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Motivo, intimação e VPN: entenda os principais pontos do embate STF e X
29.08.2024 - 19h16
Rio de Janeiro - RJ
Sede do Supremo Tribunal Federal.Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Esta reportagem foi atualizada após a decisão do Ministro Alexandre de Moraes de suspender o X.
10.09.2024 - 11h03
Desde que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), intimou o empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), em um post na rede a indicar o novo representante legal da empresa no Brasil, este virou um dos assuntos mais comentados nas redes sociais no país. A intimação foi feita às 20h07min, desta quarta-feira (28), e deu ao X um prazo de 24 horas para ser cumprida, caso contrário, a decisão prevê a suspensão do X no Brasil.
Musk reagiu, nesta quinta-feira (29), com uma série de publicações contra Moraes, algumas com uso de inteligência artificial (IA). Em um dos posts o ministro está algemado atrás de grades com a legenda "Um dia, @Alexandre, essa foto sua na prisão será real. Marque minhas palavras". Em outro post, Moraes está usando sabres de luz vermelhos com a legenda "Grok “Gere uma imagem como se Voldemort e um Lorde Sith tivessem um filho e ele se tornasse um juiz no Brasil” É estranho! ", indicando que a imagem foi criada com a Grok, ferramenta de IA do X. 
Nesta quinta (29), se tornou pública a informação sobre Moraes ter bloqueado as contas da Starlink no Brasil para garantir o pagamento de multas relacionadas ao X, que somam mais de R$ 20 milhões. A Starlink é outra empresa de Musk que oferece internet via satélite. Em resposta, o empresário compartilhou um post com a informação no X e publicou que Moraes é um “tirano e ditador”, e que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é seu “cachorrinho de estimação”.
O assunto provocou a reação dos usuários da rede que compartilharam memes e dúvidas sobre o canal utilizado pelo STF para a intimação e o futuro da rede no Brasil, sugerindo o uso de ferramentas para burlar o possível bloqueio. Abaixo, a Lupa responde os principais questionamentos. 

Por que o STF intimou Elon Musk?

De acordo com nota publicada pelo STF, a intimação ocorre porque Musk é investigado no Inquérito nº 4957, que apura a suposta prática de delitos de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime. Conforme o documento, a ação é baseada no artigo 12, inciso III, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), o qual determina que é cabível a suspensão temporária das atividades de provedores de conexão e de aplicações de internet que não respeitem, por exemplo, a legislação brasileira e o sigilo das comunicações privadas e dos registros.
Importante ressaltar que, desde abril, Musk também é investigado no Inquérito das Milícias Digitais, que apura a atuação criminosa de grupos suspeitos de disseminar notícias falsas em redes sociais para influenciar processos políticos.

Como surgiu a investigação contra Musk?

O Inquérito nº 4957, que levou à atual intimação, foi aberto em 8 de abril, dois dias após o empresário questionar Moraes, em um post no X, sobre o motivo de haver "tanta censura no Brasil". No mesmo dia, Musk ainda postou que estaria levantando todas as restrições aplicadas à plataforma, e alegou que o magistrado aplicou pesadas multas, ameaçou prender funcionários da rede social e cortar o acesso ao X no Brasil. Ele ainda mencionou que poderia ter que fechar o escritório no país. 
Os posts de Musk ocorreram logo após o vazamento de e-mails internos do X, em 3 de abril, com críticas às decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2022, sobre a remoção de conteúdo da rede social e o fornecimento de dados cadastrais de usuários. À época, Moraes era o presidente do Tribunal
Moraes incluiu Musk no Inquérito das Milícias Digitais, em 7 de abril e determinou que o X deveria se abster de "desobedecer qualquer ordem judicial já emanada" pela Justiça brasileira, incluindo reativar perfis cujo bloqueio foi determinado pelo Supremo ou pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ainda ficou determinado que, em caso de descumprimento, seria aplicada uma multa diária de R$ 100 mil, por perfil, além de enquadrar os responsáveis legais pelo X no Brasil por desobediência à ordem judicial.
Em 17 de agosto, o X anunciou o fechamento de seu escritório no Brasil e culpou Moraes. De acordo com nota publicada na Conta Global Government Affairs do X, Moraes teria ameaçado o representante legal da empresa no Brasil com prisão por desobedecer decisões. “Moraes optou por ameaçar nossa equipe no Brasil em vez de respeitar a lei ou o devido processo legal”, destacou. Embora não mantivesse mais representação no país, a nota indicava que a plataforma seguiria disponível para seus usuários no Brasil.

A intimação contra Musk, feita via X, tem validade?  

