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Seis vezes que o X abriu brecha para desinformação em suposta defesa da liberdade de expressão
09.04.2024 - 11h36
Florianópolis - SC
A venda do X (antigo Twitter) para Elon Musk foi finalizada em outubro de 2022 - Imagem: Rubaitul Azad - Unsplash
O texto foi alterado para corrigir a informação sobre a origem de Elon Musk que é sul-africano e não norte-americano, como informado anteriormente
20.09.2024 - 11h14
Um ano e seis meses depois de o bilionário  Elon Musk ter concretizado a compra do Twitter, o agora X ganhou a fama entre pesquisadores de ser o “esgoto da desinformação” na internet. Em defesa de uma alegada “liberdade de expressão”, discurso alinhado à extrema direita brasileira, Musk insinuou publicamente no dia 6 de abril que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), estaria praticando censura. O ministro determinou multa caso o sul-africano descumpra decisões judiciais brasileiras e pediu abertura de uma investigação. 
Antes da decisão do ministro do STF, Musk acusou Moraes de trair “descarada e repetidamente a Constituição e o povo brasileiro”. Ainda afirmou que as exigências de Moraes violam a própria legislação brasileira e defendeu que o ministro renuncie ou seja destituído do cargo.
Desde outubro de 2022, quando Musk oficialmente passou a ser o dono da rede social, o número de conteúdos falsos aumentou. Em setembro do ano passado, a União Europeia chegou a adverti-lo após um relatório ter identificado que o X foi a plataforma com mais desinformações no primeiro semestre de 2023
Mas não só isso. Em 18 meses, a gestão de Musk demitiu equipe focada no combate à desinformação eleitoral, bloqueou contas de jornalistas que criticavam sua gestão e tomou decisões que abriram mais brecha para a circulação de conteúdos falsos e aumento do discurso de ódio
Em setembro do ano passado, um levantamento da Reuters revelou que as decisões de Musk resultaram no cancelamento, suspensão ou alteração de mais de 100 estudos sobre a plataforma. Isso porque as ações do bilionário impuseram restrições à coleta de dados e, com isso, suprimiram a capacidade de desvendar a origem e a disseminação de informações falsas na rede durante eventos em tempo real, como o conflito entre Israel e o Hamas, por exemplo. 
Veja, a seguir, seis ações de Musk que abriram brecha pra desinformação no X: 
1 - Demissões em massa e corte de equipe de combate às fakes eleitorais
Uma das primeiras ações de Elon Musk à frente do X foi a demissão em massa de funcionários. Em novembro de 2022, ele demitiu cerca de 50% da equipe de 7,5 mil pessoas. Naquela época, o jornal The New York Times revelou que, em sua terceira semana como proprietário, ele demitiu especialmente trabalhadores que o haviam criticado ou se manifestado publicamente contra ele.
Em setembro de 2023, os cortes foram mais graves. Naquele mês, o empresário demitiu grande parte da equipe global responsável pelo combate à desinformação eleitoral no X — poucos meses antes de 2024, ano em que vários países, incluindo o Brasil, terão eleições. O corte ocorreu após um relatório da União Europeia ter mostrado que o X concentrou a maior parcela de desinformação entre as principais plataformas no primeiro semestre de 2023.
Em junho de 2023, durante entrevista na conferência GlobalFact 10, realizada em Seul, na Coreia do Sul, o ex-executivo de Confiança e Segurança do Twitter, Yoel Roth, afirmou que Elon Musk sabia que o então Twitter poderia ser uma ferramenta de "violência eleitoral" no Brasil no momento em que adquiriu a empresa e, até então, estava disposto a manter as políticas para mitigar esses riscos. Ele também disse que Musk começou a desmontar as políticas de moderação de conteúdo duas semanas depois da aquisição. 
2 - Musk anuncia selo de verificação pago 
Em novembro de 2022, um mês após ter concluído a compra do Twitter, Musk anunciou que passaria a cobrar pelo selo de identificação — uma etiqueta azul ao lado do nome de usuários que atesta a autenticidade de perfis na rede social, especialmente de figuras públicas como políticos, artistas e jornalistas, entre outros. O selo era uma das formas de identificar contas que indevidamente copiassem nomes e fotos de pessoas ou organizações. 
