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Ombudsman: Deus e o diabo na disputa eleitoral
07.10.2022 - 17h45
Rio de Janeiro - RJ
A disputa eleitoral acirrada enterrou de vez o nobre debate sobre políticas públicas. Essa cedeu lugar a satanismo, maçonaria e Baphomet. Ou ainda à perseguição religiosa, fechamento de templos e proibição de igrejas. A segunda fase da campanha para presidente começou em tom do que muitos chamam de guerra santa, com a difusão de mentiras religiosas, a recuperação de vídeos e frases fora de contexto e a propagação de preconceitos.
Das 21 checagens/verificações publicadas por Lupa desde segunda-feira (3/10), seis delas tratam de temas religiosos. Mais do que na campanha do primeiro turno, os adeptos do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aderiram ao que era preferencialmente uma estratégia da campanha de Jair Bolsonaro (PL). Seja por opção ou como reação, petistas abraçaram a cartilha de atiçar o preconceito religioso dos eleitores. Tuítes falsos foram criados para colocar na boca de um e de outro frases não ditas.
Uma figura inesperada, da qual muita gente nem sequer ouvira falar, tornou-se protagonista da campanha: Baphomet, criatura mística considerada um ídolo pagão, muitas vezes associada ao demônio. Virou o personagem a ser afastado de todas as campanhas e de seus candidatos. Lupa teve de fazer duas checagens, esclarecendo montagens que colocavam Lula e Bolsonaro, cada qual por sua vez, ao lado de tal imagem.
Em 5 de outubro, o TSE determinou a remoção de publicações que ligavam Lula ao satanismo e à perseguição de cristãos. Segundo reportagem da Folha, na segunda-feira pós-primeiro turno, as equipes de digital e jurídico foram surpreendidas com uma avalanche de perguntas sobre como responderiam a vídeos de um satanista. Tratava-se de um “mago e palestrante” ligado à "Igreja de Lúcifer do Novo Aeon", com quase 1 milhão de seguidores no TikTok. Ele pratica rituais para Lúcifer na internet, mas também faz dancinhas com o L na mão. O conteúdo foi combustível para o núcleo próximo de Bolsonaro, que passou a associar Lula ao satanismo nas redes sociais.
Do outro lado, a maçonaria virou o elemento para aumentar a rejeição de Bolsonaro. A onda antirreligiosa começou pequena. Um tuíte falso atribuiu a Bolsonaro a afirmação de que a “maçonaria será maior do que o cristianismo” e de que precisa dos “maçons, que são ricos, para bancar a campanha”. 
Ganhou força depois de transmissão ao vivo do deputado federal André Janones (Avante-DF), feita em frente ao Templo de Salomão, réplica do templo bíblico construído pela Igreja Universal no Brás, em São Paulo. No vídeo que obteve mais de 2,2 milhões de visualizações, Janones insinuava que Bolsonaro fez pacto com a seita maçônica para vencer a eleição. A intenção evidente era despertar a reação negativa de eleitores evangélicos e católicos, o que de certa forma parece ter conseguido.
Para corroborar a narrativa de Janones, um vídeo viralizou na manhã do dia 4, mostrando Bolsonaro em um templo maçônico. A gravação é verdadeira, já havia circulado em 2018, mas deve ser anterior a essa data. Lupa não publicou verificação sobre esse vídeo.
A maçonaria é uma sociedade de caráter filosófico e filantrópico, que teve origem na Idade Média e possui forte representação no Brasil. Seus integrantes refutam ser uma  sociedade secreta. Evangélicos não têm simpatia em relação à maçonaria, e o Vaticano já afirmou que os princípios maçons são incompatíveis com a doutrina da Igreja Católica.
É importante que além do esclarecimento factual do que um ou outro candidato fez ou falou de fato, Lupa tenha também a preocupação de alertar para a disseminação de informações falsas e preconceituosas sobre a maçonaria e os maçons.
A questão religiosa exigirá de Lupa muito mais atenção, equilíbrio e principalmente uma postura mais proativa. Além de checar tuítes e vídeos que viralizam, será necessário ir buscar o que mais está circulando em grupos de Whatsapp e de Telegram, em comunidades cristãs virtuais e nos templos e igrejas.
Na minha avaliação, o debate ideal em uma campanha eleitoral deveria se moldar por discussões que influem na vida das pessoas. Nem sempre é assim. Nem sempre interessa às campanhas discutir dados concretos e aprofundados. É também responsabilidade da imprensa, e talvez mais ainda da mídia dita tradicional, o destaque que a tal guerra santa terá na definição dos eleitores.
Lupa deve estar atenta à possibilidade de dedicar energia demais a temas ridículos, mas, como organização de checagem, não pode se abster de clarear os aspectos mais impactantes da campanha, por mais tenebrosos que sejam.

AS URNAS E A APURAÇÃO

Seria lógico esperar que a ausência de problemas graves nas urnas e a votação expressiva em candidatos do lado bolsonarista no primeiro turno levassem a uma diminuição da quantidade de inverdades difundidas sobre o sistema eleitoral. Pura ilusão. 
Segundo levantamento do Laboratório de Humanidades Digitais da UFBA, em parceria com UFSC e o InternetLab, o volume de mensagens com citações a fraudes no período de 1 a 5 de outubro superou o recorde de todo o mês anterior. Foram 12.619 mensagens. O grupo monitora 464 canais e 173 grupos. O mesmo movimento parece ter se repetido no WhatsApp, Instagram, Facebook e YouTube.
Segundo a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, a live mais popular sobre fraude eleitoral no YouTube ficou no ar por 23 horas e teve mais de 2 milhões de visualizações, até ser removida.
Também foi o tema da maior parte das verificações publicadas por Lupa. É bom que a agência esteja ― e continue ― muito atenta. São inverdades de diferentes tipos e origens,  que têm o objetivo de tumultuar o processo eleitoral.
Nos EUA, o mesmo comportamento de amplificação das queixas contra o sistema foi registrado após a vitória de Donald Trump em 2016, coroando uma das estratégias centrais da extrema-direita, onde quer que ela esteja. 
Por fim, recomendo que Lupa se prepare bem para o que deve ser o terceiro vértice da campanha, que é a propagação de planos de governos mentirosos, como já  aconteceu na campanha do primeiro turno, inclusive no dia da votação, e continuou nesta semana. O vale-tudo eleitoral está desenhado, e os golpes baixos parecem não ter limites.
​​Paula Cesarino Costa é ombudsman da Lupa nas Eleições 2022. Para entrar em contato com ela, escreva para lupa@lupa.news e coloque no assunto do e-mail "A/C ombudsman".
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