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Regular e punir: os PLs sobre desinformação que esperam o novo congresso
01.02.2023 - 11h00
Rio de Janeiro - RJ
Dos mais de 100 projetos de lei (PLs) que buscam legislar sobre desinformação herdados pelos congressistas que tomam posse nesta quarta-feira (1º), a maioria ataca o problema sob a ótica da punição a desinformadores e da regulamentação das plataformas. Dentre 112 projetos que tratam de desinformação identificados em levantamento feito pela Lupa, a maior parte estabelece punições para quem compartilhar conteúdos falsos ou impõe normas a serem adotadas pelas big techs, enquanto apenas 14 tratam o impacto das informações falsas como uma questão que pode ser resolvida por meio da educação.
Entre os projetos que tramitam sobre desinformação, há matérias apresentadas justamente por desinformadores. Filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) aparece na lista daqueles que tentam inserir a educação midiática em salas de aula. Ele foi um dos deputados mais checados pela Lupa na última legislatura.
Por meio das redes sociais, Eduardo compartilhou informações falsas em ataques a críticos do governo Bolsonaro, como a cantora Daniela Mercury, as deputadas federais Tabata Amaral (PSB-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ), e grupos antifascistas. Durante a pandemia, o parlamentar usou desinformação para questionar a eficácia da vacina, usou conteúdos falsos para atacar a vacinação infantil, além de ter sido indiciado na CPI da Covid por defender o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o vírus.
Entre outras medidas, o PL 836/2022 de Eduardo indica que é dever do Estado investir em educação para uso “seguro, consciente, reflexivo e responsável” da internet pelos estudantes, com atenção a campanhas desinformativas. Além disso, a proposta também menciona a necessidade de treinamento de professores para trabalhar o assunto em sala de aula.
Por outro lado, ele aponta a necessidade de frear a ação das plataformas no enfrentamento à desinformação."É necessário garantir a liberdade de expressão do cidadão e evitar arbitrariedades por parte das chamadas big techs. Hoje, quando as big techs cerceiam a fala de qualquer cidadão, não existe um esclarecimento. Apenas dizem se tratar de ‘discurso de ódio’ por exemplo, mas não há a possibilidade de defesa”, alega o deputado na justificativa do projeto.

PL 2.630

O PL 2.630/2020, também chamado de PL das Fake News, é uma das propostas sobre desinformação mais conhecidas e polêmicas. Apresentada pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), o projeto indicava normas que deveriam ser adotadas pelas redes sociais e aplicativos de mensagens, estabelecendo responsabilidades das plataformas no combate à desinformação. Ao longo de sua tramitação, o texto passou a atribuir deveres também a buscadores, como o Google.
O texto começou a tramitar no Senado em maio de 2020 e foi aprovado em junho daquele mesmo ano, na forma de um substitutivo. Desde então, a proposta foi alvo de diversas discussões e alterações na Câmara dos Deputados. Atualmente, a proposta aguarda a criação de uma comissão especial.

Para Marcelo Träsel, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) na época em que houve os debates sobre o PL 2.630/2020, o projeto se afastou de qualquer tentativa de definir ou regular desinformação, passando a focar na ampliação da transparência na moderação de conteúdo e na publicidade veiculada pelas plataformas.

