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Ato no RJ: Bolsonaro desinforma ao atacar Lula e se contradiz sobre contestar eleições
21.04.2024 - 19h00
Rio de Janeiro - RJ
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) realizou um ato com aliados e apoiadores neste domingo (21), no Rio de Janeiro (RJ). A defesa da liberdade de expressão, elogios ao empresário Elon Musk e ataques à oposição e ao Judiciário deram o tom das cerca de duas horas de discursos na praia de Copacabana.
Antes de Bolsonaro, fizeram coro em prol do direito à liberdade a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro e os deputados federais Gustavo Gayer (PL-GO), Marco Feliciano (PL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG). Enquanto Gayer chegou a falar em inglês após elogiar Musk e Feliciano criticou que "tudo nesse país é fake news", Nikolas declarou que o Brasil "não precisa" de mais projetos de lei, mas sim de "homens com testosterona". 
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL) até acenou ao público do palco, mas não discursou. Assim como no ato em São Paulo, em 25 de fevereiro, o pastor Silas Malafaia foi o único a criticar de forma mais direta o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, a quem definiu como "uma ameaça à democracia". 
Apesar de ter dito que não queria atacar o STF, Malafaia criticou decisões da Corte, especialmente as que puniram golpistas envolvidos nos ataques de 8 de janeiro, e pôs em dúvida a existência de uma “minuta do golpe”, que teria sido proposta por Bolsonaro, segundo investigação da Polícia Federal. Ele ainda atacou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a quem chamou de "frouxo", "covarde" e "omisso".
Último a falar, Jair Bolsonaro não poupou elogios a Musk e relembrou pontos que considerou positivos de sua gestão na Presidência. Também fez críticas e ironias sobre seu rival e atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — mas desinformou, por exemplo, ao dizer que o governo do petista apoiou o Hamas e o Irã na guerra no Oriente Médio.
Apesar de não citar Moraes nem o STF, Bolsonaro criticou o TSE por torná-lo inelegível — e errou ao explicar o motivo da segunda condenação que recebeu da Corte eleitoral. Além disso, o ex-presidente se contradisse ao falar em ‘suspeição das eleições’ e, logo em seguida, dizer que não botou em dúvida a lisura do sistema eleitoral.
A Lupa checou algumas frases do discurso de Bolsonaro na praia de Copacabana. A assessoria do ex-presidente foi procurada pela reportagem, e o texto será atualizado caso houver resposta. Veja, a seguir, o resultado da checagem:
“Chegou alguém fora do sistema à Presidência da República”
– Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, durante ato em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), no dia 21 de abril de 2024
Falso
Jair Bolsonaro não era uma opção “fora do sistema” quando foi eleito presidente da República, em 2018. Antes de se candidatar ao Planalto, ele atuou na política por 30 anos, tanto em partidos da situação quanto da oposição. Em 1988, elegeu-se vereador pela cidade do Rio de Janeiro pelo antigo PDC (Partido Democrata Cristão). Dois anos depois, em 1990, foi eleito deputado federal pelo estado do Rio, cargo que exerceu por sete mandatos — um total de 28 anos
Ao longo de sua trajetória política, o ex-capitão do Exército passou por oito partidos diferentes: PDC, PPR, PPB (que depois se tornou o PP, do qual ele também fez parte), PTB, PFL (mudou para DEM e hoje é o União Brasil), PSC, PSL e PL.
“Não estou duvidando das eleições” 
– Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, durante ato em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), no dia 21 de abril de 2024 
Contraditório
A frase de Jair Bolsonaro já expôs uma contradição neste domingo por ele ter dito, pouco antes, querer “que o Brasil volte à sua normalidade” para que se possa “disputar eleições sem qualquer suspeição". Mas fato é que Bolsonaro questiona a segurança das urnas eletrônicas e acusa de fraude o sistema de votação desde 2018, pelo menos, quando foi eleito presidente da República. 
Em março de 2020, por exemplo, ele disse, sem provas, que deveria ter vencido em 2018 no primeiro turno se não houvesse “fraude”. Ao longo de 2021, o ex-presidente deu várias declarações que colocavam em xeque os equipamentos de votação e pediam a volta do voto impresso. "Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos", declarou em janeiro daquele ano ao comentar a invasão do Congresso nos Estados Unidos.
