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Lupa na Ciência: Cloroquina volta aos holofotes, mas estudos mais recentes indicam que droga é ineficaz contra a Covid-19
15.05.2020 - 12h00
Rio de Janeiro - RJ
O que você precisa saber:
  • Dois estudos recentes que avaliaram milhares de pacientes com a Covid-19 não encontraram benefícios no uso da hidroxicloroquina para o tratamento da doença
  • Os efeitos colaterais do medicamento vêm sendo apontados em diferentes estudos e preocupam autoridades de saúde, que alertam para os riscos do uso sem um rígido controle
  • Apesar dos alertas, o presidente Jair Bolsonaro voltou a defender o uso da cloroquina para tratar pacientes diagnosticados com Covid-19
Na última quarta-feira (13), o presidente Jair Bolsonaro voltou a recomendar o uso da cloroquina (e seu derivado menos agressivo, a hidroxicloroquina) para tratar pacientes diagnosticados e com sintomas leves da Covid-19. Dias antes, o medicamento ganhou as manchetes de jornais ao redor do mundo, mas por outro motivo. Resultados dos dois maiores estudos já realizados com a droga para o tratamento da Covid-19 indicaram que seu uso em pacientes internados com a doença não trouxe benefícios, como a redução na letalidade ou no tempo de internação. Além disso, efeitos colaterais como a arritmia cardíaca vêm sendo observados em muitas pesquisas, levando a Associação Médica Americana a emitir um comunicado pedindo que o uso da cloroquina fosse limitado a estudos clínicos e dentro de hospitais sob rigoroso controle.
Aqui no Brasil, a defesa do presidente também contrapôs o mais recente comunicado do então ministro da Saúde, Nelson Teich, que na terça-feira havia escrito em sua conta no Twitter: “a cloroquina é um medicamento com efeitos colaterais. Então, qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica. O paciente deve entender os riscos e assinar o ‘Termo de Consentimento’ antes de iniciar o uso da cloroquina”. Teich pediu demissão nesta sexta-feira (15).
Usada há anos para tratamento da malária e de algumas doenças auto-imunes, como artrite e lúpus, a cloroquina atraiu uma atenção desproporcional no início da pandemia da Covid-19 após autoridades de alguns países, entre elas o presidente americano Donald Trump, afirmarem que a droga poderia ser a cura da doença. Eles se basearam em estudos preliminares, como os que indicavam que o remédio tinha potencial para reduzir a infecção por coronavírus em células humanas cultivadas em laboratório, além de outros estudos realizados com um número reduzido de pacientes. Isso levou órgãos de saúde a autorizar o uso da cloroquina em caráter emergencial contra a Covid-19, mesmo sem a quantidade suficiente de evidências científicas.  Logo a comunidade científica pediu cautela, afirmando que ainda eram necessários estudos maiores e mais rigorosos para comprovar se a droga tinha algum efeito contra o novo coronavírus, e também para avaliar qual seria a dosagem segura.
Nas últimas semanas, os resultados de duas dessas pesquisas foram publicados. No Journal of the American Medical Association (JAMA), um estudo analisou dados coletados de 1.438 pacientes infectados com o novo coronavírus internados entre 15 de março e 24 de abril em hospitais da região metropolitana de Nova York. A pesquisa buscou responder se havia diferença na taxa de mortalidade entre os que foram tratados com a hidroxicloroquina sozinha, o que receberam a droga associada à azitromicina (antibiótico que a acompanha em protocolos para tratamento da malária), aqueles que tomaram apenas a azitromicina e os que não receberam qualquer medicamento. A conclusão foi de que não houve diferença significativa entre a taxa de letalidade observada nos quatro grupos.
A outra pesquisa, publicada no New England Journal of Medicine (NEJM), observou o resultado de tratamentos com e sem hidroxicloroquina em 1.376 pacientes americanos que testaram positivo para Covid-19 e ficaram internados por mais de 24 horas com quadros moderados e graves da doença. Entre eles, 811 (58,9%) foram medicados por cerca de cinco dias com a hidroxicloroquina (45,8% a partir das primeiras 24 horas após a chegada nas emergências dos hospitais e 85,9% nas primeiras 48h). Os outros 565 pacientes não receberam o remédio. No dia 25 de abril, quando a pesquisa foi concluída, os autores indicaram que pacientes com e sem o tratamento apresentavam o mesmo risco de uma piora do quadro e de morte.
Apesar de contarem com grande número de pacientes, os estudos foram observacionais – ou seja, com uma metodologia limitada, que avaliou dados já registrados, sem um controle de classificação dos grupos. Assim, os autores indicam que ainda são necessárias pesquisas clínicas randomizadas e testes duplo-cego, com um número elevado de voluntários, para confirmar os resultados. Levantamentos deste tipo estão em andamento em diversos países.
Enquanto os resultados não são divulgados, de acordo com um artigo publicado na revista Nature nesta semana, é consenso na comunidade científica que ainda não existe nenhum tratamento comprovadamente eficaz para tratar pacientes que contraem o novo coronavírus, o que corrobora a atual posição da Organização Mundial da Saúde (OMS). Até o momento, somente o potencial do antiviral remdesivir de acelerar a recuperação dos pacientes já foi comprovado em estudos mais amplos e também mais rigorosos.
Fontes:
New England Journal of Medicine. Artigo disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2012410
Journal of the American Medical Association. Artigo disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2766117
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