Para isso, uma das ideias é criar um conselho de “transparência e responsabilidade na internet”, composto por 21 conselheiros de diferentes entidades e da sociedade civil. Entre outras atribuições, o grupo trabalharia na promoção de "estudos e debates para aprofundar o entendimento sobre desinformação, e o seu combate, no contexto da internet e das redes sociais", diz a proposta.
“Será preciso acompanhar o trabalho deste conselho, porque ele pode vir a propor mecanismos para repressão da desinformação com potenciais obstáculos para o desempenho do jornalismo. Da maneira como está redigido no momento, a avaliação da Abraji é que o PL 2.630 não oferece riscos à liberdade de imprensa. Porém, não se sabe quais das propostas apensadas serão contempladas no relatório que irá à votação e elas podem mudar significativamente o caráter da lei”, afirma Träsel.
Relator do PL 2.630/2020, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), durante ciclo de debates públicos virtuais em julho de 2020. Fonte: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados
Existem outros trechos do texto que levantam preocupações de especialistas, como um artigo que estende a imunidade parlamentar às redes. Existe a possibilidade de que esse ponto abra uma brecha para políticos não serem alvo de moderação das plataformas quando compartilham informações falsas. 
Em março de 2022, o relator do PL 2.630/2020, Orlando Silva (PCdoB-SP), minimizou o trecho sobre a imunidade parlamentar ao citar o caso do ex-deputado federal Daniel Silveira, condenado após publicar ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). “É o exemplo cabal disso: um parlamentar, ao tentar se abrigar na imunidade parlamentar, viu a força da Justiça. O Poder Judiciário vai decidir o caso Daniel Silveira em função de crimes tipificados na legislação que versam sobre a defesa do Estado democrático de direito”, argumentou Silva.
Ao todo, 87 propostas estão apensadas ao PL 2.630/2020. Uma delas é o PL 127/2021, que tem como objetivo regulamentar o trabalho jornalístico feito por verificadores de fatos. O texto foi apresentado pelo deputado Nelson Barbudo (PL-MT), que defende a existência de regras e procedimentos para essa atividade. A proposta obriga que o verificador notifique o autor responsável pelo conteúdo antes de tornar a classificação pública. Em caso de descumprimento, o verificador poderá receber multa de até 10% do faturamento e até ser proibido de exercer a atividade.

Desinformação sobre saúde

A pandemia da Covid-19 trouxe ondas desinformativas nas redes sociais sobre medidas comprovadamente eficazes para barrar a disseminação do vírus, como vacinas, uso de máscara e isolamento social. No Congresso, parlamentares apresentaram 17 projetos de lei que versavam sobre boatos envolvendo questões de saúde. 
Entre eles estão os PLs sugeridos no relatório final da CPI da Pandemia, que propõem mudanças na legislação para punir criminalmente a produção e a disseminação de informações falsas.
O PL 3.813/2021, por exemplo, sugere prisão de seis meses a dois anos, além de multa, para a criação e divulgação de conteúdos falsos. A punição seria agravada caso estivesse relacionada a epidemias e pandemias. O texto arrisca-se ao tentar explicar o que seria considerado “notícia falsa” — o que é um desafio segundo especialistas.
“Esse critério da decisão do que é verdade ou não, do que é informação e desinformação, é muito delicado. Não é à toa que inúmeros países estão tentando discutir essa regulamentação e temos poucos modelos até o momento”, afirma o presidente do Observatório Permanente da Liberdade de Imprensa da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Pierpaolo Bottini.
“O principal desafio [para legislar sobre desinformação que circula nas redes] é delimitar o conceito de desinformação, de modo a impedir que ele seja aplicado a manifestações legítimas das liberdades de expressão e de imprensa”, avalia o professor Marcelo Träsel.
Outras propostas apresentadas falavam especificamente sobre a disseminação de informações falsas sobre vacinas. Apresentado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), o PL 5.555/2020 tenta, entre outras medidas, tornar crime a criação, divulgação e propagação de informações falsas sobre vacinas do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Metodologia

Para realizar o levantamento, a Lupa buscou nos sites da Câmara dos Deputados e do Senado por projetos de lei em tramitação que utilizavam as expressões  “fake news”, “desinformação”, “notícia falsa”, “notícias falsas” ou “informação falsa”.

Ao todo, cerca de 400 propostas foram localizadas, porém muitas só utilizavam os termos em sua justificativa para legislar sobre um outro assunto. Uma preocupação recorrente dos deputados foi indicar que informações falsas podem ser utilizadas para obter algum benefício do governo. Esse tipo de proposta foi desconsiderada no levantamento, já que o objetivo era mapear quantos projetos de leis tentavam legislar sobre conteúdos falsos que circulam pelas redes sociais.
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