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Lupa na Ciência: Entenda a confusão sobre transmissão da Covid-19 por quem não tem sintomas
12.06.2020 - 12h00
Rio de Janeiro - RJ
O que você precisa saber:
  • No início da semana, a diretora da OMS Maria Van Kerkhove afirmou que a transmissão do novo coronavírus por pessoas que não apresentam sintomas da Covid-19 seria “muito rara”. A fala contrariava orientações anteriores e causou dúvidas na população
  • No dia seguinte, a OMS corrigiu a informação e reafirmou que assintomáticos e pré-sintomáticos podem, sim, transmitir a doença
  • Estudo publicado na Annals of Internal Medicine confirma que carga viral nas pessoas que não têm sintomas da Covid-19 pode ser idêntica a das sintomáticas. Por isso, eles tem potencial de espalhar o vírus
  • Pré-sintomáticos, ou seja, aqueles que já estão contaminados mas ainda não manifestaram sintomas da Covid-19, também podem ser vetores de infecção
  • Apesar da confusão, pesquisadores e entidades mantêm as recomendações de que hábitos adequados de higiene, uso de máscara e distanciamento social são as medidas necessárias para conter a pandemia
Pessoas sem sintomas da Covid-19 não só têm algum potencial de transmitir o novo coronavírus, como o contágio dos pré-sintomáticos pode ser um dos principais motivos para a doença ter se espalhado de forma tão agressiva em todo o mundo. Esta é a conclusão do estudo mais completo sobre o assunto até o momento. Publicada em 3 de junho, a pesquisa acabou ofuscada na última semana pela declaração imprecisa de uma representante da Organização Mundial da Saúde (OMS). Na segunda-feira, a chefe do programa de emergências da entidade, Maria Van Kerkhove, disse que parecia ser “rara” a transmissão da Covid-19 por pacientes assintomáticos. Um dia depois, a informação foi corrigida pela entidade, que afirmou que pessoas sem sintomas ou pré-sintomáticas transmitem coronavírus – “a questão é saber quanto”. Questionada sobre a declaração feita no dia anterior, Van Kerkhove afirmou que estava se referindo a uma possibilidade levantada em estudos preliminares e ainda não revisados, e foi enfática: “Acredito ser um equívoco dizer que a transmissão por pessoas assintomáticas é muito raro”.
A confusão com a declaração se deve em parte pelo que as pessoas entendem quando se fala em “pacientes assintomáticos”. Às vezes, o termo é usado para se referir àqueles que ainda não começaram a apresentar os sintomas da doença, como febre, tosse e dores no corpo, mas que virão a manifestar algumas dessas condições. Nestes casos, deveriam ser chamados de pré-sintomáticos. Esses pacientes, como já foi comprovado em estudos anteriores, têm um alto potencial de transmitir a doença, principalmente nos dias que antecedem os primeiros sintomas. Outras vezes, a palavra “assintomático” é usada para aqueles pacientes que apresentam sintomas muito leves da doença, ou que nunca chegam a manifestar qualquer mal-estar. Alguns estudos estimam que entre 6% e 41% dos que contraem a Covid-19 estão nesta situação. Esta alta variação na porcentagem se dá porque ainda são escassos os estudos sobre o assunto.
Ao corrigir a declaração feita na segunda-feira, Van Kerkhove explicou que suas falas foram baseadas em interpretações pessoais sobre a última atualização do Guia para Uso de Máscaras da OMS, publicado em 5 de junho. Nele, a entidade indica que as evidências coletadas apontam para uma maior taxa de transmissão do vírus entre pessoas com sintomas que não usam equipamento de proteção adequado. Aqueles sem sintomas também teriam potencial de transmitir a doença, mas ainda não se sabe com exatidão em que grau. “São urgentemente necessárias evidências epidemiológicas robustas adicionais, inclusive em subpopulações, como crianças, para entender melhor a importância de casos assintomáticos para promover a disseminação da pandemia”, diz o documento. Mesmo que seja mais baixo do que o relatado em estudos anteriores, de acordo com a entidade, o potencial de transmissão dos assintomáticos ainda deve ser considerado significativamente importante, e por isso as políticas de prevenção devem ser mantidas.
Dois dias antes, porém, uma das pesquisas mais robustas sobre o assunto foi publicada na revista Annals of Internal Medicine. Este estudo não consta no guia mais recente da OMS. Daniel P. Oran e Eric J. Topol, do Scripps Research Translational Institute, dos Estados Unidos, revisaram 16 grandes análises de focos da pandemia feitas por testes de RT-PCR, o mais utilizado para a detecção do novo coronavírus. Foram coletados dados de habitantes evacuadas de Wuhan, na China, de pacientes da obstetrícia de hospitais em Nova York, de pessoas que estavam em abrigos para sem-teto em Boston, de passageiros do navio Diamond Princess, entre outros locais.
O estudo conclui que portadores assintomáticos representam entre 40% a 45% das infecções pelo novo coronavírus, e que estes têm o potencial de transmitir o SARS-Cov-2 para outras pessoas por um período de cerca de 14 dias. Em algumas análises, a carga viral nos que não têm sintomas foi semelhante à dos que ficaram doentes, apontando para a possibilidade de ambos terem a mesma capacidade de transmitir a doença.
Os pesquisadores também falam sobre o maior período de incubação do vírus, em comparação com o da gripe comum. Como o SARS-Cov-2 pode permanecer por dias no organismo antes de a pessoa manifestar qualquer sintoma, este pode ser um dos principais motivos pelos quais o novo coronavírus está se espalhando com tanta velocidade.
A soma das evidências, explicam os autores, pode indicar que o SARS-Cov-2 tem um potencial de se espalhar silenciosamente ainda maior do que se acreditava. Outro dado interessante levantado pelos autores é que a infecção assintomática pode causar danos no pulmão que só são detectáveis por tomografia computadorizada. Ou seja, mesmo quando a pessoa não manifesta nenhum sintoma da doença, o vírus pode causar danos ao organismo.
Os autores ressaltam que as análises feitas no estudo podem conter imprecisões, e que mais pesquisas são necessárias para uma avaliação detalhada sobre esse potencial dos assintomáticos e pré-sintomáticos na transmissão da doença. Também na última semana, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) atualizou as informações sobre a Covid-19 salientando que a transmissão dos assintomáticos existe, e que enquanto a dimensão dela não for determinada, é preciso manter as políticas de higiene rigorosa e distanciamento social para conter a pandemia.
Fontes:
Annals of Internal Medicine. Artigo disponível em:
https://www.acpjournals.org/doi/10.7326/M20-3012
Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Informações disponíveis em:
https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/faq.html#Transmission
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