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Mercado Livre e Shopee vendem ‘detox’ de vacinas proibidos pela Anvisa
05.05.2023 - 08h00
Rio de Janeiro - RJ
Produtos proibidos que prometem um "detox” de vacinas da Covid-19 estão à venda em sites como Mercado Livre e Shopee e podem oferecer riscos à saúde.

Levantamento exclusivo feito pela Lupa identificou um comércio irregular de fitoterápicos sem comprovação científica nem autorização da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) a preços que variam de R$ 56 a R$ 89. 
O produto com mais oferta no Mercado Livre é um extrato feito a partir da tintura de agulhas de pinheiro, supostamente ricas em suramina e ácido chiquímico — substâncias não autorizadas no Brasil. Já na Shopee, há opções de compra dessa planta para chá. 
Embalagem do produto à venda no Mercado Livre não indica composição exata do extrato
Agulhas de pinheiro são as folhas do pinheiro-bravo (Pinus pinaster), uma espécie de pinheiro nativo da França. Existem estudos que indicam benefícios dessa planta como efeitos anti-inflamatório e no sistema cardiovascular. Embora tenha autorização da Anvisa como suplemento alimentar, a agência não autoriza a alegação de uso para saúde e adverte que o produto não é indicado para gestantes, lactantes e crianças.
Na Shopee, planta é vendida em versão chá
“Os chás e tinturas são considerados fitoterápicos. E esse uso tem contraindicações: pode gerar transtornos digestivos e não é indicado para pessoas com insuficiência renal, com epilepsia, Parkinson e outras enfermidades neurológicas”, afirma a coordenadora do Grupo Técnico de Suplementos Alimentares do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), Priscila Dejuste.
Para fazer uso desse tipo de produto, tanto como suplemento quanto como fitoterápico, há a necessidade de passar por profissional legalmente habilitado para prescrição e averiguar a necessidade de utilização dessa planta. Não deve ser utilizado dessa forma [como indicado nos anúncios] e não há referências sobre isso nas pesquisas atuais.
– Priscila Dejuste, coordenadora do Grupo Técnico de Suplementos Alimentares do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP)
Na Farmacopeia Brasileira — código oficial farmacêutico do país — não há menções da agulha de pinheiro (Pinus pinaster) no volume que trata sobre plantas medicinais
É importante pontuar que vacinas não são agentes tóxicos e, portanto, não faz sentido usar os termos "detox" ou “desintoxicação”. “Imunizantes não são venenos. Trata-se de uma intervenção que tem por objetivo gerar uma resposta imunológica que protege o indivíduo em caso de exposições futuras ao novo coronavírus”, explica a professora Ana Paula Herrmann, do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Em nota, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) explica que o conceito de intoxicação se refere ao aparecimento de sinais e sintomas referentes ao contato com produtos químicos, geralmente por inalação ou ingestão. “Todas as vacinas aprovadas em ensaios clínicos e em pleno uso pela população não causam intoxicação, pois passaram por testes de segurança em um grupo enorme de pessoas antes de serem utilizadas amplamente”, diz o documento.

Embalagens não indicam composição 

As embalagens vendidas nesses sites não indicam a composição exata dos produtos. Também não listam todos os ingredientes, tabela nutricional, origem e lote, informações obrigatórias para a venda de suplementos. 
Preço do extrato de agulha de pinheiro a partir de R$ 56 cada 100 ml
Além disso, uma das substâncias citadas na embalagem, a suramina, é, na verdade, o nome de um medicamento inicialmente desenvolvido como antiparasitário pelo laboratório Bayer em 1916. No Brasil, ficou conhecida pelo nome comercial de Germanin. É usada para tratar a doença do sono africana e a oncocercose e, atualmente, está proibida nos Estados Unidos.

A Anvisa alertou que não existem registros válidos de medicamentos contendo suramina e ácido chiquímico no Brasil. ”Logo, estes produtos não são medicamentos autorizados no Brasil e não têm indicação aprovada”, indicou o órgão. 
“São grandes aberrações atuais. A ideia de que o que é natural não faz mal é absolutamente descabida. Na natureza, existem diversas substâncias agressivas e tóxicas, como também diversas outras que foram estudadas e geraram medicamentos que hoje salvam vidas”.
– Raymundo Paraná, pesquisador e professor de Gastro-Hepatologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) 
A especialista em bioquímica e toxicologia Greicy Michelle Conterato, professora adjunta na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também salienta que extratos vegetais, óleos essenciais e tinturas são feitos de misturas complexas de compostos bioativos e fitoquímicos. “Eles podem trazer toxicidade para o organismo em caso de ingestão errada. Justamente por ser uma mistura complexa de compostos os quais não se conhece totalmente a composição química, esses produtos podem causar danos à saúde”, explica.

