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Erro ou mentira? Leitores questionam limite da classificação de checagens
16.09.2022 - 18h41
Rio de Janeiro - RJ
“Ele não erra, ele mente mesmo”; “erra nada, ele mente descaradamente!!!”. Comentários do tipo se repetiram nas redes sociais da Lupa, na última semana, nos posts com as checagens da entrevista do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à CNN e da participação do presidente-candidato Jair Bolsonaro (PL) no programa do Ratinho.
Outras vezes, como é comum, uma mesma crítica se repetiu com sinais invertidos.
“Quando é Lula, ele errou, cometeu uma gafe. Quando é Bolsonaro, ele mentiu, fake news”, escreveu um leitor. “Bolsonaro ERRA, mas quando é Lula – FAKE NEWS”, escreveu outro.
Errar ou mentir? A declaração do candidato foi falsa, errada ou mentirosa? Essa discussão está presente na Redação de Lupa desde o seu início. Até o início de 2021, a palavra “mentira” não aparecia em títulos e textos da agência. A metodologia adotada prevê que as verificações devem ser objetivas e dar espaço para as explicações de quem fez as declarações. “Por mais que os erros flagrados na boca de personalidades pudessem se assemelhar com uma mentira”, afirma a empresa, parecia “incorreto pensar que algum desses atores públicos desinforma com dolo, intencionalmente”.
A overdose de notícias falsas e mentiras deliberadas durante a pandemia da Covid-19 levou a uma mudança nessa posição. 
Por princípio, a Lupa esclarece que não analisa a intenção de atores públicos ao proferirem informações falsas, mas a constatação de que a repetição desse tipo de informação vinha até mesmo embasando políticas públicas acendeu um alerta.
 Em editorial publicado em 15 de janeiro de 2021, anunciou que passava a ter o direito de “apontar mentiras”, identificando em títulos e textos quando vê repetições de falas equivocadas como parte de um comportamento repetido que busca distorcer o debate público.
Entretanto, nem sempre Lupa tem cumprido essa nova política.
O título sobre a checagem da entrevista de Bolsonaro dizia: “No Ratinho, Bolsonaro erra sobre violência contra a mulher, PIX e auxílios”. Entretanto, elencou vários temas que já foram apontados como inverdades por várias agências de checagem, inclusive a própria Lupa. Sendo assim, por que não escrever “Bolsonaro mente”? Não parece haver dúvida de que existe ali um comportamento repetido e deliberado do presidente buscando distorcer o debate. Lupa não apontou isso.
Parte da audiência mostrou ter clareza disso: “Tem que mudar de errar para mentir, porque errar uma vez é normal, cometer o mesmo erro várias vezes é uma escolha”, dizia um comentário. “Errar pressupõe que ele não quis. Não é erro. É mentira calculada e assumida”, comentou uma leitora sobre Bolsonaro.
Ou seja, essa mudança de postura editorial de Lupa aumentou ainda mais o desafio da checagem. Reforça a necessidade da busca do máximo de imparcialidade, objetividade e precisão. No caso de uma eleição, exige também que os critérios para a classificação de algo como mentira precisam ser observados todo o tempo e devem ser iguais para todos os candidatos.
No caso da entrevista de Lula, o título dizia: “Na CNN, Lula repete falas anticorrupção e erra dados de seu governo”.
Leitores alertaram que a checagem da agência não aponta nenhum erro. 
Na última versão, publicada às 19h52 do dia 12, havia 13 checagens: 7 com a etiqueta “verdadeiro”, 1 com “verdadeiro, mas”, 4 com “exagerado” e 1 “subestimado”. Nenhuma recebera “falso”.
Em outra chamada, estava escrito: “Lula na CNN: veja o que é falso e o que é verdadeiro”.  Mas nenhuma declaração foi considerada falsa. O que, aliás, me pareceu um equívoco. Pelo menos a frase sobre ter sido o governo que mais demarcou terras indígenas é indiscutivelmente errada e não estava lá.
Imediatamente vem a pergunta: exagero é erro?
A Lupa explica em sua metodologia que utiliza nove etiquetas (falso; contraditório; verdadeiro; verdadeiro, mas; ainda é cedo; exagerado; subestimado; insustentável; de olho).
Na definição de Exagerado, está escrito assim: “A informação está no caminho correto, mas o valor citado é entre 10% e 100% maior do que o valor real”. Escreveu um leitor: “Pô, esse gradual de exagerado e subestimado é ruim. Já vi outro candidato que teve afirmação tachada como falsa e era apenas exagerada”.
As etiquetas serão sempre alvo de polêmica e questionamentos. Por isso é fundamental que sejam discutidas e justificadas para que fique claro ao leitor porque foi escolhida em cada caso. Mais ainda, acho que esses critérios precisariam ter maior visibilidade.
Nota da redação: nossos critérios para etiquetas podem ser consultados aqui.
Gostaria de citar dois outros detalhes na cobertura de Lula na CNN. A abertura se parecia com a de um jornal diário. Será que o texto de Lupa deveria ser igual ao da imprensa diária e gastar dois parágrafos para resumir a entrevista? Por si, o resumo contextualiza. Mas o lide de Lupa deveria conter o balanço de inverdades, erros, acertos. É o que se imagina que o leitor busca aqui.
Insisto também que, passada a cobertura ao vivo, as checagens devem ser reorganizadas. Seja pela relevância, pelo tema ou por qualquer outro critério — que não o cronológico —, hierarquizando a leitura.

