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Lupa
Tese sobre ‘fraude’ nas eleições de 2014 é baseada em dados falsos
12.07.2021 - 18h53
Rio de Janeiro - RJ
Circula pelas redes sociais um vídeo no qual a ex-candidata a deputada federal pelo PSL de São Paulo, Naomi Yamaguchi, entrevista um homem não identificado que diz ter descoberto irregularidades nas eleições presidenciais de 2014. Naquele ano, Dilma Rousseff (PT) reelegeu-se no segundo turno em disputa contra o então senador Aécio Neves (PSDB). A legenda da publicação sugere que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se refere a isso quando diz “ter provas da fraude de 2014” e que o PT, por meio das “urnas fraudulentas”, deu uma rasteira no PSDB. A publicação também sugere que nas eleições de 2018 não foi diferente e que Bolsonaro teria vencido já no primeiro turno. Por meio do ​projeto de verificação de notícias​, usuários do Facebook solicitaram que esse material fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa​:
“O PR Bolsonaro fala sobre isso quando diz ter provas da fraude de 2014 onde Aécio em sua casa já comemorava a Vitória da eleição presidencial de 2014, mas o PT através de urnas fraudulentas deu uma rasteira no PSDB(briga de irmãos).
Em 2018 não foi diferente, o atual PR Bolsonaro vendeu no primeiro turno, PT novamente tentou dar o golpe, existem diversos vídeos de pessoas relatando apertar o 17 e aparecer a foto do Handrade ou poste do Kraken, mas a diferença de votos era tão grande que se tornou impossível dar o mesmo golpe (…)”
Vídeo compartilhado no Facebook que,até as 16h30 do dia 9 de julho de 2021, tinha mais de 140 compartilhamentos
Falso
A informação analisada pela Lupa é falsa. Não foram constatadas irregularidades nas eleições presidenciais de 2014. Até o momento, não há qualquer prova de que o pleito daquele ano tenha sido fraudado. Em 2014, Dilma Rousseff (PT) foi reeleita no segundo turno e o PSDB, partido do adversário, o então senador Aécio Neves (PSDB-MG), pediu uma auditoria para verificar o sistema que apura e faz a contagem dos votos. A investigação do partido não identificou erros. O próprio PSDB admitiu, nesta quinta-feira (8), que não houve qualquer fraude no voto.
O vídeo é antigo. Viralizou pela primeira vez em 2018, às vésperas das eleições presidenciais, e o conteúdo foi desmentido na época pela Agência Pública. Na gravação, a ex-candidata a deputada federal Naomi Yamaguchi entrevista um homem que diz ter “descoberto” a adulteração no pleito de 2014 e que estaria denunciando o caso somente em 2018 em razão de uma afirmação de Jair Bolsonaro (sem partido), então candidato à presidência pelo PSL, que sugeria que, se perdesse, o motivo seria fraude. Os argumentos usados pelo entrevistado, como padrão matemático e lei de Benford, foram contestados na época. Entenda:

Virada de Dilma na apuração

A fonte anônima sugere que o primeiro indício de adulteração na votação do segundo turno das eleições de 2014 estaria no fato de Aécio Neves (PSDB) aparecer em primeiro lugar nos primeiros minutos da apuração daquele ano. De fato, conforme análise do minuto a minuto feita pelo Portal G1, o candidato tucano estava à frente nos primeiros minutos, com 67,7% dos votos contra 32,3% para a petista Dilma Rousseff. Contudo, é comum que nos primeiros momentos de apuração das urnas os números não correspondam ao resultado final. Votos por região, por exemplo, variam bastante e isso pode influenciar nas parciais. Nos estados do Sul, Aécio Neves tinha maioria dos votos. Já no Nordeste, Dilma estava em vantagem.
Depois de duas horas de apuração, os dois candidatos empatam e, na sequência, Dilma passa à frente de Aécio Neves. Ao final, a petista venceu a disputa com 51,6% dos votos válidos. Esse resultado foi similar aos cenários previstos na maioria das pesquisas feitas dias antes do pleito, que mostravam Dilma à frente de Aécio por poucos pontos percentuais, com vantagem nos estados do Norte e Nordeste.

