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Desinformação sobre boxeadora argelina gera onda de transfobia nas redes
02.08.2024 - 18h04
Rio de Janeiro - RJ
A boxeadora argelina Imane Khelif venceu a italiana Angela Carini, que desistiu após 46 segundos de prova, devido a fortes dores no nariz, em luta realizada em 1º de agosto na Olimpíada de Paris. O resultado do embate deu início a uma onda de desinformação e discurso de ódio nas redes sociais, impulsionada pela extrema-direita. Diversas publicações passaram a alegar que Khelif é uma mulher transgênero — o que é falso, como mostra verificação da Lupa.
Dados extraídos do CrowdTangle, ferramenta de monitoramento que permite estudar o fluxo de informações que circulam nas redes sociais, apontam que houve um pico de publicações com o termo “trans” no Facebook e Instagram em 1° de agosto de 2024. Nesta data, ao menos 1.010 posts e 444.193 interações foram registrados em grupos e perfis monitorados.
Diversas dessas publicações disseminavam a falsa narrativa sobre a atleta argelina, além de satirizarem a situação. Em um desses posts, com mais 16 mil curtidas no Instagram, por exemplo, um usuário parabenizava o movimento feminista por “botar um homem para bater em uma mulher de forma legalizada”. Outra publicação transfóbica traz uma montagem do lutador Mike Tyson de peruca, com a seguinte legenda: “Procura-se mulher trans pra lutar com essa moça aqui que se identifica como mulher também”. 
Monitoramento feito pela Lupa a partir de dados coletados pelo monitor da Palver em grupos públicos do WhatsApp e Telegram também mostra que dezenas de mensagens enganosas e de cunho transfóbico circularam em grupos de mensagem entre quinta e sexta-feira (2). 
Dentre os exemplos está uma mensagem que afirma que a atleta italiana Angela Carini teria desistido após ter sido “espancada” pela boxeadora argelina, que, por sua vez, se declarou mulher trans — ambas as informações são falsas. Segundo a ferramenta da Palver, a mensagem alcançou ao menos 555 diferentes usuários do WhatsApp. 
Outra mensagem afirmava que a boxeadora italiana teve “seus sonhos olímpicos destruídos por um homem”. O texto também chamava a lutadora de criminosa e afirmava que a Olimpíada teria permitido “violência masculina contra as mulheres”. A publicação alcançou mais de 100 diferentes usuários do WhatsApp.

Entenda o caso

Como a Lupa mostrou, a onda de desinformação é baseada em informações descontextualizadas sobre a desqualificação da Imane Khelif no Mundial de Boxe de 2023, horas antes de ela disputar a medalha de ouro. Naquele ano, a Associação Internacional de Boxe (IBA) eliminou Khelif e a taiwanesa Lin Yu Ting por falharem nos critérios de elegibilidade. A entidade, contudo, nunca divulgou os resultados dos testes por sigilo médico. O presidente da IBA afirmou na época ter identificado atletas “fingindo ser mulheres” com exames de DNA mostrando cromossomos XY, mas não citou nomes, tampouco mostrou os resultados dos testes.
A presença de cromossomos XY em uma mulher não prova que ela tenha mudado de identidade de gênero, pois existem casos raros de mulheres com um cromossomo Y devido a uma mutação chamada Diferença de Desenvolvimento Sexual (DDS). Desde a última edição dos Jogos Olímpicos, realizada em Tóquio em 2021, o Comitê Olímpico Internacional (COI) permite a participação de atletas com DDS.
A entidade publicou uma nota em 1º de agosto criticando a decisão da IBA de eliminar Khelif do Mundial de 2023, que foi tomada sem procedimento adequado e baseada em uma decisão arbitrária. O COI também destacou que Khelif já competia em alto nível há muitos anos.

Outros posts desinformativos 

Além do caso da atleta argelina, outras publicações enganosas de cunho transfóbico começaram a circular nas redes sociais. A Lupa desmentiu outros dois boatos relacionados ao tema que estavam circulando nos últimos dias.
O primeiro foi uma foto editada da atleta russa Yelena Isinbayeva, do salto com vara, com um volume na região pélvica. A montagem — apesar de ser rudimentar —, circulou em grupos de WhatsApp com mensagens de cunho transfóbico, como a frase “ele se sente uma mulher” e xingamentos contra Isinbayeva, que, na realidade, é uma mulher cisgênero. Ou seja, ela se identifica com o sexo biológico que lhe foi atribuído ao nascer. Além disso, a foto original é de 2013 e não tem relação alguma com a Olimpíada de Paris. 
Compare, abaixo, a montagem que circulou nas redes sociais com a foto original:
Outra publicação desmentida pela Lupa é um vídeo mostrando duas mulheres cisgênero lutando kickboxing, afirmando falsamente que a vencedora da luta é transgênero. A legenda do post dizia: “Você acabou de assistir um homem bater em uma mulher de forma ‘legalizada’ porque ele simplesmente se considera mulher” — mesma narrativa usada para atacar a atleta Imane Khelif. Como no caso anterior, o vídeo é antigo (2021) e sem relação com o atual campeonato olímpico.

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Nota: Este conteúdo faz parte do projeto Mídia e Democracia, produzido pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV ECMI) e a FGV Direito Rio em parceria com Democracy Reporting International e a Lupa. A iniciativa é financiada pela União Europeia.
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