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Após criticarem apoiadores de Bolsonaro, mulheres sofrem ataques misóginos e xenófobos no Twitter
30.06.2022 - 18h56
Rio de Janeiro - RJ
O mês de maio foi marcado por diversos episódios de ataques a mulheres que são personalidades públicas nas redes sociais. A chef Paola Carosella, a jornalista Amanda Klein e a senadora Simone Tebet (MDB) tiveram mais de 587,8 mil menções no Twitter naquele mês, mostra um levantamento sobre discurso de ódio contra mulheres feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP-FGV) a pedido da Lupa.
O relatório aponta que as principais investidas contra elas partiram da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL) e ocorreram em reação a comentários negativos sobre o presidente e seus apoiadores.
Em entrevista ao podcast DiaCast, no dia 17 de maio, Paola Carosella criticou o eleitorado de Bolsonaro e disse que tem dificuldades para se relacionar com pessoas que apoiem o presidente. “Fica muito difícil se relacionar com alguém que [ainda apoia o governo Bolsonaro]. Por dois motivos: ou porque é escroto ou porque é burro”, disse ela.

Quase uma semana se passou até que a entrevista da chef de cozinha começasse a circular entre os apoiadores do presidente. Foi apenas entre os dias 22 e 24 de maio que o nome dela começou a ganhar repercussão no Twitter. Foram 289,2 mil menções – 152,5 mil apenas no dia 23 – que partiram, de sua maioria, de youtubers, blogueiros e influenciadores digitais da base de apoio do presidente, mostra o levantamento.
Paola Carosella (esquerda), Amanda Klein (centro) e Simone Tebet (direita)
A maior parte das postagens convidavam Carosella a voltar ao seu país natal, a Argentina, e pediam um boicote aos restaurantes da chef, Arturito e La Guapa. A hashtag ‘#voltaparaaargentinacozinheira’ apareceu em 38,7 mil tuítes. “Somos um povo acolhedor, isso não quer dizer que temos que tolerar insultos de estrangeiro lacrador. Paola Carosella, se retrate ou volte para sua amada Argentina socialista”, dizia um dos tuítes.
Além do teor xenofóbico, ao ordenar que um imigrante volte ao seu país, diversos tuítes também chamavam Carosella de ‘cozinheira’ e não de ‘chef’ como uma tentativa torta de depreciar sua capacidade e exercer tal profissão. “É uma tentativa de anular a possibilidade de a mulher ocupar determinados espaços profissionais de relevância, de visibilidade e de autoridade”, analisa Nina Santos, que é pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD). 
O mesmo problema é apontado por Lorena Caminhas, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora de gênero e mídia na Universidade de São Paulo (USP). “Questionar a capacidade profissional de uma mulher é dizer que ela não é capaz e não deveria exercer uma profissão socialmente reconhecida”, concorda. 
Depois do dia 24 de maio, as menções a Carosella no Twitter voltaram ao mesmo patamar anterior à entrevista. Nos monitoramentos diários em outras redes sociais, a Lupa também identificou diversos vídeos que, supostamente, mostrariam seus restaurantes fechados ou vazios, além de inúmeros pedidos de boicotes e de avaliações negativas dos locais.
Já no começo de maio, a jornalista Amanda Klein, que é apresentadora do programa Opinião no Ar da RedeTV! e comentarista da Jovem Pan, foi a principal figura pública feminina na mira dos apoiadores de Bolsonaro. Entre os dias 2 e 3, ela apareceu em 11,6 mil tuítes. Os ataques aconteceram porque ela disse que a manifestação organizada pelos apoiadores de Bolsonaro no dia 1º de maio teve atos “preconceituosos e discriminatórios" e que tinha sido formada, em sua maioria, por pessoas “brancas e ricas”.
Entre os ataques direcionados à jornalista destacaram-se aqueles que atribuem um “problema mental” ou “falta de caráter a ela”, mostra o levantamento do DAPP. Um dos tuítes que mais viralizaram no período chamava Klein de “Dilma da Jovem Pan”. “Existe uma coisa comum entre os ataques a mulheres que é a tentativa de mostrá-las como inaptas. É a tentativa de mostrar mulheres jornalistas como incapazes de realizar aquele tipo de atividade”, explica a pesquisadora Nina Santos. 