O serviço pago foi batizado de Twitter Blue (e renomeado para X Premium quando o nome da plataforma mudou para X), e, entre outros benefícios, permite que os assinantes possam postar vídeos mais longos e tenham prioridade nas respostas, menções e buscas.
Reportagem da Lupa mostrou que, na época, muitos usuários usaram o novo recurso com identidades falsas, como ocorreu com a farmacêutica Lilly, nos Estados Unidos. Um perfil fake da empresa comprou o selo azul e fez um post anunciando insulina de graça — uma confusão que resultou em prejuízo de milhões de dólares para o laboratório - as ações caíram 4,3% no dia seguinte
Meses depois, em abril de 2023, Musk fez novo anúncio: perfis que já eram verificados antes do serviço premium perderiam o selo de verificação caso não pagassem pelo serviço de assinatura. Tão logo a nova política foi anunciada, até o jornal norte-americano The New York Times perdeu a etiqueta.
A decisão foi duramente criticada por deixar contas desprotegidas e abrir brechas para a circulação de mais desinformação. Em entrevista à Lupa, pesquisadores, na época, alertaram para a possibilidade de contas com poucos seguidores pagarem por um selo e, com isso, se passassem por perfis com a credibilidade conferida pelo símbolo para espalhar fakes e discurso de ódio. 
3 - Emojis de cocô e censura a jornalistas 
Embora defenda liberdade de expressão, em mais de uma ocasião as decisões de Elon Musk envolvendo o X miraram a imprensa. Em dezembro de 2022, contas de jornalistas que cobrem tecnologia — e, consequentemente, as ações do bilionário envolvendo uma das plataformas de rede social mais populares do mundo — tiveram suas contas suspensas abruptamente
 Na época, os profissionais de comunicação cujas contas foram bloqueadas questionaram o compromisso de Musk com a alegada liberdade de expressão e avaliaram a suspensão como uma retaliação do dono da Tesla às críticas que vinha recebendo por sua gestão à frente do X. Entre as contas banidas estavam as de Donie O’Sullivan, da CNN, Ryan Mac, do The New York Times e Drew Harwell, do The Washington Post, entre outros. 
Dias depois do bloqueio, ele impôs condições aos jornalistas banidos para voltarem ao X. Uma dessas condições era que apagassem os posts que supostamente violavam as regras da plataforma — na época, Musk afirmou que os jornalistas tinham violado a nova política de “doxxing” (termo usado para descrever a ação de revelar informações de identificação sobre alguém na Internet, como nome real e endereço) ao supostamente partilhar a localização “exata em tempo real” dele. Os profissionais banidos negaram ter exposto esse tipo de informação.
Resposta automática do Twitter a jornalistas: um emoji de cocô
No Brasil, jornalistas não chegaram a ser censurados, mas receberam emoji de cocô em resposta a questionamentos enviados à empresa. A resposta automática e desrespeitosa para a imprensa foi uma decisão tomada e anunciada pelo próprio Elon Musk — que nunca chegou a explicar o motivo. 
4 - Mudanças e cobrança da API gratuita do X 
Em fevereiro de 2023, o X anunciou mudanças nas políticas do sistema usado por programas de terceiros para se conectar à plataforma, a API ou Application Programming Interface (sigla em inglês para interface para programação de aplicações). Essa ferramenta, comum em grandes sites, permite que softwares externos consultem ou coletem as publicações feitas na rede social e, com isso, criem sistemas para interagir com a plataforma. É o caso dos chamados bots úteis, como os que publicam atualizações meteorológicas, por exemplo.
Com a mudança, a empresa passou a cobrar pelo acesso à sua API — até então gratuita —, inclusive de quem atua em projetos que combatem à desinformação e discurso de ódio. Na época, o anúncio causou mal estar na comunidade de iniciativas de combate às fakes e entre pesquisadores porque os custos poderiam impactar ou inviabilizar esses projetos, uma vez que alguns são mantidos por meio de financiamento coletivo.
