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Sites que desinformaram sobre eleições lucram com anúncios do Google
18.08.2023 - 08h00
São Paulo - SP
Links com conteúdos desinformativos sobre as eleições foram compartilhados de forma massiva em grupos de WhatsApp
Quatro sites que divulgaram informações falsas sobre as eleições de 2022 e tiveram conteúdos compartilhados em massa no WhatsApp lucram com anúncios do Google. Folha da Política, Aliados Brasil, Pensando Direita e Jornal da Cidade Online tiveram ao menos 1.244 links distribuídos em grupos monitorados pela empresa Palver entre os dias 1º de novembro de 2022 e 8 de janeiro de 2023.  Foram coletados apenas links que citavam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ou acampamentos em quartéis.
Juntos, os quatro sites acumulam uma média de 8,5 milhões de acessos mensais e monetizam seus conteúdos por meio da plataforma Google AdSense. Com isso, seus cliques são convertidos em dinheiro. 
Os dados fazem parte de um levantamento realizado pela Lupa em parceria com a Lagom Data. Entre as publicações identificadas estão conteúdos que alimentaram teorias conspiratórias de fraude eleitoral e intervenção militar, que levaram aos atos golpistas de 8 de janeiro. 
Um dos sites analisados é o Aliados Brasil. O portal pertence a Luiz Gustavo Reis Tralhão, ex-assessor do deputado estadual bolsonarista Alan Lopes (PL-RJ) e que tem um histórico de desinformação. Em 2022, seu canal no YouTube, também chamado Aliados Brasil, teve vídeos antivacina excluídos por compartilhar informações falsas.
A Lupa identificou que 74 links do site de Tralhão, que citavam Bolsonaro ou acampamentos em quartéis, foram compartilhados em grupos de WhatsApp após a derrota do ex-presidente nas eleições. Entre os conteúdos, estava uma publicação que dizia “Bolsonaro vai agir”.
O texto, que foi tirado do ar logo após o contato da Lupa, trazia uma análise que afirma que o ex-presidente agiria usando o artigo 142 da Constituição, alimentando a ideia de que haveria intervenção militar no Brasil.
“A decretação do uso dessa lei por Bolsonaro provocará uma reação violenta da esquerda que se dará através das facções criminosas, movimentos sociais, militantes e talvez guerrilhas de alguns países latinos”, dizia a publicação.
Como já mostrou a Lupa, o artigo 142 da Constituição Federal foi evocado, diversas vezes, por grupos bolsonaristas inconformados com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A legislação era repetidamente citada para pedir intervenção militar e impedir o petista de assumir a Presidência da República. Entretanto, o artigo regulamenta as atribuições das Forças Armadas na ordem constitucional e não dá “poder moderador” aos militares
Em outra publicação, divulgada em 26 de dezembro de 2022, uma mensagem de Natal compartilhada pelo general Freire Gomes – ex-comandante do Exército – foi deturpada para enganar os leitores. O título afirma que os generais quatro estrelas aguardavam o comando de Jair Bolsonaro, sugerindo, mais uma vez, intervenção militar.
O texto estava disponível até a tarde desta quinta-feira (17), mas também foi retirado do ar após contato da Lupa.
Com uma média mensal superior a 7 milhões de acessos, segundo dados da plataforma SimilarWeb, o site Jornal da Cidade Online também aparece no levantamento da Lupa. Foram encontrados 103 links distribuídos em grupos de WhatsApp monitorados pela Palver.
Um desses links, compartilhado no dia 20 de dezembro de 2022, acusava o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de parcialidade nas eleições.
Em outro conteúdo, “Entenda quando Bolsonaro irá usar a caneta”, o site traz um vídeo, que não está mais disponível no YouTube, com uma análise feita pelo canal Bosco Foz. Em janeiro, a Lupa revelou que esse mesmo canal espalhou desinformação, apoiou atos antidemocráticos e ainda pediu Pix para auxiliar no trabalho. 
Estratégia no WhatsApp
Uma estratégia comum entre os sites analisados foi o impulsionamento dos próprios conteúdos em comunidades de WhatsApp para obter mais acessos.
O blog Pensando Direita, por exemplo, teve 705 links distribuídos em 59 grupos diferentes. Mais da metade desses conteúdos, 462, foram compartilhados por três perfis, todos eles com DDD 83, da Paraíba. É desse estado, inclusive, o editor-chefe do blog, Diego Cavalheiro.
A Lupa verificou que Cavalheiro mantém grupos de WhatsApp para distribuir seus conteúdos. Além disso, uma análise da Lagom Data apontou que o site usa, além de anúncios no Google, diferentes tipos de adtechs – tecnologias voltadas para a análise e administração de publicidade no universo digital – para identificar com mais precisão seu público-alvo.
Entre os links compartilhados pelo Pensando Direita estão textos que atacam ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), incentivam manifestações nos quartéis e alimentam a ideia de que as Forças Armadas agiriam para impedir a posse de Lula. 
Uma das postagens afirma, por exemplo, que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), havia convocado uma reunião com comandantes da Polícia Militar para “amplificar a perseguição” às pessoas que estavam acampadas nos quartéis. 