Instruções de uso são feitas por pergunta e resposta do site

Como mostrou a Lupa, as redes sociais e mensagens compartilhadas em correntes de WhatsApp e canais do Telegram são as principais plataformas para recomendação de supostas fórmulas milagrosas para desintoxicar o organismo da vacinação contra a Covid-19. No entanto, usuários também recorrem à seção de perguntas e respostas do Mercado Livre, sem a garantia de que o vendedor seja capacitado para tirar dúvidas sobre o assunto. 
Vendedor indica extrato de agulha de palheiro até para tratar verrugas genitais
A professora Ana Paula Herrmann, da UFRGS, diz que o mais grave é não ter a certeza se o conteúdo do produto corresponde, de fato, ao que diz na embalagem. “Talvez não tenha nada do que diz [o anúncio]. Só analisando [o produto] para saber”, afirma.
O Conselho Federal de Farmácia faz um alerta no mesmo sentido. Em nota, a entidade ressalta os riscos de utilizar produtos que não têm registro na Anvisa. “Esse registro é a garantia de procedência de qualquer substância com propriedade curativa a ser consumida em território nacional”.  O texto é assinado pelos farmacêuticos José Roberto Santin, presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBT), e pelas especialistas em vacinação Karina Lorena M. F. Chiuratto e Jordana Coelho dos Reis, ambas consultoras do CFF. 
Produtos contendo muitas plantas medicinais com substâncias ativas, indicados para muitas doenças diferentes e que agem em diversas partes do corpo, que não possuem nome do farmacêutico responsável e informações da empresa não são confiáveis.
– Conselho Federal de Farmácia
Esse é justamente o caso da agulha de pinheiro. Essa planta é vendida em tintura, chá ou mesmo folhas por quilo e a indicação de uso varia de acordo com a época. Análise da Lupa mostrou que ela é vendida como benéfica para regular a circulação sanguínea, ação antioxidante, regeneradora da pele e até como “cura para o autismo”. 
Sem apresentar evidências, chá de agulha de pinheiro é vendido como sendo um equivalente do fármaco suramina — proibido no Brasil — e como cura para o autismo
Na dúvida, o CFF recomenda que medicamentos e outros produtos com propriedades terapêuticas “somente podem ser adquiridos pela internet em sites de farmácias que possuem loja física e farmacêutico responsável técnico presente durante todo o tempo de funcionamento do estabelecimento”.   

O que dizem as políticas das plataformas

A política de uso do Mercado Livre informa que não é permitida a venda de produtos que dependam de aprovação de órgãos governamentais, como a Anvisa, por exemplo. Contudo, não há nenhuma informação sobre como o site fiscaliza esse tipo de produto.
A Shopee também tem uma política de “produtos proibidos e restritos”. Na página, informa que “é responsabilidade do vendedor assegurar que o produto proposto esteja em conformidade com todas as leis”. Entre os itens proibidos estão “medicamentos ou suplementos com alegações falsas/enganosas, armas e produtos de vida selvagem” e que a penalidade pode ser a exclusão de anúncio.

As assessorias de imprensa do Mercado Livre e da Shopee foram procuradas pela Lupa. Alguns links de produtos que prometiam detox de vacinas no Mercado Livre saíram do ar depois que a empresa foi questionada. Em nota, a assessoria de imprensa da plataforma informou que anúncios de produtos sem homologação ou desacordo com a legislação em vigor são excluídos assim que identificados e o vendedor é notificado.
Também explicou que usa tecnologia e tem equipes que realizam buscas manuais para identificar mau uso. “A plataforma atua rapidamente diante de denúncias, que podem ser feitas por qualquer usuário, por meio do botão ‘denunciar’ presente em todos os anúncios, ou por empresas que integram o programa de proteção à propriedade intelectual da plataforma”.  
A assessoria de imprensa da Shopee não respondeu até a publicação da reportagem.  
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