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Fraude na eleição de 94 impulsionou a criação da urna eletrônica
26.08.2024 - 14h00
João Pessoa - PB
Quando as urnas eletrônicas foram usadas pela primeira vez no Brasil, em outubro de 1996, havia uma desconfiança no ar em relação ao sistema. As eleições anteriores de 1994 foram marcadas por episódios de fraudes na votação que, à época, era por meio de cédulas de papel. 
Uma das fraudes era conhecida pela expressão 'urna grávida' — quando cédulas já preenchidas eram depositadas na urna de lona antes do início da votação. 
"As urnas tinham uma fenda por onde só passava uma cédula, mas, ao derramá-las sobre a mesa, havia bolos de votos com elástico enrolados em um jornal. Ou seja, não tinha como esse bolo de voto entrar a não ser que, como se usava a expressão na época, se ‘engravidassem’ as urnas", lembra o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), à época juiz eleitoral da 25ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro.
Desde que o sistema eletrônico começou a ser usado no Brasil, não se registram casos de fraudes eleitorais envolvendo a captação ou totalização de votos. As urnas vêm ganhando cada vez mais recursos que possibilitam a segurança e a fidedignidade dos resultados, além de diversas etapas de auditorias — antes, durante e após o fim da eleição. Os procedimentos de fiscalização das urnas estão previstos na Resolução nº 23.603/2019.
Apesar de toda a informação disponível, posts desinformativos já desmentidos em eleições anteriores volta e meia aparecem nas redes sociais. Os exemplos de publicações enganosas que se repetem a cada dois anos são muitos: desde conteúdos que afirmam que as urnas no Brasil não são auditadas — em defesa do voto impresso — ou de que os resultados podem ser manipulados no momento do voto.  
Jornal O Estado de S. Paulo com manchete sobre fraude nas eleições de 1994. Foto: Acervo Estadão
Eleitores nos 26 estados e em mais de 5,5 mil cidades de todo o país vão às urnas este ano. Por isso, a Lupa produziu uma série de três reportagens especiais sobre o funcionamento das urnas eletrônicas para fazer frente a um dos principais alvos de discursos desinformativos no período eleitoral. Neste primeiro capítulo, mostramos como a fraude nas eleições de 1994 impulsionaram o desenvolvimento do sistema eletrônico de votação.

Eleições de 94 no Rio anuladas

"Por decisão unânime, os sete juízes do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio decidiram ontem anular as eleições no Estado para deputados federais e estaduais e convocar novo pleito para o dia 15 de novembro, com garantia das Forças Armadas".
O trecho acima, publicado pela Folha de S. Paulo em 20 de outubro de 1994, trazia a notícia da anulação das eleições proporcionais no Rio de Janeiro para os cargos de deputado estadual e federal. A decisão havia sido tomada por causa dos diversos indícios de fraude na apuração quanto na digitação do mapa de resultados, que à época era feita de forma manual. Isso ocorria durante o fechamento das urnas, quando era realizada a transferência de votos de uma candidatura para outra. Se, por exemplo, ambos os candidatos tivessem recebido 50 votos, eram registrados 80 para um e 20 para o outro, mantendo o total de 100 votos. 
Jornais à época noticiam a anulação das eleições no Rio em 1994 Foto: Acervo Folha/Estadão
A desconfiança de indício de fraude começou pelo baixo índice de votos em branco. Nas eleições de 1990, o Estado do Rio de Janeiro teve 20,8% de votos brancos. No pleito de 1994, esse índice caiu para 10,87%. Falsificações de assinaturas, cédulas preenchidas com caligrafia idêntica, votos fantasmas, dentre outras irregularidades eram sintomas de que aquelas eleições tinham suspeitas de fraude.
O jornal O Estado de S. Paulo à época divulgou que o TSE havia detectado a existência de quase 1 milhão de votos potencialmente fraudados no Rio. Por exemplo, os votos de uma urna na 88ª zona foram impugnados porque havia 45 votos para um candidato escritos com a mesma caligrafia. Uma outra urna da 11ª zona foi anulada porque o candidato tinha cerca de 300 votos no total de 400.
O então procurador eleitoral do Rio, Alcir Molina, chegou a responsabilizar 'banqueiros' do jogo do bicho e o crime organizado pelas fraudes na apuração do estado. "Eles construíram o novo voto de cabresto e estão organizando a fraude", acusou. A sede do TRE-RJ teve sua vigilância reforçada após o recebimento de um telefonema anônimo com ameaças de morte. À época, o juiz eleitoral Luiz Fux foi ameaçado pelo Comando Vermelho (CV), facção supostamente também envolvida nas fraudes. "Isso parte de um grupo de pessoas contrariadas com meu trabalho contra as fraudes", declarou Fux.
A decisão foi a de refazer a eleição proporcional para o dia 15 de novembro de 1994. 80 mil homens das Forças Armadas e das Polícias Federal, Civil e Militar ocuparam os pontos críticos definidos pela Justiça Eleitoral para fazer a segurança da área. 
Tiroteio em zona eleitoral do Rio fede duas pessoas em nova votação. Foto: Folha

