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De Moro a Lula: como a desinformação circulou em 10 anos da Lava Jato
Há 10 anos, em 17 de março de 2014, a primeira fase da Operação Lava Jato foi deflagrada no Brasil. Nos meses seguintes, a investigação dominaria o noticiário ao desvendar um esquema bilionário de desvio de dinheiro público. Ao longo de uma década, a Lava Jato também bagunçou as peças do tabuleiro político e levou à cadeia políticos de renome e empresários, além de expor crimes de corrupção cometidos sob o aval e pagamento de propina por parte de grandes empresas do país. 
A desinformação permeou a história dessa operação. Informações falsas sobre as delações, os réus, o patrimônio dos investigados, juízes e delegados envolvidos e condenações, entre outras, circularam com maior ou menor intensidade dependendo do contexto político. Dados falsos, distorcidos ou descontextualizados também impactaram o debate público do país, especialmente nos anos eleitorais.
Ao analisar os mais de 230 conteúdos publicados pela Lupa sobre a Lava Jato, entre verificações, checagens e reportagens, é possível observar em retrospecto quem foram os principais alvos de fakes: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro, atualmente senador do Paraná pelo União Brasil.
O levantamento ainda evidencia que, em anos eleitorais (especialmente 2018 e 2022), a circulação de desinformações sobre a Lava Jato aumentou. Isso se deu diante de políticos fazendo recorrentes menções à operação em discursos, debates e entrevistas — e, em muitas das ocasiões, essas declarações eram falsas.
Essas distorções, em meio à polêmicas no âmbito judicial e político, ajudam a contar parte da história da operação que, embora tenha resultado na devolução de pelo menos R$ 2 bilhões aos cofres públicos, hoje é alvo de críticas e desconfiança em razão de suas reviravoltas — em especial decorrentes da atuação de dois de seus expoentes: o coordenador da força-tarefa da operação no Ministério Público Federal (MPF), Deltan Dallagnol, e o juiz Moro, que foi declarado parcial no julgamento de Lula.
Confira a seguir uma retrospectiva de como a desinformação impactou os 10 anos da Lava Jato pelo viés de alguns de seus personagens e fatos mais marcantes.

Moro e as reviravoltas judiciais e políticas

Ex-juiz federal, Sérgio Moro ficou conhecido pela atuação na 13ª Vara Federal de Curitiba, onde foram julgados em primeira instância os processos da Operação Lava Jato. Durante o período da investigação, ele foi responsável por apreciar acusações feitas por procuradores do MPF, entre eles Deltan Dallagnol, então coordenador da força-tarefa. 
Em julho de 2017, Moro condenou à prisão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), réu na Lava Jato sob acusações como ter recebido propina de uma empreiteira em troca de benefícios em obras da Petrobras. Naquele ano, uma foto na qual ele aparecia “cabisbaixo” circulou pelas redes, falsamente sugerindo que ele estaria triste com a situação. A imagem, contudo, embora real, foi registrada antes da decisão.  
Após deixar a magistratura, Sergio Moro foi ministro da Justiça no governo Bolsonaro e elegeu-se senador pelo Paraná em 2022 (Crédito:  Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Em 2021, entretanto, as condenações de Lula foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No mesmo ano, quando Moro já tinha deixado o posto de juiz e o cargo de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro (PL) — posição que ocupou entre 2019 e 2020 —, ele foi considerado parcial nos julgamentos de Lula. Em 2022, o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) apontou o mesmo. 
Por causa de sua atuação alvo de controvérsias, o ex-juiz foi protagonista de vários conteúdos falsos — como acusações enganosas de que ele recebia salário da Universidade Federal do Paraná (UFPR) sem trabalhar, que ele estaria com problemas de saúde ou ainda que a revista Veja teria publicado em sua capa a manchete na qual alegava que Moro ‘enganou milhões de brasileiros’.
O próprio Moro espalhou desinformação a respeito da Lava Jato, como em discurso na cerimônia de sua filiação ao Podemos, em novembro de 2021, ao afirmar que sempre fez "justiça na forma de lei" — checagem da Lupa na época apontou que a afirmação era falsa. Antes disso, em entrevista ao Roda Viva, em 2018, Moro exagerou ao falar sobre o uso de prisões preventivas durante a operação.
Em 2022, quando se lançou pré-candidato à presidência da República, um vídeo viral com uma entrevista do hoje senador sugeria que ele teria sido confrontado sobre a inocência de Lula. A gravação, no entanto, tinha sido editada e omitia trecho no qual o apresentador fazia uma brincadeira. No mesmo ano, circulou pelas redes sociais uma suposta foto de Lula ao lado de Moro na qual ambos sorriam. Tudo mentira.
Em setembro de 2023, quase 10 anos depois da primeira fase da Operação, Moro foi alvo de mais um conteúdo desinformativo que sugeria que ele teria afirmado a um jornal ter provas suficientes para prender Lula. Verificação da Lupa mostrou que o ex-juiz nunca falou isso publicamente.

