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Falsas narrativas de esquerda e direita sobre Trump alcançam 58 milhões no Facebook
Quem se conectou às redes sociais e aos aplicativos de mensagem nesta semana viu emergir entre os mais radicais da esquerda e da direita brasileira narrativas falsas sobre o atentado sofrido pelo ex-presidente e hoje candidato do partido Republicano à Casa Branca, Donald Trump, na Pensilvânia, no último sábado (13). 
Enquanto a esquerda insistiu em dizer — sem provas — que a direita americana armou uma encenação para tornar Trump um super-herói, a direita acusou a esquerda — também sem qualquer indício — de ter executado um plano complexo para matar o político. Segundo levantamento feito pela Lupa, pelo menos 58 milhões de usuários do Facebook no Brasil podem ter sido expostos a essas falsidades — 44 milhões em bolhas da direita e 14 milhões nas da esquerda.
E a verdade, no entanto, é que, até a tarde desta terça-feira (16), o jovem Thomas Matthew Crooks, identificado como o atirador da Pensilvânia e morto no local, é considerado pelo FBI como um "lobo solitário", ou seja, alguém que pratica atos de violência sem qualquer liderança ou cooperação.
Direita culpa opositores políticos
Dados extraídos do CrowdTangle, ferramenta de monitoramento mantida pela Meta, mostram que, entre as 20 horas de sábado (13, dia do atentado) e as 16 horas do domingo (14), pelo menos 44 milhões de usuários de Facebook podem ter sido expostos a mais de 520 postagens — feitas por 1.552 páginas — que promoviam, em português, a narrativa falsa de que o ataque a Trump havia sido fruto de um trabalho orquestrado pela esquerda.
Uma postagem dizendo que "A esquerda de [Barack] Obama e [Joe] Biden tentou matar Trump", por exemplo, foi compartilhada por 13 páginas em apenas um minuto e 24 segundos, alcançando — sozinha — quase 211 mil usuários do Facebook.  
Outro post que chamava o atentado de "ato covarde da esquerda americana contra Donald Trump" foi reproduzido por pelo menos 18 páginas que costumam publicar conteúdo em português e pode ter chegado a mais de 1,4 milhão de usuários da plataforma em menos de um dia.
Sem mostrar qualquer evidência ou prova, acusações de que a esquerda internacional "não se conforma" com uma possível vitória de Trump nas eleições americanas deste ano e que "parte para a violência pra tirar do caminho todos que se opõe a eles" circularam livremente no Facebook. Neste caso específico, os dados do CrowdTangle mostram que ao menos dez páginas republicaram o mesmo texto num prazo de cerca de dez segundos, o que pode ser um sinal de comportamento inautêntico ou robótico.
Políticos como o deputado federal Coronel Chrisóstomo (PL-RO), Coronel Telhada (PP-SP)  e  a deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) foram alguns dos que assumiram essa narrativa, dizendo que o ataque a Trump vinha da oposição ao republicano.
"Assim é a esquerda. Tentando resolver tudo na bala e na faca", escreveu Chrisóstomo. "O atentado deixa bem claro a maneira da esquerda agir", disse Telhada. "Agora eles querem parar a direita com tiros? Essa é a forma democrática que a esquerda emprega?, questionou Waiãpi. Nenhum dos três apresentou, no entanto, provas de suas acusações.
Também na bolha da ultra-direita brasileira, ao menos cinco páginas (que somam mais de 458 mil seguidores) deram voz e amplificaram a antiga teoria da conspiração do Estado Profundo (Deep State, em inglês), segundo a qual uma elite de indivíduos não eleitos, altamente poderosos, ricos e ultra conectados é quem decide o destino do planeta. E eles teriam decidido executar Trump. Não há qualquer indício de que isso seja real.
Esquerda fala em armação
No extremo oposto do espectro político, na bolha da extrema-esquerda, a desinformação também proliferou nas primeiras horas após o atentado de Trump. Com o intuito de provar que o ato não teria passado de uma encenação, a esquerda se debruçou sobre imagens, vídeos e narrativas falsas que apareceram, inicialmente em inglês e espanhol, em canais de Telegram e em fóruns do 4chan — uma espécie de fórum de discussão online —  e se esforçou para ampliá-las. 
Falou-se em cápsula de sangue supostamente colocada na orelha de Trump; de o sniper do evento da Pensilvânia ter sido impedido de disparar e executar o criminoso antes por ordens da campanha republicana; e de que o serviço secreto americano havia falhado de propósito para atender a pedidos de Trump. Veja as imagens a seguir:
No campo político, o deputado federal André Janones (Avante-MG) destacou-se na amplificação da narrativa infundada criada pela esquerda, ao publicar em seu perfil no X (ex-Twitter) que o episódio era uma farsa e que “pelos menos dessa vez [os ativistas da direita] lembraram de providenciar o ‘sangue’.
Também entre as 20 horas do sábado do atentado e as 16 horas do dia seguinte, pelo menos 14,2 milhões de usuários de Facebook podem ter sido expostos a mais de 189 postagens que promoviam — em português — a narrativa falsa de que o ataque a Trump havia sido um "teatro", uma "farsa", uma "encenação" ou "fake".
Às 22h30 do dia 13, por exemplo, uma página alinhada à esquerda postou o seguinte texto: "MAIS UMA FARSA DE TRUMP Tudo leva a acreditar que esse atentado ao Trump é mais uma armação política da ultradireita. Muitas versões vão ser reproduzidas pelas TVs. Com Bolsonaro ocorreu o mesmo. Muitas contradições, muitas perguntas sem respostas. A pergunta é muito simples: quem ganha com esses atentados. Claro que Trump e Bolsonaro saem como vítimas".
Às 22h40, ou seja, em apenas dez minutos, outras dez páginas já haviam compartilhado o mesmo material com seus seguidores. Dados do CrowdTangle revelam que só esse post pode ter chegado a quase 330 mil pessoas.
Na bolha da esquerda, também viralizou a ideia de que, se Bolsonaro havia "copiado a invasão do Capitólio", agora era a vez de Trump "copiar a facada fake" para ganhar as eleições americanas. Ao menos 263 mil usuários do Facebook podem ter sido expostos a essa narrativa duplamente não confirmada em apenas uma hora e 29 minutos.
Até a tarde desta terça-feira (16), os investigadores americanos não haviam encontrado nenhuma pista sobre o que motivou Crooks a disparar contra Trump. Sabe-se que ele estava filiado ao partido Republicano e que havia feito uma doação de 15 dólares para uma ONG ligada aos democratas em 2017.

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