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É falso que vacinas de RNA mensageiro geram produção descontrolada de proteína Spike
05.04.2023 - 19h03
Rio de Janeiro - RJ
Circula pelas redes sociais uma postagem segundo a qual as vacinas de RNA mensageiro (ou mRNA) contra a Covid-19 — como as da Pfizer — estimulariam o organismo a produzir uma quantidade descontrolada de proteína Spike, o que causaria uma resposta inflamatória. Por meio do ​projeto de verificação de notícias​, usuários do Facebook solicitaram que esse material fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa​:
“A cada dia que passa, surgem novos dados mostrando que algumas delas [vacinas de mRNA] estimulam seu corpo a produzir quantidades descontroladas de uma proteína”
– Trecho de texto em imagem que, até 11h30 do dia 30 de março de 2023, havia sido visualizado por 234,4 mil usuários no Facebook
Falso
A informação analisada pela Lupa é falsa. A proteína à qual o médico se refere é a Spike, fabricada pelo organismo a partir das vacinas de RNA mensageiro. Diferentemente do que ele afirma, a produção dessa proteína é pontual, e não “descontrolada”.
É a resposta imunológica no organismo que durará por mais tempo, e não a produção da proteína Spike, explicou o médico infectologista Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), em entrevista à Lupa em março: “Você fica com anticorpos e células de memória para agir se você entrar em contato [com o vírus]. Então, não, as proteínas Spike não ficam sendo produzidas indefinidamente”.
As vacinas de RNA mensageiro têm o objetivo de “ensinar” o corpo a produzir a proteína do Sars-CoV-2 conhecida como Spike, que é a responsável por ligar o vírus da Covid-19 com as nossas células. Após a imunização, essa proteína é identificada pelo sistema imunológico como invasora e o organismo “aprende”, então, a se defender quando entra em contato com o vírus.
Nesses imunizantes, o RNA mensageiro é recoberto por nanopartículas lipídicas, uma capa de gordura, que o protege da degradação. A molécula não contém qualquer outra informação e não é capaz de realizar tarefas além de produzir a proteína Spike. “E também não penetra no núcleo de nossas células, então não consegue causar a Covid-19 ou qualquer alteração em nosso genoma”, explica a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Em resposta enviada à Lupa, João Vitor Nassaralla citou um relatório da Pfizer produzido pela farmacêutica para a Therapeutic Goods Administration (TGA), agência reguladora australiana responsável pela avaliação e monitoramento de medicamentos. O documento, de janeiro de 2021, cita que, em dois testes com camundongos, as nanopartículas lipídicas foram observadas, após a aplicação da vacina, “no local da injeção e no fígado, com baixa distribuição no baço, glândulas adrenais e ovários” (página 10).
Porém, na sequência, o mesmo relatório mostra que, em um dos testes, as nanopartículas foram eliminadas por completo do organismo em 14 dias. No outro, foram excretadas, com retenção no fígado (páginas 10 e 11). O documento também esclarece que os estudos de toxicidade não levantaram problemas de segurança (página 5).
Vale ressaltar que esse trecho do artigo da Pfizer se refere às nanopartículas lipídicas e não à proteína Spike — portanto, a distribuição das nanopartículas no organismo não teria qualquer relação com uma suposta “produção descontrolada” da proteína Spike.
“Sem as nanopartículas lipídicas, as vacinas de RNA mensageiro não teriam a performance que têm, tanto de agir como adjuvante, estimulando a resposta do corpo, como de entregar correta e seguramente o RNA mensageiro para as células apresentarem o antígeno do vírus da Covid-19 para as células imunológicas”, explica a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e divulgadora científica pela Rede Análise Covid-19.
“[...] Hoje sabemos que alguns tipos de picadinh@s (R-ene-A) [RNA] estão MUITO longes de serem ‘seguras e eficazes’”
– Trecho de texto em imagem que, até 11h30 do dia 30 de março de 2023, havia sido visualizado por 234,4 mil usuários no Facebook
Falso
A informação analisada pela Lupa é falsa. Todos os imunizantes contra a Covid-19 aplicados no Brasil — incluindo os que utilizam a tecnologia de RNA mensageiro — passaram por três fases de testes em humanos que envolveram dezenas de milhares de voluntários, mostrando-se seguros e eficientes. Esse fato é reconhecido por agências reguladoras e órgãos nacionais e internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Das vacinas contra a Covid-19 aprovadas para uso no Brasil, apenas as produzidas pela Pfizer utilizam a tecnologia de RNA mensageiro — incluindo o imunizante bivalente, aprovado no país em novembro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
As bulas dos imunizantes da Pfizer alertam para casos “muito raros” (em menos de 0,01% dos vacinados) de miocardite e pericardite, que são inflamações relacionadas ao coração, registradas após sua aplicação. De acordo com a farmacêutica, geralmente são casos leves, registrados dias após a vacinação e frequentemente em “homens mais jovens”. Os indivíduos tendem a se recuperar em um curto período após tratamento padrão e repouso, ainda segundo as bulas.
A Anvisa enfatiza que todas as vacinas foram rigorosamente analisadas e que o risco de complicações pela própria Covid-19 é muito superior ao risco de reações graves ocasionadas pela imunização. “A doença já matou quase 700 mil pessoas no Brasil desde o início da pandemia. Portanto, o benefício de se proteger dos casos graves e mortes pela doença pela vacinação é consideravelmente maior”, argumenta a entidade.
Questionado pela Lupa sobre suas afirmações, o médico João Vitor Nassaralla, autor da postagem, reafirmou que as vacinas “estão longe de serem seguras e eficazes”, citando dois estudos. 
Um deles, que mostraria que eventos adversos graves seriam mais comuns em vacinados do que em não vacinados, foi alvo de diversas críticas da comunidade cientifica, que apontou questões em relação à qualidade da pesquisa. “De forma geral, o estudo parece ter ‘pescado’ os dados de interesse para a sua proposta, sem um controle correto de vieses, analisando os estudos com uma metodologia dúbia, o que pode inflar os dados”, explica a biomédica Mellanie Fontes-Dutra
Uma das principais críticas é o fato de os autores terem somado os eventos adversos relatados ao invés de contabilizar o número de pessoas que foram atingidas pelas adversidades. “Isso é falho porque os eventos adversos foram contados separadamente, mesmo que uma única pessoa tenha experimentado vários deles, enquanto as pessoas que foram hospitalizadas por Covid-19 e que podem ter apresentado vários sintomas foram contadas apenas uma vez”, explica o FactCheck.org, projeto de checagem de fatos ligado à Universidade da Pensilvânia e citado por Fontes-Dutra em sua análise.
Nassaralla também citou outro estudo, sobre as taxas de mortalidade pela variante ômicron. Em seu resumo, contudo, o próprio artigo defende a vacinação. “A variante ômicron mostra uma incidência maior, mas um CFR [taxa de letalidade] mais baixo em todo o mundo, o que é principalmente resultado da diminuição da patogenicidade pela mutação do Sars-CoV-2, enquanto a vacinação contra o Sars-CoV-2 ainda atua como uma medida valiosa na prevenção da morte das pessoas”, descreve o estudo.
Esta‌ ‌reportagem‌ ‌faz‌ ‌parte‌ ‌do‌ ‌‌projeto‌ ‌de‌ ‌verificação‌ ‌de‌ ‌notícias‌‌ ‌no‌ ‌Facebook.


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