Lula na mira de fakes antes e depois de eleito

O presidente Lula foi um dos nomes mais recorrentes em desinformações sobre a Lava Jato nos últimos 10 anos. Embora a força-tarefa tenha investigado centenas de pessoas, dentre elas pelo menos 50 políticos, o petista foi o alvo de maior repercussão. Ele foi investigado em quatro processos criminais no âmbito da operação, entre os quais os relacionados ao sítio de Atibaia (SP), ao triplex no Guarujá (SP) e ao Instituto Lula. 
Em julho de 2017, ele foi condenado duas vezes pelo ex-juiz Sérgio Moro. Lula foi preso em abril de 2018 e, 580 dias depois, em novembro de 2019, foi solto. Em 2021, as condenações contra ele foram anuladas pelo STF após a Corte entender que a competência para julgar as ações não era da Justiça Federal do Paraná. 
Em novembro de 2019, após passar 580 dias preso, Lula deixou a sede da PF em Curitiba após ordem do STF (Crédito: Divulgação)
Da prisão à anulação das punições, Lula foi alvo de diversas fakes. Em 2018 e 2019, período em que ele esteve na cadeia em Curitiba (PR), publicações insinuaram que ele teria sido inocentado no caso do triplex e que o processo sobre o sítio de Atibaia tinha sido cancelado — o que, naquela época, não era verdade. Ainda houve um post falso que circulou dizendo que o então advogado do petista, Cristiano Zanin, que atualmente é ministro do STF, havia virado réu na Lava Jato.
Outras teorias recorrentes eram relacionadas ao patrimônio do presidente. Dentre os conteúdos verificados pela Lupa, circularam posts enganosos de que ele seria dono de fazendas, que teria uma conta secreta de US$ 150 milhões e de que chegou a usar um jatinho para viajar escondido na pandemia.
O próprio Lula também propagou desinformação sobre a Lava Jato. Em 7 de abril de 2018, ao anunciar que se entregaria à Polícia Federal para começar a cumprir a sentença no caso do triplex do Guarujá — que seria anulada depois —, o petista disse que o procurador do MPF Deltan Dallagnol "foi para a televisão dizer que ‘o PT é uma organização criminosa que nasceu para roubar o Brasil'”, o que não era verdade.
Ao longo dos últimos anos, também viralizaram conteúdos associando Lula ao crime organizado. Uma das mais marcantes foi quando as condenações do petista foram anuladas pelo Supremo e, horas depois, viralizou nas redes sociais um vídeo falso em que detentos teriam sido flagrados comemorando a decisão
Na campanha eleitoral de 2022, que resultou na eleição de Lula à Presidência, conteúdos relacionados às condenações na Lava Jato ganharam força. Um deles foi um vídeo fora de contexto sobre pendências do petista com a Justiça.
Um caso recente de fake envolvendo Lula e a Lava Jato foi uma publicação falsa, no ano passado, sugerindo que o já presidente no exercício de seu terceiro mandato teria reconduzido o engenheiro químico Nestor Cerveró, condenado pela operação, ao cargo que ele ocupava na Petrobras — o que não é verdade.

Mentiras sobre o acidente aéreo de Teori

Um dos episódios mais marcantes nos 10 anos da Lava Jato foi a morte de Teori Zavascki, então ministro do STF e relator da Lava Jato na Corte. O ministro foi vítima de um acidente aéreo no dia 19 de janeiro de 2017, em Paraty (RJ). Conhecido como “fiador” da operação, ele atuava como responsável pelos processos da força-tarefa que chegavam ao Supremo após recursos contra decisões de Moro. 
Teori Zavascki era relator da Lava Jato no STF e morreu em 2017 (Crédito: Nelson Jr./SCO/STF)
Na condução da Lava Jato, Teori ficou conhecido por decisões polêmicas e inéditas. Em 2014, por exemplo, ele mandou soltar todas as pessoas que estavam presas à época por conta da operação. No ano seguinte, foi o ministro quem autorizou a abertura de inquérito para investigar parlamentares citados em depoimentos na Lava Jato.
Tanto seu posicionamento quanto sua morte precoce foram distorcidos em fakes e teorias conspiratórias. Ainda em 2017, ganhou tração uma fake de que o delegado responsável por investigar o acidente aéreo havia sido assassinado. Dois anos depois, veio à tona uma suposta frase de Teori criticando o método de Moro — na verdade, uma fala antiga do ministro do STF foi distorcida.
A atuação de Teori também alimentou desinformação após virem à tona trocas de mensagens entre procuradores federais, no que ficou conhecido como Vaza Jato, série de reportagens divulgada pelo The Intercept Brasil. A fake relatava uma crítica ao ministro do Supremo por ter determinado que as investigações sobre Lula fossem julgadas pelo STF, e não por Moro. Ainda sugeria, falsamente, que por conta disso os procuradores estariam por trás do acidente aéreo que vitimou Teori.

