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Presa no 8/1, professora ainda acredita em fakes golpistas já desmentidas
08.01.2024 - 20h46
Florianópolis - SC
Sheila Mantovanni, professora e ré por participação nos atos antidemocráticos - Imagem: reprodução
Em setembro de 2023, nove meses depois de ter sido presa por participar dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, a professora Sheila Mantovanni disse à Lupa que faria tudo de novo: a viagem de ônibus até Brasília, o pedido de intervenção militar para depor um governo democraticamente eleito e, se preciso fosse, passaria pela prisão e até a morte. 
“A gente achava que era possível o Exército intervir (...), que, como poder moderador, pudesse mostrar o resultado da urna e, se comprovasse a fraude, fazer uma nova eleição”, disse, à época, em entrevista exclusiva à Lupa. Ré por incitação ao crime e associação criminosa, ela ficou cinco meses confinada na Colmeia, a Penitenciária Feminina do Distrito Federal, e aguarda em casa e com tornozeleira eletrônica o julgamento de um acordo.
A crença cega de que as últimas eleições presidenciais foram fraudadas — narrativa alimentada desde 2019 e incansavelmente desmentida — foi elementar na decisão de pessoas como a professora de saírem de suas casas dispostas a participar de um movimento que defendia golpe de Estado. Tampouco a afirmação de que o Exército seria um poder moderador é correta: essa função só existiu em uma Constituição do Brasil Império. A Constituição atual, promulgada em 1988, e o consenso entre os juristas é que o artigo 142, que cita atribuições das forças armadas, não dá poder moderador aos militares
A história de Sheila – contada no minidocumentário que a Lupa lançou nesta segunda-feira (8) sobre como as informações falsas foram peça-chave nos ataques aos Três Poderes – não é exceção. Exatamente um ano depois, muitas pessoas ainda seguem compartilhando conteúdos desinformativos nas redes sociais, os mesmos que inspiraram bolsonaristas a quebrar prédios públicos. 
A falsa ideia, por exemplo, de que as urnas eletrônicas não são auditáveis e que o código-fonte dos equipamentos de votação pode ser alterado foi citada por Sheila Mantovanni e até hoje circula em publicações nas redes sociais. 
No X (antigo Twitter), posts que colocam em xeque a segurança das urnas seguem engajando bolsonaristas

Teorias pós-ataques seguem circulando

Logo após os ataques de 8 de janeiro, uma nova teoria da conspiração ganhou as redes sociais, especialmente entre grupos bolsonaristas: a de que os atos foram orquestrados por “esquerdistas infiltrados”. Durante o período em que ficou confinada na Colmeia, entre janeiro e maio de 2023, e mesmo depois de solta e usando tornozeleira eletrônica, a professora e ré Sheila Mantovanni agarrou-se a essa tese. “Eu duvido que foi patriota que fez aquela cena”, disse à Lupa, insinuando que o grupo do qual fazia parte queria avisar a polícia da presença de supostos infiltrados. 
Sheila Mantovanni ficou presa entre janeiro e maio de 2023 e aguarda julgamento de um acordo em casa, com tornozeleira eletrônica - Imagem: Carol Macário
Não há, no entanto, qualquer prova de que pessoas infiltradas teriam depredado o patrimônio público de Brasília. Imagens das câmeras de segurança da Presidência da República invalidam a tese de que os golpistas só teriam acessado o edifício quando o espaço já havia sido depredado por infiltrados.
Outras teorias seguem circulando mesmo depois de esclarecidas. No TikTok, vídeos insinuam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava em Brasília no momento em que ocorriam os atos golpistas de 8 de janeiro — o que não é verdade. Verificação da Lupa mostra que Lula estava em Araraquara (SP) para avaliar os danos causados pelas chuvas no município naquela época. O petista só desembarcou na capital federal às 20h50 daquele dia.
Vídeo que circula no TikTok sugere que Lula estava no Palácio do Planalto durante os ataques de 8 de janeiro - Imagem: reprodução

Mentiras repetidas mil vezes

A questão de como as fakes tornam-se “verdade” — mesmo que tenham sido desmentidas muitas vezes — a ponto de interferir no modo como uma pessoa interpreta fatos não tem uma explicação simples. Mas pesquisadores vêm tentando explicar esse fenômeno social da desinformação a partir de conceitos como o da câmara de eco, termo usado para descrever um espaço digital no qual usuários da internet veem apenas informações que apoiam suas próprias crenças e opiniões. 
“O efeito da repetição de uma desinformação muitas vezes acaba reforçando nosso sistema de crenças. O formato das redes sociais com as câmaras de eco ajudam a reforçar algumas ideias que podem ser falsas”, explica Ana Julia Bernardi, professora de ciência política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e pesquisadora do Instituto Democracia em Xeque.
Na percepção de Bernardi, quando uma mensagem é reforçada por diferentes atores tidos como importantes e confiáveis na opinião dos eleitores, isso ajuda a assimilar o conteúdo compartilhado como sendo verdadeiro. “A extrema-direita repete a mesma história muitas vezes, eles são muito coesos no discurso, e isso ajuda a interiorizar esse sistema de crenças”, diz.

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