Criação da urna eletrônica

As fraudes que ocorreram em 1994 com as cédulas de papel em urnas de lona não foram as únicas da história da Justiça Eleitoral. Em 1990, o Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas anulou 117 urnas da Primeira Zona Eleitoral de Maceió e as eleições dos municípios de Girau do Ponciano, Belo Monte, Batalha, Jacaré dos Homens e Campo Alegre, onde foram constatadas denúncias de fraudes. 
A fraude de 1994 impulsionou a Justiça Eleitoral a adotar um novo sistema para combater irregularidades nas urnas. "Para acabar de vez com as fraudes nas eleições, é necessário informatizar o voto”, lembra o presidente do TSE na época das eleições de 1994, ministro Sepúlveda Pertence. Assim, foi instalada uma comissão composta por magistrados e especialistas com o objetivo de propor atualizações das leis eleitorais e definir estratégias para informatizar o voto. 
O primeiro protótipo de urna eletrônica foi desenvolvido em 1995 pelo TRE-RS em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Era uma maleta fácil de ser transportada, que possuía monitor sensível ao toque. Um outro protótipo de urna foi criada pelo TRE de Mato Grosso. O equipamento já previa a emissão da zerésima e do Boletim de Urna (BU) como formas de auditar o voto eletrônico.
A partir dos protótipos, se produziu o modelo de urna que comumente nos adaptamos, desenvolvido por grupo técnico formado por servidores do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), do TSE, da Telebrás, dos Ministérios do Exército e da Marinha e do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).
A primeira urna eletrônica de 1996 já contava com a impressão do Boletim de Urna (BU), que assegurava que os resultados gravados na urna não poderiam ser alterados. O BU é o documento impresso nas seções eleitorais ao encerramento da votação que registra o número de votos direcionado a cada candidato. 
Urna eletrônica usada nas eleições de 1996. Foto: TSE
Já nas próximas eleições para prefeitos e vereadores, em 1996, os 53 municípios com mais de 200 mil eleitores do país deverão dispor de cabines eletrônicas de votação. A medida deve beneficiar 30 milhões de cidadãos, cujo veredicto nas urnas não será modificado mediante fraude, fenômeno que, infelizmente, ainda é muito corriqueiro no país
– Editorial Folha de S. Paulo, 25 de agosto de 1995
As eleições de 2000 foram as primeiras 100% informatizadas — após os testes bem-sucedidos feitos nos pleitos de 1996 e 1998. Ao todo, 353.780 urnas eletrônicas foram usadas pelo eleitorado apto a votar naquela época, um total de 109,7 milhões de eleitores.
Desde a primeira eleição com o voto eletrônico, foram produzidos 14 modelos de urnas eletrônicas (1996, 1998, 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2009, 2010, 2011, 2013, 2015, 2020, 2022). Nas eleições de 2024, serão usados os modelos de 2015, 2020 e 2022, por causa da vida útil das máquinas de 10 anos.
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Ítalo Rômany
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