Vaza Jato: as conversas que botaram em xeque a operação

Em junho de 2019, o site The Intercept Brasil começou a publicar uma série de reportagens com transcrições de conversas pelo Telegram entre o ex-juiz Sergio Moro, o então procurador do MPF Deltan Dallagnol e outros integrantes da Operação Lava Jato. O vazamento das mensagens ficou conhecido como Vaza Jato.
As mensagens acessadas por hackers tiveram repercussão internacional e resultaram no reconhecimento da parcialidade de Moro ao julgar Lula, na anulação das decisões da Lava Jato e na revogação da prisão do ex-presidente. Tamanho impacto, claro, logo fez o assunto se tornar um propulsor de desinformação.
Uma das primeiras fakes foi a circulação de uma imagem que mostrava um suposto diálogo em que Moro diz a Dallagnol que a sentença de Lula ‘já está combinada’. Era falso. Outra mentira que viralizou foi uma mensagem atribuída à conta oficial do Telegram no X (antigo Twitter) afirmando que um hacker forjou o conteúdo das mensagens entre Moro e Dallagnol — o aplicativo de mensagens jamais publicou isso.
Depois da projeção alcançada na Lava-Jato, Deltan Dallagnol foi eleito deputado federal pelo Paraná, mas teve o mandato cassado em maio de 2023  (Crédito: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)
Os desdobramentos da divulgação das mensagens, tanto policiais quanto judiciais, também resultaram na disseminação de conteúdos falsos. Em um deles, uma publicação afirmava que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) teria pedido o afastamento de Moro e Deltan das investigações após uma reunião com políticos de esquerda — na verdade, a entidade se manifestou sobre o caso antes do encontro.
Membros do governo de Jair Bolsonaro (PL), que presidia o país na época, também não escaparam das fakes. Circulou pelas redes sociais um tuíte atribuído ao ministro da Economia, Paulo Guedes, com críticas ao vazamento das conversas. Era mentira. Guedes também foi alvo de outra desinformação: um falso tuíte dele criticando o jornalista Glenn Greenwald, um dos responsáveis por trazer à tona o conteúdo da Vaza Jato.
Uma das mentiras mais recentes relacionada às mensagens que mudaram os rumos da Operação Lava Jato circulou em agosto de 2023. Na época, um trecho da fala de Walter Delgatti Neto, conhecido como “hacker da Vaza Jato”, durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, foi apontada como a prova de houve manipulação nas urnas eletrônicas nas eleições de 2022 — o que não é verdade.

Desinformação sobre políticos, delatores e organizações

A Operação Lava Jato teve centenas de envolvidos em suas diferentes fases nos últimos 10 anos, mas um dos pontos que a fez ganhar projeção nacional e internacional foi a investigação de políticos e empresários de renome, além de ter resultado em delações que desvendaram os bastidores de uma rede de corrupção no país. Nesse contexto, a desinformação se espraiou em diferentes frentes.
Algumas mentiras tiveram como alvo a própria força-tarefa, como a de que uma nova etapa da operação iria banir partidos políticos e a de que a OAB havia pedido seu fim. O dinheiro recuperado também alimentou fakes, como a que relacionou uma apreensão ao desvio de verba de hospitais na pandemia e outra afirmando que a Polícia Federal havia feito uma exposição em Curitiba do dinheiro que teria sido roubado nas gestões do PT e recuperado. Uma das mais recentes foi o suposto vídeo de uma juíza que teria trabalhado com Moro na Lava Jato fazendo críticas a Lula – na verdade, a mulher era uma vereadora de Curitiba.
Falsa exposição de dinheiro roubado em Curitiba foi uma das fakes que circulou sobre a atuação da Polícia Federal (Crédito: Reprodução)
Delatores e investigados pela Lava Jato também foram citados em posts desinformativos nestes 10 anos nas redes sociais. Um deles é o doleiro Alberto Youssef, que ficou famoso por colaborar com a operação e foi um dos primeiros presos. Seu depoimento, inclusive, levou à abertura de investigações contra políticos e empresários. Em 2023, entretanto, seu nome foi falsamente associado à propriedade de uma lotérica onde foi comprada uma aposta que ganhou R$ 205 milhões na Mega Sena.
Outro delator associado a conteúdos enganosos foi Marcelo Odebrecht, ex-presidente da construtora que leva o sobrenome da família — ele foi condenado pela Lava Jato por corrupção, associação criminosa e lavagem de dinheiro. A fake atribuía a ele uma fala de que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi causado pelo corte feito pela petista em um contrato que supostamente envolvia propina paga a políticos do MDB por meio da Petrobras, mas ele jamais fez essa declaração.

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Maiquel Rosauro
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