Em outra, compartilhada no dia 7 de dezembro, é divulgada a informação falsa de que o Exército estava convocando mais voluntários devido à atual conjuntura política do Brasil. O próprio órgão desmentiu a informação.
Alguns dos conteúdos compartilhados pelo Pensando Direita após o período eleitoral não estão mais disponíveis. É o caso de uma publicação cujo título divulga um suposto vídeo em que um oficial das Forças Armadas teria dito que haveria intervenção militar. 
Atualmente, no lugar do texto, é exibido um aviso informando que o site está sendo “desmonetizado pelo Google” e pedindo que as pessoas se tornem assinantes do site.
O Google foi procurado pela reportagem, mas não informou se houve algum tipo de desmonetização. Atualmente, o site conta com Google Ads e lucra com anúncios.
O Pensando Direita também tenta ganhar dinheiro com desinformação relacionada à pandemia de Covid-19. Em alguns dos conteúdos compartilhados nos grupos de WhatsApp, é feita a propaganda do livro “O Brasil e a pandemia dos absurdos”, organizado por Diego Cavalheiro, editor-chefe do blog.
A obra ataca ministros do STF e questiona as medidas sanitárias adotadas durante a pandemia, como o lockdown, além de defender o ineficaz “tratamento precoce” contra a Covid.
Desinformação foi compartilhada em grupos para atrair acessos
Em alguns casos, como o da Folha da Política, a desinformação foi usada como uma isca para leitores, mesmo quando os conteúdos do site não continham, necessariamente, informações falsas.
Um dos textos divulgados, compartilhado 24 vezes, informava, por exemplo, que as Forças Armadas entregariam ao TSE o relatório sobre a segurança das urnas. O conteúdo divulgava uma nota, verdadeira, publicada pelo Ministério da Defesa. 
Entretanto, nos grupos de WhatsApp, a mensagem enviada para incentivar o acesso ao texto trazia uma série de informações falsas – como a teoria de que as urnas de modelos anteriores a 2020 não tinham sido auditadas, o que é falso. 
Além disso, a mensagem incentivava atos antidemocráticos: “O TSE e STF deram um golpe nas eleições e se você ficar aí sentado no sofá achando que vai mudar alguma coisa, não vai. Tem que sair nas ruas para as manifestações”. 
A mensagem ainda dizia que o fato de Jair Bolsonaro ter tido 0% de votos em centenas de urnas comprovaria fraude eleitoral, afirmação que também é falsa. 
Assim como outros conteúdos da Folha da Política que foram distribuídos em grupos, a mensagem termina divulgando um link dos canais de WhatsApp e Telegram que seriam administrados pelo site. 
A Lupa verificou que o link do grupo de WhatsApp compartilhado no fim da mensagem é de divulgação de conteúdos do Folha da Política. 
Embora o grupo estivesse lotado, foi possível entrar em outros divulgados em mensagens anteriores monitoradas pela Palver. Ao menos três administradores estão presentes em todos os grupos, sendo que um deles foi responsável por enviar 190 dos 362 links coletados. 
Outro exemplo foi uma matéria que informava que Lula poderia ter o mandato impugnado no prazo de 15 dias após a diplomação. A informação, apesar de verdadeira, foi distribuída nos grupos com mensagens que diziam que o petista não havia sido diplomado porque o procedimento não tinha sido publicado no Diário Oficial. 
“Foi uma armadilha para ver se o Presidente Bolsonaro agia. Ele tem que agir depois da diplomação”, dizia um trecho da mensagem. Conforme mostrou a Lupa, não há nenhuma exigência legal para que a diplomação seja publicada no Diário Oficial da União. 
Outro lado
A Lupa procurou os responsáveis pelos sites citados na reportagem. Via WhatsApp, um dos administradores do grupo Aliados Brasil, que não se identificou, informou que o site reproduz matérias que estão nos veículos de comunicação e que a responsabilidade da fala, noticiada pelo portal, “é de quem falou”.
Folha da Política, Jornal da Cidade Online e Pensando Direita não se manifestaram até a publicação desta reportagem. 
O Google também foi questionado a respeito da monetização desses sites, que divulgam desinformação. Foram enviados alguns links de conteúdos desinformativos, além de perguntas sobre o uso do Google Ads por esses portais. 
A empresa, contudo, não respondeu aos questionamentos. Em nota, disse que há regras para a utilização do Google AdSense para monetizar conteúdos por meio de publicidade e que, quando as regras são violadas, os sites são punidos. Não informou, no entanto, se os sites analisados pela Lupa serão punidos.
“Quando identificamos violações a nossas políticas, agimos imediatamente, bloqueando ou restringindo anúncios na página. Quando não há elementos suficientes para identificar se houve uma violação das nossas políticas, cabe à Justiça determinar as medidas necessárias, de acordo com os termos do Marco Civil”, disse. 
Este conteúdo foi produzido com o apoio do projeto "Desarmando a Desinformação" da ICFJ, um esforço global de três anos com financiamento principal da Scripps Howard Foundation, uma organização afiliada ao Scripps Howard Fund.

SAIBA MAIS SOBRE ATOS GOLPISTAS DO 8 DE JANEIRO

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