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X ignora 'notas' e mantém no ar posts com fakes sobre vacina contra Covid-19
Há três anos, o Brasil parou para assistir à aplicação da primeira vacina contra Covid-19 no braço da enfermeira Mônica Calazans. De lá para cá, o avanço da imunização fez o número de mortes pela doença cair de forma drástica – considerando a segunda semana epidemiológica de janeiro definida pelo Ministério da Saúde, os registros de óbitos passaram de 6,6 mil em 2021 para 260 em 2024
Mas, apesar de as vacinas contra Covid-19 terem se mostrado eficientes e um "divisor de águas" no combate ao novo coronavírus, informações sabidamente falsas ou enganosas sobre elas continuam sendo fartamente postadas e difundidas pelo X (antigo Twitter) em português. 
Análise feita de forma exclusiva pela Lupa com base em dados públicos extraídos do programa "Notas da Comunidade" mostra que a iniciativa lançada pela plataforma comandada por Elon Musk para supostamente ser "uma forma colaborativa de adicionar contexto útil aos posts" e, em consequência, "manter as pessoas mais bem informadas" não tem conseguido fazer frente à difusão de conteúdos anti-vacinas ou postagens que promovem desinformação sobre a própria pandemia.
Entre 3 de março e 1º de dezembro de 2023, foram enviadas ao “Notas da Comunidade” 250 sugestões de correção ou adição de contexto sobre “vacina” em português. Elas foram enviadas por editores que foram, após terem se inscrito, selecionados pela plataforma para contribuir com o programa — os critérios para isso, porém, não são transparentes nem explicados pelo X. 
Deste total, 10 sugestões foram publicadas e anexadas a postagens que continham desinformação sobre o tema. Outras 10 foram rejeitadas, sem uma explicação clara. As 230 restantes – 92% das proposições – ainda estão pendentes de avaliação no sistema. Enquanto isso, posts com conteúdo enganoso ou que precisam de contexto permanecem online e circulando pela plataforma sem qualquer alerta.
Para que uma "nota da comunidade" seja anexada a uma postagem feita no X, é necessário que um grupo de indivíduos (a plataforma não especifica o número) com perfis diversos (o X não detalha como avalia isso) concordem com a necessidade da inclusão da nota e com o texto proposto. Quando não há consenso, nem “perfis diversos” ou não há o número mínimo de pessoas avaliando uma sugestão, ela fica numa espécie de limbo, ou seja, é etiquetada como "aguardando anállise".
Este é o caso, por exemplo, de uma proposta de nota que pretendia fazer frente a um post feito pela deputada federal Julia Zanatta (PL-SC) na rede social em 1º de novembro de 2023 afirmando que o governo federal pretendia "obrigar nossos filhos a serem cobaia de v4c1n4s de c0v1d sem comprovação". 
Um editor — identificado apenas por uma combinação alfanumérica de dez dígitos, assim como ocorre com todos os demais que participam do “Notas da Comunidade” — propôs que fosse anexada à publicação de Zanatta uma "nota da comunidade" pontuando que "as vacinas contra a Covid-19 possuem eficácia devidamente comprovadas e são seguras". 
Ele ainda adicionou à proposta um link da Fiocruz e um do Instituto Butantan confirmando que as vacinas usadas no Brasil foram testadas e consideradas seguras. Apesar disso, até 21 de janeiro de 2024, essa "nota da comunidade" não havia sido anexada ao post da deputada. Enquanto isso, o conteúdo desinformativo sobre as vacinas já contava com 2,4 mil compartilhamentos e 7,9 mil curtidas. Procurada para comentar esse caso, a deputada não retornou.
Até 21 de janeiro, também estava no limbo uma "nota da comunidade" proposta para fazer frente a um post que, em 19 de outubro de 2023, afirmava no X que o Food and Drug Administration (FDA), órgão do governo dos Estados Unidos responsável por supervisionar alimentos e medicamentos, teria permitido "que os fabricantes de vacinas, como a Pfizer, usassem diferentes versões da vacina em bilhões de pessoas sem estudos completos sobre sua toxicidade". 
Mas a sugestão de nota que dizia que "as vacinas contra a Covid-19 foram testadas em grandes ensaios clínicos randomizados antes que o FDA as autorizasse para uso emergencial" jamais foi publicada. Nem o fato de ela conter um link para checagem feita pela plataforma FactCheck.org fez diferença. Até o dia 21 deste mês, a desinformação já contava com 1,9 mil compartilhamentos e 3 mil curtidas.
De teorias da conspiração à falsa eficácia de medicamentos
Ainda no mar de "notas da comunidade" sobre vacinas contra Covid-19 que jamais foram publicadas, há diversas que contribuiriam para fazer frente a teorias da conspiração que viralizam e têm impactado negativamente os programas de vacinação. 
Um exemplo é a falsa afirmação de que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tenha voltado atrás e recomendado que a vacinação contra covid-19 seja suspensa ou que as vacinas sejam retiradas do mercado. Desinformadores como o perfil Médicos pela Vida, que tem mais de 15 mil seguidores, já poderiam ter tido publicações que disseminam conteúdos desse tipo marcados por "notas da comunidade". Mas as propostas feitas ao programa ao longo de todo ano de 2023 ainda não receberam aprovação.
O mesmo ocorre com publicações que falsamente dizem que as vacinas contra Covid-19 são armas biológicas e que foram ou serão classificadas como tal pelo governo da Flórida, nos Estados Unidos. Ao menos três "notas da comunidade" indicando a falsidade desse tipo de post permanecem à espera de publicação no programa do X. 
Outras falsidades amplamente combatidas durante a pandemia também podem ser encontradas sem qualquer marcação no X. Não é verdade, por exemplo, que o FDA mudou seu posicionamento sobre a comprovada ineficácia da ivermectina contra a Covid-19.
Ao menos três publicações promovendo essa falsidade (aqui, aqui e aqui) circulam livremente no X. As três receberam sugestões de desmentidos que continham links para robustas checagens publicadas no exterior, mas nenhuma das postagens apontadas pelos editores recebeu qualquer marcação. Juntos, esses três posts somavam mais de 8 mil compartilhamentos e ao menos 20 mil likes até 21 de janeiro.
Seguindo as correntes que negam a periculosidade ou até mesmo a existência da pandemia como um todo, há no X diversos posts em português que falsamente atestam que o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças, em português) dos Estados Unidos "admitiu que falsificou 99% das mortes por covid-19", o que não é verdade.
Ao flagrar essa mentira, editores do "Notas da Comunidade" apresentaram uma proposta de texto destacando que o post original deturpa dados do órgão americano e usa como fonte uma site "conhecido por faltar com a verdade regularmente". Também acrescentaram links do jornal Folha de S.Paulo, da agência de notícias Associated Press e do projeto de fact-checking Comprova. Não adiantou. Até a publicação desta reportagem, a proposta ainda constava como "aguardando análise" no programa do X.
Outro lado
A Lupa procurou o X para comentar sobre as postagens citadas acima. Até a publicação desta reportagem, porém, o único retorno foi um e-mail com resposta automática informando apenas que a equipe estaria muito ocupada para retornar. Caso haja uma manifestação da plataforma, o texto será atualizado.

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João Pedro Capobianco
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