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Na web, teorias da conspiração apontam China e EUA como criadores da Covid-19
04.08.2020 - 08h00
Rio de Janeiro - RJ
A história fantasiosa de que o novo coronavírus foi criado em um laboratório na China rodou o mundo no início da pandemia e chegou a ser reproduzida até mesmo pelo ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub. Em abril, estudos científicos provaram que o SARS-CoV-2 não foi desenvolvido artificialmente. Mesmo assim, teorias da conspiração sobre o causador da Covid-19 continuaram a circular, com enredos que muitas vezes lembram o dos filmes hollywoodianos. De 1º de janeiro até 3 de agosto, plataformas de checagem de diferentes países publicaram 218 verificações sobre esse tema, segundo levantamento feito nas bases de dados Coronavirus Facts Alliance e CoronaVerificado.
A maior parte desses conteúdos (41% do total, ou 90 posts) tenta ligar o surgimento do coronavírus à China. Mas os Estados Unidos ou norte-americanos aparecem como vilões em 6% das checagens (19). O criador da Microsoft, Bill Gates, e a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, a democrata Nancy Pelosi, foram injustamente acusados de terem tramado para disseminar a pandemia. A origem do novo coronavírus foi atribuída ainda a outros países – Reino Unido, França e Canadá – e à instalação de redes de transmissão de dados móveis 5G – bem mais velozes do que o 4G usado hoje no Brasil.
Parte das histórias falsas sobre a criação do vírus em um laboratório na China não vai muito além de fazer essa acusação, muitas vezes associada à tese de que se trata de uma arma biológica. Algumas das peças desmentidas, no entanto, acrescentam narrativas muito mais mirabolantes. No início da pandemia, circulou pelas redes sociais um post que dizia que pesquisadores chineses expulsos de um laboratório em Winnipeg, no Canadá, haviam roubado o coronavírus do edifício e levado para a China. Uma pesquisadora chinesa realmente estava sendo investigada em 2019. O caso, contudo, não tinha nenhuma relação com a Covid-19.
Outro crime envolvendo um cientista norte-americano, que teria trabalhado secretamente para os chineses, viralizou em pelo menos 12 países, incluindo o Brasil. Charles Lieber, um professor da Universidade de Harvard, teria sido preso pelo FBI por supostamente criar e vender o novo coronavírus para a China. Depois de ser desmentida em 21 de fevereiro, a história voltou a ser compartilhada em diferentes lugares em abril. Lieber foi de fato detido, mas por um motivo bem diferente. Ele mentiu às autoridades sobre a sua relação com a China. O pesquisador recebeu um financiamento de US$ 1,5 milhão para montar um laboratório na Universidade de Tecnologia de Wuhan e um salário mensal de US$ 50 mil, além de participar de um programa de recrutamento de talentos. Nada disso, no entanto, tinha qualquer ligação com a pandemia.
Militares e agentes secretos também teriam revelado como a China transformou o novo coronavírus em uma arma biológica. O boato começou em um site conservador, o G News. Em janeiro, a página publicou um texto dizendo que o Partido Comunista Chinês em breve admitiria que tudo começou em um laboratório em Wuhan. Um acidente em uma das áreas de um programa de criação de armas biológicas teria liberado o vírus. Só que isso jamais ocorreu. Na Macedônia do Norte, circulou um post dizendo que a fonte dessa informação seria um ex-espião israelense. A desinformação começou a ser espalhada por um artigo do site conservador The Washington Times, que acabou sendo apagado depois. Anunciado como “prova” dessa origem militar da pandemia, um suposto comunicado do Exército de Libertação Popular da China foi desmentido em Taiwan. Até mesmo um “depoimento” de um oficial da inteligência chinesa, que na verdade era uma história de ficção, precisou ser verificado na Índia.
Posts falsos usaram ainda motivos pouco convencionais para explicar a suposta liberação do vírus pela China. Uma dessas teorias da conspiração, checada em Portugal, explicava que a pandemia seria resultado de um programa do governo chinês de eliminar 1% da população do país. Além de não existir nenhuma prova dessa acusação, o número de mortos da China não chega nem perto de 1%. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), houve 4.677 óbitos de Covid-19 no país até o dia 3 de agosto – relativamente a 1,4 bilhão de habitantes, isso equivale a 0,00033% do total.

Americanos criaram o vírus

Ainda que com frequência bem menor, textos acusando os Estados Unidos de criarem o novo coronavírus circularam em países como França, Alemanha, Taiwan, Croácia, Espanha, China, Argentina, Nigéria, Burundi, Índia, Geórgia e República Democrática do Congo. Uma das primeiras peças de desinformação com esse tema apareceu no final de janeiro. O post acusava os norte-americanos de terem desenvolvido o vírus em 2003, o que seria provado por uma patente. Na verdade, um grupo de pesquisadores patenteou o sequenciamento genético do SARS-CoV, um vírus diferente, causador da pandemia de SARS em 2002 e 2003. Eles tampouco inventaram esse vírus, mas sim foram os primeiros a sequenciar o seu RNA. História semelhante foi usada para acusar o Instituto Pasteur, na França, e o Instituto Pirbright, no Reino Unido, de criar o vírus.
Alguns políticos ou personalidades públicas também teriam denunciado a participação dos Estados Unidos na pandemia. Nesse grupo está o deputado alemão Wolfgang Gedeon, ex-integrante do partido de extrema direita AfD, que fez essa acusação em um discurso. Eram apenas suposições, sem provas. Já uma fala do presidente da Rússia, Vladimir Putin, sobre esse tema foi tirada do contexto original e acabou desmentida depois. Segundo posts que circularam em maio, o polêmico virologista francês que defende o uso da cloroquina, Didier Raoult, teria revelado que o novo coronavírus foi uma criação conjunta dos Estados Unidos e da China. O objetivo desse plano seria exterminar mais de 30 milhões de pessoas na África. Raoult negou ter feito qualquer afirmação desse tipo.
Assim como ocorreu com as acusações contra a China, algumas das peças de desinformação sobre os Estados Unidos adotaram uma trama elaborada. O assassinato de um pesquisador chinês de 37 anos que estudava a Covid-19 na Universidade de Pittsburgh, no início de maio, teria ocorrido para encobrir sua revelação sobre a origem americana do vírus. A história foi desmentida na China. De fato, um cientista da computação de origem chinesa envolvido em um projeto sobre a Covid-19 foi morto em Pittsburgh, mas ele foi vítima de um crime passional. Outra prova da ação dos EUA seria a confirmação da Covid-19 em oito tripulantes de um submarino, o USS Tennessee. O veículo teria partido em missão de 119 dias, antes do começo da pandemia. A existência de infectados, contudo, era falsa, e o submarino não ficou o tempo todo submerso em sua missão.
Esta coluna foi escrita pela Agência Lupa a partir das bases de dados públicas mantidas pelos projetos CoronaVerificado e LatamChequea Coronavírus, que têm apoio do Google News Initiative, e pela CoronaVirusFacts Alliance, que reúne 88 organizações de checagem em todo mundo. A produção das análises tem o apoio do Instituto Serrapilheira e da Unesco. Veja outras verificações e conheça os parceiros em coronaverificado.news
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