O tema tem dividido opiniões, mas para especialistas consultados pela Lupa, a intimação via X é inválida. Em nota, a advogada e professora Andréa Rocha, especialista em direito público e coordenadora de Direito Internacional do Instituto Brasileiro de Recursos e Processos nos Tribunais Superiores (IRTS), afirma que não há regulamentação legal que sustente uma intimação feita por meio de redes sociais, especialmente em processos de natureza criminal. 
“Atualmente, não há uma legislação nacional e unânime que regulamente ou possibilite as intimações via redes sociais, e os Tribunais têm emitido resoluções para possibilitar algumas situações em processos cíveis, após a nova redação do art. 270 do Código Processo Civil. No entanto, a Petição 12.404, objeto em análise, presume-se ter natureza criminal, não havendo falar em intimação eletrônica”, explica Rocha. A advogada afirma que o sistema jurídico brasileiro possui formas de notificar réus no exterior via canais diplomáticos. Portanto, métodos não previstos em lei só deveriam ser usados após esgotadas todas as opções legais. “Antes de tentar algo que não possui previsão legal, as tentativas legais deveriam ter sido anteriormente esgotadas”, diz.
Na mesma linha, o advogado Paulo Peixoto, professor de direito constitucional e direitos humanos na Damásio Educacional, classificou a intimação como atípica e aponta para a possibilidade de anulação da mesma. “Por se tratar de empresa estrangeira, deveria ter sido determinada a expedição de carta rogatória, conforme o Código de Processo Penal e tratados internacionais. Nesse sentido, há possibilidade de eventual declaração de nulidade do ato”, explica Peixoto. 
André Marsiglia, advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão, afirma que a intimação “não é válida”. Ele explica que a intimação deve ser entregue pessoalmente. Marsiglia também aponta que há um problema no próprio documento: “Musk não é o CEO da empresa, o destinatário da intimação precisa responder legalmente por ela”, argumenta. A atual CEO da empresa é, na realidade, Linda Yaccarino
Para os especialistas, o envio da intimação via rede social é justificável caso os meios tradicionais para o envio já tenham sido esgotados antes. 
Rocha também destaca que não é possível avaliar com clareza a decisão de Moraes, já que o processo segue em segredo de justiça, impedindo a população e o acusado de conhecerem o rito adotado pelo tribunal e que, portanto, compreendam com clareza a motivação para a intimação via rede social. “Se o Ministro de fato entende que há justificativa para a referida intimação via rede social, melhor seria que trouxesse a público suas razões”, argumenta a advogada. 
Apesar disso, o tema não é consenso. Em entrevista ao Correio Braziliense, o advogado Hebert Freitas afirmou que, na ausência de representantes da empresa no país e diante de sua omissão, a intimação via rede social pode ser uma alternativa. “Se a empresa não tem representantes no país e se omite, intimar via rede social parece ser a ultima ratio. Não seria surpresa se já suspendesse de pronto, inclusive. Só não o fez pela repercussão. Alexandre tem vários erros. Intimar via X, nesse caso, não me parece um deles".
A discussão sobre validade das intimações eletrônicas nos tribunais brasileiros tem sido intensificada desde 2017 e ganhou força com a Resolução nº 354/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regulamenta a citação e intimação por aplicativos e redes sociais. Em artigo para o UOL, o mestre e doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo Wilton Gomes, explica que apesar da ausência de uma legislação federal específica para intimações via redes sociais, o princípio da instrumentalidade das formas pode validar o ato se ele cumprir seu objetivo sem prejudicar as partes. “A intimação de Elon Musk, via X, por meio de seu perfil pessoal, e mais, as respostas lançadas por ele, dando prazo a que se constate que de fato ele "recebeu" a intimação, que esta é de seu conhecimento incontestável, seria suficiente para a convalidação da intimação processual, a despeito de não estar prevista em lei federal e parecer atípica”, escreveu Gomes.
Segundo o STF, a intimação via X é inédita no Brasil. Em nota, a Corte destacou que a plataforma não tem representante legal no Brasil e que o advogado constituído nos autos do processo também foi intimado. 

Com o X bloqueado, usuários ainda poderão acessar a rede por outros meios? 

Não. Nesta sexta-feira (30), Moraes determinou a suspensão X por desrespeitar a intimação de quarta-feira (28 e não indicar o representante legal no Brasil. A decisão determina que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e empresas como Apple, Google, provedores de internet e operadoras de telefonia, como Claro, Tim e Oi, adotem medidas para bloquear o acesso ao aplicativo "X" no Brasil.  Dessa forma, em breve, os usuários não conseguirão acessar a plataforma a partir de dispositivos com endereço de IP no Brasil (Internet Protocol) — um endereço único atribuído a cada dispositivo em uma rede para identificar e localizar sua comunicação na internet. 
A decisão também proíbe o que usuários adotem meios tecnológicos alternativos, como o uso de VPN (Rede Virtual Privada) — que disfarça a localização do dispositivo, permitindo acessar o X como se estivesse em outro país. Caso o usuário tente acessar via VPN, ele será multado em R$ 50 mil por dia, segundo a decisão. Veja abaixo:  
“A aplicação de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) às pessoas naturais e jurídicas que incorrerem em condutas no sentido de utilização de subterfúgios tecnológicos para continuidade das comunicações ocorridas pelo ‘X’, tal como o uso de VPN (‘virtual private network’), sem prejuízo das demais sanções civis e criminais, na forma da lei”, descreve a decisão (página 50).
O advogado Andre Marsiglia classificou a decisão de punir o usuário pelo uso de VPN como irregular. “Eu entendo que essa decisão seja ilegal, irregular. Porque você não pode, dentro de um processo, punir pessoas que não estão vinculadas ao processo, você pode punir as partes, você não pode punir terceiros. E os usuários, nesse caso, são terceiros. A ferramenta VPN não é ilícita, então não haveria nenhum problema”, explicou à Lupa.


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