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É falso que ‘homens biológicos’ competirão pelo ouro no boxe em Paris
08.08.2024 - 20h29
Florianópolis - SC
Circula pelas redes sociais que ‘dois homens biológicos’ derrotaram mulheres durante as disputas do boxe feminino dos Jogos Olímpicos de Paris e agora competirão entre eles pela medalha de ouro. A informação é acompanhada de fotos das boxeadoras Imane Khelif, da Argélia; e Lin Yu Ting, de Taiwan. É falso. 
Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que esse conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação​:
“Vejam que irônico. Depois de derrotar todas as mulheres, dois homens biológicos competirão pelo Ouro Olímpico no boxe-feminino”
– Texto em imagem que circula no WhatsApp
Falso
As duas ateltas que aparecem nas fotos são mulheres cisgênero — e não “homens biológicos”. A boxeadora da esquerda é a argelina Imane Khelif, que compete na categoria peso médio (até 66 quilos) feminino. Já a da direita é a taiwanesa Lin Yu Ting, da categoria peso pena (até 57 quilos) feminino
Nenhuma das duas mudou a identidade de gênero ou se identifica como pessoa trans. Ambas nasceram mulheres, estão inscritas como mulheres nos Jogos Olímpicos de Paris e seguiram todos os requisitos do Comitê Olímpico Internacional (COI). Não há qualquer prova de que elas sejam intersexuais (pessoas que nascem com características sexuais que não se encaixam nas definições e noções binárias de corpos masculinos ou femininos).
Após conteúdos de ódio e falsos direcionados às boxeadoras — posts falsos contra Imane Khelif já foram desmentidos pela Lupa —, o Comitê se pronunciou no dia 1º de agosto e informou que elas passaram por todos os exames e regulamentos desde a classificatória para a Olimpíada e estavam aptas para competir nos Jogos de Paris como mulheres. O COI também condenou as agressões e discriminação contra as atletas.
Vale pontuar que elas competem em categorias diferentes — Khelif na categoria peso médio e Yu Tin na categoria peso pena. Em nenhum momento da Olimpíada elas se encontraram no ringue. Depois de vencer a semifinal contra a tailandesa Janjaem Suwannapheng em 6 de agosto, Khelif vai lutar pelo ouro contra a chinesa Liu Yang em 9 de agosto. Já a taiwanesa Lin Yu Ting disputará o ouro no dia 10 de agosto contra a polonesa Julia Szeremeta.
Em entrevista, o porta-voz do COI, Mark Adams, afirmou que tanto Khelif quanto Yu Tin “perderam e venceram contra outras mulheres através do tempo e precisamos deixar muito claro, isto não é uma questão transgênero”. Também alegou que “houve alguns erros de reportagem” e que “é muito importante dizer que não é uma questão de pessoas transgêneros”.
Na Olimpíada de Tóquio, em 2021, elas não ganharam nenhuma medalha.

Ataques começaram após informações distorcidas sobre Mundial de Boxe de 2023

Os conteúdos falsos e de ódio contra a comunidade trans e contra Imane Khelif e Lin Yu Ting foram baseados em informações descontextualizadas e incompletas sobre a desqualificação das duas atletas no Mundial de Boxe de 2023
Naquele ano, a Associação Internacional de Boxe (IBA) eliminou as duas boxeadoras porque elas supostamente falharam nos critérios de elegibilidade. Até hoje o IBA não divulgou o resultado dos testes que as eliminaram por sigilo médico. Vale pontuar que, ainda em 2023, o presidente da organização, durante uma entrevista, afirmou que a IBA tinha identificado atletas que “fingiam ser mulheres” a partir de exames de DNA que apontaram a presença dos cromossomos XY (combinação de cromossomos que define o gênero masculino) — ele não citou nomes. Como explicado, esses resultados nunca foram divulgados.  
A presença de cromossomos XY em uma mulher não prova que ela tenha mudado de identidade de gênero. Existem casos raros de mulheres com características biológicas femininas que, mesmo assim, apresentam um cromossomo Y em razão de uma mutação, chamada pela medicina de Diferença de Desenvolvimento Sexual (DDS). Desde a última edição dos Jogos Olímpicos, realizada em Tóquio em 2021, o COI permite a participação de atletas com DDS.  
Segundo nota publicada pelo COI em 1º de agosto, a decisão da IBA de eliminar Khelif do Mundial em 2023 foi tomada sem nenhum procedimento adequado. O Comitê criticou o fato de a decisão ter sido inicialmente tomada, à época, “exclusivamente pelo secretário-geral e CEO da IBA” e que o Conselho da IBA só ratificou posteriormente a resolução. O COI afirmou ainda que a agressão à atleta baseou-se na “decisão arbitrária, tomada sem qualquer procedimento adequado”, e sem levar em conta que ela já participava de competições de alto nível há muitos anos.
Vale ainda destacar que o COI excluiu em 2023 a IBA dos Jogos Olímpicos por falhas recorrentes em integridade e transparência na governança. A associação também foi acusada de manipulação de resultados e corrupção.

‘Isso pode destruir pessoas’, diz atleta vítima de fakes

"Envio uma mensagem a todas as pessoas do mundo para defenderem os princípios olímpicos. Para se absterem de intimidar os atletas, porque isso tem efeitos, efeitos enormes. Isso pode destruir pessoas, pode matar os pensamentos, o espírito e a mente das pessoas. Isso pode dividir as pessoas. E por causa disso, peço-lhes que evitem esse assédio moral."
– Imane Khelif, boxeadora argelina
Em 2 de agosto, reportagem da Lupa mostrou como a desinformação sobre a boxeadora argelina Imane Khalif gerou onda de transfobia nas redes sociais. Em nota publicada em 7 de agosto, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) lamentou os episódios de transfobia contra as atletas. A entidade afirmou que os ataques foram não porque as atletas são mulheres, “mas pelas acusações de supostamente serem mulheres trans” e que “não existem provas ou informações seguras de que seriam intersexo ou teriam altos níveis de testostetona”. A Antra ainda enfatizou que a “estética e imagem não-normativas” tornaram-se “fatores de risco ante a patrulha de gênero que persegue pessoas trans”.
Nota: Este conteúdo faz parte do projeto Mídia e Democracia, produzido pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV ECMI) e a FGV Direito Rio em parceria com Democracy Reporting International e a Lupa. A iniciativa é financiada pela União Europeia.

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Catiane Pereira
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