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Fakes sobre urnas nunca provaram invasão de hackers nem fraude em votos
28.08.2024 - 14h00
João Pessoa - PB
Vez ou outra conteúdos desinformativos sobre urnas eletrônicas já desmentidos voltam à tona, a exemplo de um vídeo bastante disseminado nas eleições de 2018. A gravação sugeria um suposto esquema de fraude, onde um eleitor pressionava o número 1 na urna eletrônica e, automaticamente, aparecia o então candidato à Presidência pelo PT, Fernando Haddad. "Basta colocar o número 1 na urna e ela escolhe o candidato pra você", dizia a legenda da publicação. O vídeo é, na verdade, uma montagem.
A Lupa desmentiu ao menos 20 boatos sobre urnas eletrônicas de 2023 a agosto de 2024, muitos deles como parte dos desdobramentos associados aos ataques golpistas de 8 de janeiro do ano passado. Nenhuma das fakes compartilhadas provou qualquer tipo de fraude no sistema eleitoral. 
Um dos posts disseminados nas redes nesse período trazia uma fala de Walter Delgatti Neto, conhecido como “hacker da Vaza Jato”, durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, em agosto de 2023. Ele afirmou que uma pessoa de dentro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poderia alterar o código-fonte da urna eletrônica. A legenda do post enganoso afirmava que essa seria a prova de que houve manipulação nas eleições.
Vale lembrar que, segundo o TSE, desde 1996, quando o voto eletrônico foi implantado, não se registram no Brasil casos de fraudes eleitorais envolvendo a captação ou totalização de votos. Além disso, o código-fonte da urna é mantido sob um sistema de controle de versões de software, com acesso restrito e registro de todas as modificações. Esse controle permite que, na cerimônia de lacração, os fiscais possam analisar se houve alguma mudança ou manipulação, sendo possível identificar o que foi modificado e quem realizou esse serviço.
Campanhas desinformativas sobre as urnas eletrônicas não são de agora. Os ataques aumentaram principalmente a partir de 2018, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou o sistema eleitoral.
Ao contrário do que afirma Bolsonaro, as urnas eletrônicas são seguras e passam por etapas de verificação de segurança que atestam a confiabilidade no pleito. De acordo com o TSE, todo o processo eleitoral é auditável e conta com diversas auditorias antes, durante e depois das eleições.
Eleitores nos 26 estados e em mais de 5,5 mil cidades de todo o país vão às urnas este ano. Por isso, a Lupa produziu uma série de três reportagens especiais sobre o funcionamento das urnas eletrônicas para fazer frente a um dos principais alvos de discursos desinformativos no período eleitoral. Nesta última reportagem, recuperamos os principais eixos desinformativos sobre urnas eletrônicas e o sistema eleitoral que se repetem frequentemente a cada pleito. 

Sigilo do voto

Nas eleições de 2022, o influenciador argentino Fernando Cerimedo, apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro, fez diversas afirmações falsas sobre o sistema eleitoral. Dentre os exemplos, ele chegou a afirmar em um vídeo que havia chegado até as suas mãos um relatório secreto que provava irregularidades. Segundo Cerimedo, houve uma diferença de votos para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entre as urnas do modelo de 2020, em relação às mais antigas. O documento citado no vídeo, no entanto, é um material apócrifo que já foi amplamente desmentido
O influenciador argentino também publicou um print de uma imagem que supostamente provaria que o código-fonte da urna eletrônica é capaz de armazenar o nome do eleitor, quando votou, onde votou e em quem votou. "Agora temos em mãos os nomes e votos de 100% dos eleitores", postou. A Lupa desmentiu conteúdo semelhante. 
O TSE explica em seu site que não há como saber em quem o eleitor votou. Isso porque o log das urnas eletrônicas — onde ficam registradas todas as operações da máquina — não registra informações como número do título de eleitor e nem revela o voto.
A imagem que circula nas redes mostra uma lista de nomes de eleitores que teriam tido os votos identificados pelos logs das urnas. O TSE explica que alguns nomes de pessoas podem aparecer nos logs das urnas quando o mesário erra o nome ao digitar os dados do título de eleitor no terminal. "Se essa escrita falhar, então é registrado no log o texto que se tentou escrever. Se esse texto for o nome do eleitor, então ele pode ficar registrado no log. O nome do eleitor é exibido no terminal do mesário para a conferência da identidade do cidadão. Contudo, em hipótese alguma, essa anotação revela o voto da pessoa", lembra o TSE.
Os logs das urnas são públicos e podem ser acessados pelo site do TSE. No caso, por exemplo, da 53ª seção eleitoral da 111ª zona, em Caturama (BA), é possível constatar o erro na grafia de nomes. O arquivo em nenhum momento mostra em qual candidato o eleitor votou.
Trecho de arquivo de log que mostra erro na escrita de nome de eleitor na cidade de Caturama (BA)
O log das urnas eletrônicas também esteve envolvido em outra narrativa falsa. Um conteúdo que circula nas redes afirma que o Partido Liberal (PL) teria encontrado irregularidades em 60% das urnas utilizadas nas eleições de 2022. Com a anulação dos votos irregulares, o vencedor do pleito seria Jair Bolsonaro. O vídeo começou a ser disseminado semanas após o segundo turno das eleições presidenciais de 2022, quando o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e outros integrantes da sigla alegaram a existência de uma falha nos arquivos de log das urnas fabricadas antes de 2020 para alegar a irregularidade. A verdade é que o relatório do partido tinha alegações frágeis e não apontava falhas que colocassem em risco a integridade dos resultados.

