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Brasileiro que testou ivermectina não foi premiado como ‘melhor médico cientista do mundo’
22.02.2024 - 12h27
Florianópolis - SC
Circula no WhatsApp que um médico brasileiro teria ganhado o título de “Melhor Cientista Médico do Mundo” em reconhecimento a um teste realizado com ivermectina para prevenir e tratar a Covid-19 durante a pandemia. 
A mensagem é acompanhada do vídeo de um programa chamado “Atualidades Pampa”, do Rio Grande do Sul, no qual o radialista, advogado e deputado estadual Gustavo Victorino (Republicanos - RS) homenageia o médico e explica que a premiação foi concedida devido à suposta experiência bem-sucedida de administrar  o antiparasitário para a população da cidade de Itajaí, no litoral de Santa Catarina. É falso
Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que esse conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação​:
“Médico de Itajaí SC ganhou TÍTULO DE MELHOR CIENTISTA MÉDICO DO MUNDO por dar Ivermectina pra toda a população! E agora? O que vão dizer os ‘especialistas’ de plantão da globóschta, da rbs, da 'rádia' gaúcha, da zh, e de todas as m...¹³ das suas porquêras afiliadas... que ficaram 25h/dia, 8 dias/semana, 33 dias/mês, 370 dias/ano falando bobagens, espalhando pânico, proibindo isso, proibindo aquilo, ... 1 minuto de silêncio nos jogos ‘em homenagem’ às vítimas da FRAUDEmia, ... ??? DALE BOLSONAROOOOOO E AI PETEZADA???”
– Texto que acompanha vídeo que circula em correntes de WhatsApp
Falso
O médico que testou a ivermectina como prevenção e tratamento da Covid-19 em Itajaí (SC) não ganhou o título de melhor cientista médico do mundo por ter feito um experimento com o antiparasitário — fármaco indicado para tratar sarna e piolho, e não o novo coronavírus.
Na verdade, o endocrinologista Flavio Cadegiani recebeu o Prêmio FLCCC pela Contribuição para a Excelência em Pesquisa, um título inventado e oferecido pela primeira vez pela FLCCC Alliance (sigla em inglês para Linha de Frente de Cuidados Intensivos da Covid-19, em tradução livre), um grupo de médicos e ex-jornalistas criado nos Estados Unidos em 2020.
Esse grupo — do qual Cadegiani é um dos membrosdefende tratamentos comprovadamente ineficazes e não aprovados, como a cloroquina e a ivermectina, entre outros, e já foi duramente criticado e desmentido por cientistas. 
Vale destacar que a premiação não tem o reconhecimento de toda a classe médica e científica internacional. Trata-se de uma iniciativa particular de um grupo de pessoas que defende tratamentos não aprovados por agências de regulação internacionais e sem nenhuma comprovação científica.
A premiação mais importante da área médica no mundo é, atualmente, o Nobel de Medicina e Fisiologia. Na edição mais recente, em 2023, reconheceu os cientistas Katalin Karikó (Hungria) e Drew Weissman (Estados Unidos) pelos estudos que permitiram o desenvolvimento de vacinas eficazes contra a Covid-19 — e não o endocrinologista brasileiro.
O título oferecido a Cadegiani foi dado durante uma conferência paga realizada pela FLCCC Alliance no começo de fevereiro no Arizona. O encontro reuniu médicos negacionistas, “entusiastas” da saúde e público em geral. A escolha dos premiados foi feita pelos próprios integrantes desse grupo de médicos — e não pela comunidade médica e científica internacional.

Médico não comprovou eficácia da ivermectina

A pesquisa com ivermectina realizada pelo endocrinologista na cidade catarinense de Itajaí, citada na publicação, não comprova a eficácia da ivermectina. Passados mais de quatro anos desde que os primeiros testes com esse fármaco foram feitos para identificar se havia ou não alguma ação antiviral contra o SARS-CoV-2, até hoje não foi comprovado que o antiparasitário é, de fato, eficaz para prevenir ou tratar a Covid-19 (página 110).
Atualmente, a ivermectina é contraindicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e outros órgãos internacionais como tratamento ou prevenção da infecção pelo novo coronavírus. 
O estudo não seguiu metodologias de ensaios clínicos controlados. Foi publicizado pela primeira vez em dezembro de 2021 na plataforma de acesso aberto ResearchGate, que aceita todo tipo de artigo — e não em uma publicação científica revisada por pares. Cadegiani é um dos quatro autores. Em janeiro de 2022, o resultado foi publicado no periódico de ciências médicas Cureus.
Como já explicado pela Lupa, a análise afirmou ter utilizado dados de 220.517 pessoas que passaram por unidades públicas de saúde do município catarinense de Itajaí entre julho e dezembro de 2020. Uma parte daquelas que contraíram a Covid-19 foi dividida em dois grupos de 3.034 pacientes: um com indivíduos que receberam comprimidos de ivermectina e outro que não teve a prescrição ou recusou o medicamento. 
Os autores alegaram que chegaram às duas amostras a partir de um tratamento estatístico de idade, gênero e fatores de risco ao novo coronavírus. Além da diminuição de infecções e hospitalizações entre quem usou a ivermectina de forma preventiva, o artigo aponta uma queda de 48% no número de mortes por Covid-19 nesse público.
Especialistas, contudo, apontaram uma série de falhas metodológicas, como o fato de não ser um ensaio clínico randomizado, a falta de transparência sobre a procedência dos dados e a falta de supervisão sobre como os usuários usaram ou não o fármaco, entre outros.
É válido ainda ressaltar que, na ocasião, apesar da declaração inicial de não ter conflitos de interesse relacionados à ivermectina, Flavio Cadegiani admitiu ter recebido recursos da Vitamedic, uma das farmacêuticas que produzem a substância no país.
O deputado estadual Gustavo Victorino (Republicanos - RS) foi procurado, mas não respondeu até a publicação da matéria. O conteúdo será atualizado em caso de resposta.
Conteúdo similar já foi verificado pelo Boatos.org.

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