Em maio de 2021, Bolsonaro afirmou que "um bandido foi posto em liberdade, foi tornado elegível, no meu entender para ser presidente. Na fraude. Ele só ganha na fraude no ano que vem", em referência à possível eleição de Lula, que na época já havia deixado a prisão e recuperado os direitos políticos para concorrer novamente à Presidência.
Já em 2022, ano em que foi candidato à reeleição, Bolsonaro fez pelo menos oito ataques às urnas e ao sistema eleitoral brasileiro, como mostrou a Lupa. Um dos mais incisivos ocorreu em apresentação para embaixadores, em julho de 2022, quando o então presidente espalhou informações descontextualizadas e falsas sobre um suposto ataque cibernético aos sistemas do TSE em 2018 e botou em xeque a credibilidade das eleições no país.
“Os covardes só podem fazer uma coisa comigo (...) Eles querem concluir o 6 de setembro de 2018 na pessoa de um soldado deles, Adélio Bispo”
Falso
Autor da facada em Jair Bolsonaro em setembro de 2018, Adélio Bispo não agiu a mando de alguém ou de algum partido de esquerda. Os dois inquéritos da Polícia Federal (PF) que investigaram o crime concluíram que ele agiu sozinho e por motivação política. Várias fakes sobre o caso também já foram desmentidas
Bispo, que atualmente está preso na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS), foi considerado inimputável pela Justiça Federal em razão de laudo que comprovou que ele possui transtorno delirante persistente. Em 22 de fevereiro deste ano, a Justiça determinou que ele fosse transferido para tratamento psiquiátrico em Minas Gerais em um prazo de 60 dias.
“[Lula] está agora ao lado do Irã neste conflito”
– Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, durante ato em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), no dia 21 de abril de 2024
Falso
Após o ataque iraniano ao território israelense, em 13 de abril, em nenhum momento o governo brasileiro manifestou apoio ao Irã. Embora não tenha feito críticas diretas, o Itamaraty pediu “máxima contenção” de todas as partes envolvidas.
Em 13 de abril, uma nota do Itamaraty informou que o Brasil está acompanhando “com grave preocupação, relatos de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel, deixando em alerta países vizinhos como Jordânia e Síria”. 
O texto afirma que, desde o início do conflito na Faixa de Gaza, o governo brasileiro “vem alertando sobre o potencial destrutivo do alastramento das hostilidades à Cisjordânia e para outros países, como Líbano, Síria, Iêmen e, agora, o Irã”. 
No mesmo dia, ao ser cobrado por um posicionamento mais incisivo, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse que “o Brasil condena sempre qualquer ato de violência, e o Brasil conclama sempre ao entendimento entre as partes.”
Quatro dias depois, em 19 de abril, novo posicionamento do Itamaraty fez um apelo ao Irã. No texto, o Brasil declarou seguir acompanhando a escalada de tensões entre o Irã e Israel, apelou novamente para que “todas as partes envolvidas” exerçam “máxima contenção” e conclamou "a comunidade internacional a “mobilizar esforços no sentido de evitar uma escalada”. A nota do governo brasileiro informou que esse apelo “foi transmitido diretamente pelo ministro Mauro Vieira ao chanceler do Irã, Hossein Amir-Abdollahian, em encontro bilateral na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York”.
 Além disso, não há, até a publicação desta checagem, qualquer declaração pública de Lula na qual ele manifeste apoio ao Irã em relação aos ataques contra Israel.
“Estiveram [Lula e seu governo] ao lado do Hamas”
– Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, durante ato em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), no dia 21 de abril de 2024
Falso
Não existe nenhum posicionamento oficial do governo brasileiro favorável ao Hamas, grupo extremista que se opõe à existência de Israel e que foi chamado de terrorista pelo Itamaraty. Em 7 de outubro de 2023, um ataque surpresa do Hamas contra Israel deu início a uma guerra que ainda persiste no Oriente Médio.
Em 20 de outubro do ano passado, por exemplo, ele afirmou que o Hamas cometeu atos de terrorismo ao invadir Israel. Em 15 de fevereiro de 2024, Lula disse, durante visita ao Egito, que “o Brasil foi um país que condenou de forma veemente a posição do Hamas no ataque a Israel e ao sequestro de centenas de pessoas. E nós condenamos e chamamos o ato de ato terrorista”.