Por isso, a profissão acaba sendo um dos alvos preferenciais. “No jornalismo, as mulheres sofrem mais ataques virtuais com expressões sexistas e que questionam sua capacidade mental do que os homens”, comenta Patricia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, que fomenta a educação midiática.
Outro tuíte chamava a jornalista de “chassi de grilo”. Monitoramentos diários feitos pela Lupa nas redes sociais identificaram muitas publicações que fazem piadas com a aparência física da jornalista e até montagens feitas para deixá-la “mais magra” – e, com isso, caçoar e humilhar a apresentadora. O relatório "Violência online contra mulheres jornalistas", produzido pela Unesco, mostra que 79% das mulheres jornalistas entrevistadas já sofreram algum tipo de violência online durante o trabalho – e 15% sofreram abuso com base em imagens roubadas ou manipuladas. 
Outro estudo, também da Unesco, mostra que ataques que questionam a capacidade mental ou a aparência física de jornalistas são até 30% mais frequentes contra mulheres do que contra homens. Para Caminhas, a sociedade entende que é possível inferir o lugar social das mulheres pela aparência, ao contrário dos homens. “Desqualificar a aparência física é tomado como uma desqualificação da própria pessoa nesses casos”, explica.
O nome da senadora Simone Tebet também virou alvo de ataques depois de ela ter sua pré-candidatura à Presidência da República confirmada no final de maio. Entre os dias 25 e 27, a presidenciável teve 60,3 mil menções no Twitter. O levantamento do DAPP-FGV mostra que a parlamentar ficou na mira de políticos, ativistas e influencidores digitais tanto de esquerda quanto de direita depois de ter declarado que “mulher vota em mulher”.
Os perfis de esquerda lembraram que ela foi favorável à admissão do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), enquanto os perfis conservadores criticaram sua atuação na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, em 2021. 
As mensagens diziam que a presidenciável teria supostamente humilhado depoentes mulheres, como as médicas Nise Yamaguchi e Mayra Pinheiro. “Uma mulher que fala sério com autoridades é muito mal vista. É vista como alguém que não consegue fazer articulações no mundo político”, comenta Santos. “Enquanto isso, o homem é visto como forte e decidido, que sabe colocar sua opinião e liderar o processo de decisão.”
Dois dos principais tuítes, porém, chamavam-na de “[João] Amoedo de saia” e também de “liberal trans”. “É ofensivo porque você desumaniza a mulher e dá a entender que ela só terá legitimidade e autoridade se for semelhante aos homens”, explica Blanco. “É ofensivo exatamente porque retira das mulheres o direito à participação no espaço público, colocando-as como ‘imitadoras de homens’”, explica Caminhas.
Em abril, a Lupa mostrou que as cantoras Anitta, Ivete Sangalo e Daniela Mercury tinham se tornado alvo de desinformação depois de se posicionarem contra o governo do presidente Bolsonaro. Na ocasião, em cerca de três meses, foram verificadas nove publicações falsas diferentes envolvendo as artistas. Grande parte dos conteúdos atacava as cantoras com desinformação envolvendo atos sexuais e sexualidade de maneira misógina. “Os ataques visam o silenciamento e a desqualificação, invalidando a participação política das mulheres que ocupam cargos na política ou que são visíveis pelo seu destaque nas profissões”, analisa Caminhas.
“O fato de as mulheres serem mais atacadas nos ambientes digitais é um reflexo de como nossa sociedade funciona”, nota Santos. “Acontece que, no digital, as pessoas se sentem mais à vontade para expressar esse preconceito”, resume a pesquisadora. “A distância e o anonimato dão justamente mais liberdade para que homens ofendam e violentem, com textos, áudios e vídeos, mulheres conhecidas e desconhecidas”, concorda Blanco.

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Ítalo Rômany
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