Em maio do ano passado, o X voltou atrás e passou a liberar gratuitamente o acesso à sua API a contas que prestam serviços públicos — como as que publicam alertas meteorológicos ou notificações de emergência. 
5 | Notas da Comunidade feito por voluntários — e não profissionais de checagem de fatos
O recurso Notas da Comunidade foi outro serviço da gestão de Musk que, embora tenha sido lançado com a pretensão de dar “contexto a publicações potencialmente enganosas”, abriu mais brechas para a circulação de informações incorretas, distorcidas e falsas pelas redes sociais. 
O programa foi implementado em março de 2023 no Brasil — a novidade começou antes, em dezembro de 2022, em países de língua inglesa — e consiste em avisos junto a algumas publicações para alertar sobre informações falsas. Contudo, em vez de jornalistas especializados em checagem de fatos, são usuários comuns, voluntários, que fazem a análise das publicações e publicam essas notas.  
A reportagem da Lupa alertou, na época, que o fato de o Twitter transferir a usuários comuns o poder de avaliar mensagens consideradas potencialmente enganosas retira a responsabilidade da plataforma de moderar esse tipo de conteúdo e agir para mitigar seus efeitos nas redes.
O problema disso é que conteúdos comprovadamente falsos e já verificados por agências de checagem, por exemplo, continuam a circular no X por não terem sido escolhidos pelos voluntários do programa para avaliação, como acontece com informações mentirosas sobre as vacinas da Covid-19. Por outro lado, posts em que o usuário apresenta uma opinião diferente da de quem avalia podem receber uma nota da comunidade. Em maio de 2023, por exemplo, um post do jornal O Globo, sobre a agressão sofrida por uma brasileira transgênero na Itália, recebeu uma nota da comunidade com links de conteúdos de teor transfóbico sobre o caso. Além disso,  a suposta checagem usou informações não confirmadas, como a de que a brasileira havia mostrado sua genitália para crianças. Diferentemente do que informou a nota da comunidade, as próprias autoridades locais negaram essa versão e confirmaram que ela não estava assediando estudantes. 
Vale pontuar que a empresa se isenta de qualquer responsabilidade em relação à avaliação dos conteúdos e é pouco transparente sobre o serviço. Na página dedicada a explicar como as Notas da Comunidade funcionam, a plataforma informa apenas que se trata de “uma forma colaborativa de adicionar contextos úteis” e que os colaboradores são “pessoas no Twitter” que se inscreveram para redigir e avaliar notas. Porém, não é possível saber o critério usado para escolher quem pode e quem não pode contribuir para o projeto nem o que é exigido de uma nota para que ela seja considerada válida.
6 - Violações de decisões judiciais
Sob o comando de Musk, a plataforma X ignorou decisões judiciais brasileiras, como as que suspenderam as contas de blogueiros que espalhavam desinformação. Um exemplo é o blogueiro Allan dos Santos, investigado pelo STF e foragido da justiça. No domingo (7), após Musk desafiar publicamente o ministro Alexandre Moraes, do STF, Santos fez uma transmissão ao vivo no perfil do Terça Livre — nome da página do blogueiro cujo acesso também está restrito a usuários brasileiros.
O perfil está bloqueado para brasileiros, mas ficou disponível no domingo à noite, durante a transmissão. Na manhã seguinte, a conta do Terça Livre apareceu novamente com restrições para moradores do Brasil.
Na live, o bolsonarista fez críticas ao ministro, acusou-o de censura e prometeu retomar o blog Terça Livre para apoiar candidatos de direita nas eleições municipais. 
Vale pontuar que Santos já tentou burlar o bloqueio da justiça brasileira pelo menos 40 vezes ao criar contas com nomes diferentes em várias redes sociais, como o Instagram.
Blogueiro vou a fazer transmissão no perfil “Terça Livre” na segunda-feira (08).
Nesta segunda (8), Allan dos Santos convidou usuários de fora do Brasil para uma outra live no perfil do Terça Livre anunciando um “Estamos de volta”. 
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