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Com Coronavac aprovada, Bolsonaro e Pazuello mudam discurso e caem em contradição
18.01.2021 - 21h18
Rio de Janeiro - RJ
Nesta segunda-feira (18), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, mudaram radicalmente o discurso sobre a Covid-19. Bolsonaro declarou que a Coronavac, à qual ele se referia como “vacina chinesa de João Doria” até a última sexta-feira (15), é “a vacina do Brasil”, enquanto Pazuello defendeu medidas de isolamento social e disse que o seu ministério nunca recomendou cloroquina ou qualquer outro remédio — apenas o “atendimento precoce” de pacientes. A Lupa analisou essas declarações do presidente e do ministro, confira:
“E a vacina é do Brasil, não é de nenhum governador, não, é do Brasil”
Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, em conversa com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada no dia 18 de janeiro de 2021
Contraditório
Até a última sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro se referia à Coronavac, vacina contra o novo coronavírus desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac, como sendo a “vacina de João Doria”, governador de São Paulo. Essa expressão era usada como forma de criticar o imunizante.
Na sexta-feira (15), Bolsonaro criticou a Coronavac ao falar sobre os dados de eficácia divulgados pelo Instituto Butantan. Na ocasião, falou o seguinte: “vou tomar tempo dessas pessoas para fazer uma ação contra esse cara de São Paulo que foi desmoralizado pela baixa taxa de sucesso na sua vacina, que ele [João Doria] tanto defendeu. Nunca vi um político defender tanto a vida. Geralmente os interesses são outros”.
Em outubro do ano passado, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a anunciar que compraria 46 milhões de doses da vacina. Em um comentário no Facebook, Bolsonaro disse que a vacina não seria comprada.
No mesmo dia, Bolsonaro tuitou que o governo federal só iria adquirir vacinas comprovadas cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. Ele se referiu à Coronavac como “vacina chinesa de João Doria” e disse que o povo brasileiro não seria “a cobaia” de ninguém. Na época, Bolsonaro disse que não iria adquirir a vacina naquele momento.
Em junho do ano passado, o Instituto Butantan e a Sinovac assinaram um contrato para realizar a terceira fase dos ensaios clínicos no Brasil. Com isso, voluntários brasileiros participaram do estudo que mostrou uma eficácia global de 50,38%. No último domingo (17), a Anvisa aprovou a vacina para o uso emergencial no Brasil. Na mesma reunião, a agência reguladora também aprovou a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford junto com a farmacêutica britânica AstraZeneca.

“O início da vacinação não nos desobriga a continuar com o uso de máscara, não nos desobriga às medidas de prevenção e de afastamento social”
Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, em coletiva de imprensa no dia 18 de janeiro de 2021
Contraditório
Durante transmissão ao vivo junto com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), na quinta-feira (14), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, desdenhou sobre a eficácia de máscaras e medidas de isolamento social. Na fala, Pazuello disse o seguinte: “O uso da máscara, o afastamento social, as medidas de isolamento (…), isso tudo nós temos muita dificuldade de encontrar o que deu certo e o que deu errado”. Como a Lupa explicou, há diversas pesquisas que demonstram que tais medidas preventivas reduzem, sim, a infecção por Covid-19.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), embora as vacinas possam ajudar a acabar com a pandemia da Covid-19, elas não resolverão tudo — é preciso atingir uma grande parcela da população para inibir o vírus. Assim, a OMS recomenda continuar seguindo as medidas de proteção. “Quando o distanciamento físico não é possível, o uso de uma máscara também é uma medida de proteção. A nível individual, essas medidas de proteção funcionam inclusive contra as novas variantes identificadas até o momento”, informa.