O RISCO DA CHECAGEM AO VIVO

Na apresentação sobre como seria o acompanhamento da campanha eleitoral, Lupa afirmou que iria entregar aos brasileiros “fact-checking” em tempo real. Parece ótimo, necessário e atende a uma reivindicação dos leitores. Eu mesma já cobrei aqui essa agilidade de fazer as checagens quando debates e entrevistas estão no ar. 
O caso do Lula na CNN me faz repensar essa posição, por alguns aspectos. Se a checagem ao vivo não consegue ter uma interferência na condução da entrevista ou do debate, valerá a pena correr o risco de imprecisões e erros?
Quarenta minutos depois de iniciada a entrevista, uma única checagem (sobre as nomeações feitas por Lula ao STF) havia sido feita. Ao final do programa, salvo engano, Lupa tinha feito apenas quatro checagens. Uma delas teve de ser corrigida depois. A declaração do petista marcada como falsa foi revista e classificada com a etiqueta “verdadeiro, mas”. 
No dia seguinte, a versão final registrava mais uma correção, declaração inicialmente considerada como exagerada foi classificada como verdadeira. É claro que o risco de uma verificação ter de ser alterada sempre existirá. Naquela que é feita com menos tempo, ele é maior.
A transparência de corrigir e alertar que corrigiu merece elogios e reconhecimento do leitor. “Parabéns à Lupa, por ter corrigido a postagem anterior”, escreveu. Mas o erro e a frequência nas correções podem afetar a credibilidade. “Se até vocês errarem, fica difícil!”, reclamou outro.

JORNALISTA TAMBÉM ERRA

Por último, um ponto que considero muito importante. Se a base das agências de checagem é impedir a circulação de notícias falsas, é obrigatório que erros de jornalistas também sejam apontados. Até porque a sociedade parte do princípio de que jornalista tem a intenção de dar informações verdadeiras.
Na CNN, ao introduzir uma pergunta, William Waack disse ao ex-presidente: “O senhor passou de 3,5% de superávit primário para um déficit de 4,5% ao final do governo Dilma...”. Lula reagiu e afirmou que os números não eram esses. De fato, não há registro de déficit desse tamanho no governo de Dilma Rousseff.
Quando a declaração de um jornalista foi incontestavelmente incorreta/falsa, Lupa deve apontar. Em defesa da eliminação da desinformação.
Paula Cesarino Costa será ombudsman da Lupa nas Eleições 2022. Para entrar em contato com ela, escreva para lupa@lupa.news e coloque no assunto do e-mail "A/C ombudsman".
Clique aqui para ver como a Lupa faz suas checagens e acessar a política de transparência
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