tomado quando a doença ainda está no início, a fim de controlar a replicação do vírus no corpo do hospedeiro. Em um pequeno estudo já concluído e publicado em março na revista The New England Journal of Medicine, que testou o tratamento em 53 pacientes, 68% deles tiveram melhora clínica e 47% receberam alta hospitalar após o tratamento com o antiviral. Este foi um dos primeiros indícios que o remédio poderia ser positivo para tratar a Covid-19. Como o estudo não foi randomizado, não usou placebo e não teve duplo-cego, não foi possível saber quantos desses pacientes melhoraram de fato por causa da droga. Isso requer pesquisas mais aprofundadas sobre o tema, a exemplo dos estudos norte-americano e chinês.

Especialistas vão aprofundar estudos

Ao apresentar os resultados da primeira etapa do estudo clínico realizado pelo NIH, os autores destacaram que já há dados sólidos comprovando que o “remdesivir diminui em um grau modesto o tempo de recuperação de pessoas hospitalizadas com Covid-19″. Na segunda fase da pesquisa, que já está em andamento, todos os voluntários vão receber o antiviral, mas só metade vai tomar também um anti-inflamatório para avaliar se a combinação dos remédios melhora a recuperação e sobrevida dos pacientes.
Além do fármaco produzido pela Gilead, muitos outros tratamentos em potencial estão sendo investigados. Eles incluem outros antivirais, como os usados ​​contra o HIV, e medicamentos direcionados à reação inflamatória do corpo ao vírus, mas ou eles ainda não contam com estudos avançados (com número significante de voluntários, randomizados e duplo-cego), ou não se mostraram satisfatórios para tratar a Covid-19. Por isso, e pelos avanços com as pesquisas do remdesivir, os analistas seguem aprofundando as análises deste medicamento.
Dias após os Estados Unidos liberarem provisoriamente o uso do fármaco para pacientes graves, o Japão tornou-se o segundo país a autorizar a droga para tratar pacientes com Covid-19. Segundo as autoridades locais, o processo ocorreu de forma rápida devido à ausência de soluções terapêuticas validadas. Aqui no Brasil, a droga ainda não tem registro, mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)  afirmou que está em contato com a Gilead para verificar o interesse e a viabilidade do fornecimento do produto no país, e que já concedeu a cerca de 250 pacientes o acesso ao medicamento.
Fontes:
Food and Drug Administration (FDA). Documento disponível em:
https://www.fda.gov/media/137566/download
Journal of Biological Chemistry. Artigo disponível em:
https://www.jbc.org/content/early/2020/04/13/jbc.RA120.013679.abstract
The New England Journal of Medicine. Artigo disponível em:
https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2007016
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