“A senhora não me viu receitar [hidroxicloroquina] ou dizer para as pessoas tomarem este ou aquele remédio. Nunca. Não aceito sua posição”
Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, em coletiva de imprensa no dia 18 de janeiro de 2021
Contraditório
Em transmissão ao vivo ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 22 de outubro, o ministro Eduardo Pazuello falou que tomou hidroxicloroquina, Annita (nome comercial da nitazoxanida) e azitromicina para se recuperar da Covid-19. “Procure um médico e siga as prescrições do médico. O que o médico prescrever, tome o mais rápido possível. (…) Fui diagnosticado clinicamente antes de fazer o exame e comecei já a tomar os remédios”, afirmou Pazuello.
Em uma coletiva de imprensa no Rio Grande do Sul, em 21 de julho, o ministro defendeu o “tratamento precoce” com uso de medicamentos, incluindo a cloroquina. “Se você é diagnosticado com Covid, receba a prescrição de medicamentos. O médico vai dizer quais os medicamentos são mais eficazes para cada um, é soberano o médico nesse aspecto. Receba ou compre, tome os medicamentos e, se Deus quiser, você vai ficar bom”, ressalta.
Em outro momento da coletiva, Pazuello afirmou que essa declaração era uma “orientação clara” do Ministério da Saúde: “Nós temos aí a hidroxicloroquina, a ivermectina e a azitromicina já listadas nessa orientação. Cabe ao médico avaliar o paciente, diagnosticá-lo e cabe ao médico prescrever qual o medicamento ideal naquela fase para aquele paciente”.

“Temos divulgado desde junho o atendimento precoce. Não confundam atendimento precoce com que remédio tomar”
Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, em coletiva de imprensa no dia 18 de janeiro de 2021
Contraditório
Um ofício encaminhado pelo Ministério da Saúde à Prefeitura de Manaus em 7 de janeiro de 2021 solicita que a Secretaria Municipal de Saúde adote o “tratamento precoce” como forma de diminuir a quantidade de casos de Covid-19 na cidade. No documento obtido pela Folha de São Paulo, assinado pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde da pasta (SGTES), Mayra Pinheiro, diz: “Aproveitamos a oportunidade para ressaltar a comprovação científica sobre o papel de medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde, tornando, dessa forma, inadmissível, diante da gravidade da situação de saúde em Manaus a não adoção da referida orientação”.
O Ministério da Saúde, em seu site, também disse que Manaus será “palco” de um projeto-piloto que irá testar um “novo método científico” para detectar casos de Covid-19. No texto, Mayra reforça que, após o médico atender ao paciente, será oferecido “o tratamento precoce com uso de medicações antivirais”.
Antes disso, em maio de 2020, o Ministério da Saúde publicou um protocolo no qual orienta o manuseio da cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19 para casos leves. De acordo com o documento divulgado pela pasta, cabe ao médico a decisão sobre prescrever ou não a substância, sendo necessária também a vontade declarada do paciente, com a assinatura do Termo de Ciência e Consentimento.

Publicações em redes sociais

Um levantamento feito na conta oficial do Ministério da Saúde no Twitter mostra ao menos 38 publicações utilizando a expressão “tratamento precoce” para o combate à Covid-19. Em 12 de janeiro, por exemplo, uma das postagens do órgão foi notificada pelo Twitter como “enganosa”. No texto, o Ministério da Saúde recomenda procurar um médico e solicitar o tratamento precoce.
Em outras publicações, também no Twitter, o Ministério da Saúde é claro ao recomendar a cloroquina na fase precoce do novo coronavírus. Em 2 de setembro, por exemplo, o órgão respondeu a um dos usuários: “Para a recomendação da cloroquina na fase precoce do coronavírus, o Ministério da Saúde considerou estudos e a experiência brasileira. O Conselho Federal de Medicina também propôs que médicos considerassem a cloroquina com o consentimento do paciente”. Em 28 de maio, também em outra postagem no Twitter, afirmou que a orientação para o uso do tratamento com cloroquina e hidroxicloroquina “dá liberdade de escolha ao paciente, orienta a equipe médica na dosagem para cada caso e torna o tratamento disponível à toda população brasileira”.
Além disso, o Ministério da Saúde publicou um texto em seu site, em 2 de janeiro deste ano, citando um estudo do The American Journal of Medicine como comprovação para o tratamento precoce para a Covid-19. “A instrução publicada em forma de artigo científico cita o sucesso em combinar antivirais e vitaminas, citando inclusive, o zinco, a azitromicina e a hidroxicloroquina, amplamente utilizadas no protocolo do Governo Federal no enfrentamento à pandemia”, diz trecho do texto.
O artigo citado, na verdade, descreve as principais abordagens terapêuticas relacionadas ao tratamento precoce contra a Covid-19. Não é uma pesquisa que aplica dois procedimentos considerados essenciais para mostrar se um medicamento funciona. Essas técnicas, presentes apenas em ensaios clínicos, são a randomização (escolha aleatória dos participantes) e o duplo-cego (quando nem médicos, nem pacientes sabem quem recebe o medicamento e quem recebe placebo).
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