“Padrão matemático” é baseado em dados que não existem

Para explicar o segundo indício de fraude, o entrevistado anônimo diz ter identificado um padrão na evolução dos votos a partir da análise da apuração minuto a minuto, disponibilizada pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele analisou a quantidade de votos obtidos pelos candidatos a cada uma das 339 parciais divulgadas até a conclusão da apuração. Para chegar a esse suposto padrão, ele subtraiu dos votos totais os votos da parcial anterior. Depois, ele dividiu esse resultado sobre os votos totais do candidato naquele minuto para obter a porcentagem de incremento de votos. Ao fazer isso, ele teria encontrado um padrão em 241 parciais — e essas 241 parciais supostamente mostravam um padrão de vantagem de Dilma e de Aécio intercaladas.
Contudo, um levantamento feito na época pela Agência Pública mostrou que o autor da acusação faz comparações equivocadas entre os números. Os dados transpostos na coluna em que é exibido o suposto padrão encontrado não correspondem aos números de votos obtidos a cada resultado parcial pelos candidatos. Comparando os números corretos, não foi possível observar qualquer tipo de padrão nos resultados.

Lei de Benford contestada

Outro argumento usado pelo homem entrevistado foi o de que os números de votos nos resultados parciais não seguiram a lei de Benford e, por isso, não seriam verdadeiros. Essa regra estatística, que leva esse nome em referência ao físico Frank Benford (1883-1948), sugere que em uma sequência de números gerados de maneira natural, sem a influência de humanos, os dígitos menores (1, 2 e 3) aparecem mais do que os maiores (7,8 e 9). No entanto, especialistas ouvidos na época pelo projeto Comprova contestaram esse argumento.
Segundo estudiosos do assunto, essa lei não se aplica a qualquer conjunto numérico e não pode ser usada em resultados de eleições. Isso porque o método, por si só, não é capaz de provar irregularidades e, além disso, a própria confiabilidade da lei de Benford é bastante questionada pela literatura acadêmica.
Para mostrar que a Lei de Benford é pouco aplicável em conjunto de dados como o resultado de uma eleição, um estudo liderado pelo pesquisador do Instituto de Tecnologia da Califórnia, Peter Ordeshook, por exemplo, fez simulações com diferentes informações e aplicando essa metodologia. “Analisando dados de Ohio, Massachusetts e Ucrânia, bem como dados gerados artificialmente por uma série de simulações, argumentamos aqui que a lei de Benford é essencialmente inútil como um indicador forense de fraude”, diz a pesquisa.

Desinformação sobre fraude impulsionada por Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro tem feito diversas declarações acerca da confiabilidade das urnas eletrônicas e, em diferentes momentos, acusou, sem comprovação, que a eleição de 2018 foi adulterada e que ele deveria ter sido eleito já no primeiro turno. Contudo, ele ainda não apresentou provas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirma que o voto no Brasil já é auditável “antes, durante e depois” das eleições e que testes de segurança mostram que não é possível violar o sigilo do voto ou mudar os rumos da votação. Até hoje, não há qualquer comprovação de fraudes alegadas por Bolsonaro nas eleições de 2014 e 2018.
Na última quarta (7), o chefe do Executivo mais uma vez falou que apresentaria provas de que houve fraudes nas eleições de 2014 e 2018 e afirmou, em uma entrevista à Rádio Guaíba, que na disputa entre Dilma e Aécio, foi o tucano quem venceu. No entanto, o próprio Aéciorejeitou as suspeitas de Bolsonaro e afirmou que não houve fraude.
Depois das declarações do presidente no dia 7 de julho, o vídeo da entrevista de Naomi Yamaguchi — já desmentido anteriormente — voltou a circular pelas redes sociais. Só no dia 8 de julho, um dia depois da entrevista de Bolsonaro, o vídeo foi compartilhado em pelo menos seis grupos pró-Bolsonaro, como “Aliança pelo Brasil”, “Brasil acima de Tudo” e “Força Brasil”.
Na sexta (9), Bolsonaro chamou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, de “idiota” e “imbecil”, defendeu o voto impresso e novamente insinuou que as urnas foram adulteradas nas eleições passadas. Em resposta, o TSE publicou uma nota informando que, desde a implantação das urnas eletrônicas em 1996, “jamais se documentou qualquer episódio de fraude”. Ainda de acordo com a nota, nesse sistema “foram eleitos os presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. Como se constata singelamente, o sistema não só é íntegro como permitiu a alternância no poder”.
Nota:‌ ‌esta‌ ‌reportagem‌ ‌faz‌ ‌parte‌ ‌do‌ ‌‌projeto‌ ‌de‌ ‌verificação‌ ‌de‌ ‌notícias‌‌ ‌no‌ ‌Facebook.‌ ‌Dúvidas‌ sobre‌ ‌o‌ ‌projeto?‌ ‌Entre‌ ‌em‌ ‌contato‌ ‌direto‌ ‌com‌ ‌o‌ ‌‌Facebook‌.
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Catiane Pereira
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