Manipulação de resultados

Nas eleições de 2022, circulou o boato de que hackers conseguiram “quebrar” o código-fonte das urnas eletrônicas e descobriram que o então presidente Jair Bolsonaro havia sido reeleito com 73,5% dos votos válidos. Na realidade, o acesso ao programa que roda nos equipamentos é restrito e só pode ser autorizado pelo TSE – o que ocorre sempre no período anterior à disputa. 
Os sistemas eleitorais — ativados por senhas geradas pelo TSE — só funcionam nos computadores da Justiça Eleitoral. Dessa forma, mesmo que os sistemas sejam interceptados, não há possibilidade de instalação dos arquivos em computadores externos. Além disso, a urna não é conectada a internet, por isso, não é possível acessá-la via rede.
Ou seja, é impossível alguém 'invadir' a urna eletrônica durante a votação para manipular os resultados. 
Segundo o TSE, a urna não possui o hardware necessário para se conectar a uma rede e tampouco a qualquer forma de conexão com ou sem fio. Além disso, as mídias utilizadas pela Justiça Eleitoral para a preparação da urna e gravação dos resultados são protegidas por técnicas modernas de assinatura digital. A segurança e o isolamento das urnas vêm desde o seu processo de fabricação. O único cabo que ela possui é o de energia e, se for necessário, ela poderá ficar ligada somente na bateria por mais de dez horas, por exemplo, caso falte luz. As urnas também saem da fábrica sem operação e, para que entrem em funcionamento, são necessários alguns procedimentos, como o de verificação da certificação digital.
Roberto Jayme/Ascom/TSE
Um outro vídeo bastante compartilhado desde as eleições de 2020 é o de uma simulação do funcionamento de uma urna eletrônica. Na gravação, uma placa programável chamada Arduino é utilizada para demonstrar como seria possível manipular um processo de votação. A publicação é seguida de uma legenda que supõe que esta é a forma com que as urnas eletrônicas são fraudadas. Os componentes usados na simulação não são os mesmos utilizados oficialmente pelo TSE – logo, essa teoria não faz nenhum sentido.

Fraude nos votos por causa dos mesários

Alegações falsas compartilhadas ainda durante o decorrer da votação envolvem principalmente os mesários. Dentre os exemplos, há uma gravação em uma seção eleitoral de Rio Branco (AC), em que uma mulher mostra o terminal do mesário enquanto um dos eleitores vai à urna eletrônica votar. Após a computação do voto, ela diz que o eleitor votou duas vezes, sendo um voto para cada candidato à Presidência nas eleições de 2022: Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. 
"O eleitor foi votar na urna e foi votado para dois presidentes: Lula e Bolsonaro. [O voto] foi computado para os dois", diz a mulher na gravação. O suposto registro de dois votos para presidente seria um indicativo de que a urna já teria sido programada para garantir a vitória de um dos políticos que concorriam à vaga. É falso. A Justiça Eleitoral explica que, no terminal do mesário, não há indicação de quem o eleitor votou
Nas eleições municipais de 2020, posts alegaram ainda uma suposta fraude cometida por mesários, que consistia na abertura do sistema das urnas, por meio de senha, para descarregar votos em outros candidatos. Não é possível transferir votos ou adulterar a votação de uma urna. 

Contagem dos votos

Uma das principais narrativas desinformativas sobre urnas frequentemente está associada à apuração dos votos. Em novembro de 2023, circulou um vídeo em que o narrador insinuava que, a cada 12% das urnas apuradas, Lula subia 1% e Bolsonaro caía 0,5% — sugerindo que os votos foram programados anteriormente. Os resultados parciais de Bolsonaro e Lula mostrados na gravação são falsos e, portanto, não é possível observar qualquer tendência “regular” ou “programada” de queda e crescimento na votação dos candidatos durante a totalização dos votos.
O TSE disponibiliza, em seu portal de dados abertos, o histórico da totalização do pleito. A planilha registra em detalhes o avanço da contabilização dos votos — indicando, entre outros dados, o percentual de urnas apuradas e a quantidade de votos recebidos por cada candidato até determinado horário.
O TSE ressalta ainda que o processo de totalização dos votos é realizado na medida em que os dados dos Boletins de Urna (BUs) são enviados. "Ou seja, não há uma ordem pré-definida de quais localidades ou regiões terão os votos totalizados em primeiro ou em último lugar. Da mesma forma, não existe nenhum algoritmo programado para ditar a porcentagem atingida por cada candidatura ao longo do processo de soma dos votos", explica.
Como já explicamos no capítulo 2 desta série, o BU é um comprovante que traz o total de votos por partido, o total de votos por candidato, o total de votos em branco, o total de comparecimento e o total de votos nulos. Além disso, inclui dados como identificação da seção e zona eleitoral, a hora do encerramento da eleição, o código interno da urna eletrônica e a sequência de caracteres para validação do boletim. Após o encerramento da votação, a urna imprime, em cinco vias, o BU. Uma das vias impressas é afixada imediatamente no local de votação, visível a todos, para que o resultado da urna se torne público.
Vale lembrar que a urna eletrônica possui, desde 2004, um dispositivo que permite a recontagem dos votos por meio do Registro Digital do Voto (RDV), também chamado de “cédula digital”. O RDV é um arquivo que contém os votos registrados, como uma tabela. Ele armazena, de forma aleatória, o voto exatamente como foi registrado na urna. Isso permite a auditoria da apuração e o sigilo do voto. A medida evita a possibilidade de se vincular o eleitor na fila da seção ao respectivo voto.
Assim como em urna tradicional, em que as cédulas de papel ficam embaralhadas, impossibilitando a vinculação de cada cédula a determinado eleitor, no RDV cada voto é gravado em ordem aleatória do arquivo. Além disso, para cada cargo, é armazenado em ordem diferente, o que impossibilita qualquer tipo de associação entre votos, bem como a associação desses votos com a sequência de comparecimento dos eleitores.
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Ítalo Rômany
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