Vale pontuar que o Hamas e a Palestina não são a mesma coisa. O Hamas é o nome de uma organização extremista que controla a Faixa de Gaza e prega a destruição de Israel. Já a Palestina é um território não contínuo  que abrange a Faixa de Gaza — local que historicamente é motivo de disputas com Israel — e áreas nos limites da Cisjordânia. O Hamas é um dos movimentos políticos da Palestina e não representa, necessariamente, todo o povo palestino.  
“Eu botei ao meu lado, no 7 de setembro de 2022, um grande empresário, um grande homem, Luciano Hang. Me tornaram inelegível pela segunda vez por causa disso”
– Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, durante ato em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), no dia 21 de abril de 2024
Falso
Jair Bolsonaro foi considerado inelegível pela segunda vez em outubro de 2023 porque, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), praticou abuso de poder político e econômico e ainda conduta vedada a autoridades nas eleições durante o Bicentenário da Independência, em 7 de setembro de 2022 — e não porque levou o empresário Luciano Hang a uma manifestação cívica.
Em seus votos pela condenação, os ministros da Corte eleitoral entenderam que houve “mescla” entre os atos de governo e os de campanha relativos ao 7 de Setembro, o que configura abuso de poder político e econômico — na ocasião, Bolsonaro participou de atos em Brasília e no Rio de Janeiro e transformou a celebração em campanha à reeleição.
A ministra Cármen Lúcia, por exemplo, argumentou em seu voto que “houve uma captura da data comemorativa por um ato de campanha destinado aos apoiadores dos candidatos” e que “a prova produzida era de deliberada confusão entre a função de presidente da República e os interesses particulares dos candidatos na chapa para presidente e vice-presidente”.
Já o ministro do TSE André Ramos Tavares afirmou que houve “a ocorrência de um aproveitamento parasitário do dia da celebração pública e, consequentemente, um aproveitamento de boa parcela da estrutura estatal voltada à consecução das festividades para dar corpo e impulsionar o ato de campanha programado, não por acaso, para a mesma data das comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil”.
A primeira condenação que tornou Bolsonaro inelegível ocorreu em 30 de junho de 2023, quando o TSE entendeu que houve abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por reunião convocada com embaixadores em 18 de julho de 2022. 
Foi nessa ocasião que o então presidente da República fez uma série de acusações sem provas sobre a segurança e a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro, além de criticar o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O encontro foi transmitido pela TV Brasil, emissora pública do país. 
“Nós concluímos uma obra privada de 4.100 quilômetros, que é a ferrovia Norte-Sul”
– Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, durante ato em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), no dia 21 de abril de 2024
Falso
Diferentemente do que afirmou Bolsonaro, a ferrovia Norte-Sul (FNS) não foi concluída em sua gestão. Também é falso que essa estrada de ferro tenha 4,1 mil quilômetros de extensão. Os últimos trechos da obra foram finalizados em junho de 2023, já na gestão de Lula (PT), quando foram completados os 2.257 quilômetros que atravessam quatro regiões do país. 
A cerimônia de inauguração estava marcada para 16 de junho, com a presença do presidente, mas foi cancelada porque o mau tempo impossibilitou a viagem do presidente até Goiás — as obras, entretanto, já estavam prontas. Em setembro de 2023, foi realizada a primeira viagem de trem de 58 vagões pela nova extensão da ferrovia. 
A construção da FNS começou em 1987 e o projeto original previa 4,1 mil km de trilhos que cortariam o país de norte a sul, desde o porto de Itaqui, no Maranhão, até o porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Ao longo de três décadas e meia, as obras dessa estrada de ferro foram caracterizadas por irregularidades e denúncias de fraudes nos processos de licitação. Em razão dos casos de corrupção e erros técnicos, o percurso previsto inicialmente foi reduzido para 2,2 mil quilômetros.
Durante seu governo, Jair Bolsonaro chegou a inaugurar alguns trechos da ferrovia. Em março de 2021, por exemplo, ele esteve na inauguração de uma extensão de 172 quilômetros entre São Simão (GO) e Estrela D’Oeste (SP).

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