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Moraes x Musk: fakes de vídeos ‘censurados’ ganham força em grupos conspiratórios após novo embate
30.08.2024 - 17h45
João Pessoa - PB
Nesta sexta-feira (30), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão do X no Brasil. A decisão foi tomada após a plataforma não obedecer a ordem de indicar um representante legal no país. O ministro determinou ainda multa de R$ 50 mil diária a qualquer pessoa ou empresa que utilizar alternativas como VPNs para acessar a rede social. O mais recente capítulo do embate entre Moraes e o empresário Elon Musk, dono do X, voltou a amplificar teorias conspiratórias sem provas em grupos no WhatsApp e Telegram sobre fraude nas eleições de 2022 e de infiltrados da esquerda durante os atos golpistas de 8 de janeiro. A narrativa é de que os conteúdos que estão sendo disseminados eram sigilosos, estavam bloqueados por decisão do ministro e foram liberados “graças ao empenho” de Musk. Contudo, vários vídeos circulam no Brasil, pelo menos, desde janeiro deste ano e já foram desmentidos.
Levantamento feito pela Lupa a partir de dados coletados pelo monitor da Palver em grupos públicos de aplicativos de mensagens mostra que esses conteúdos podem ter alcançado mais de 42 mil diferentes usuários do WhatsApp e Telegram, entre quinta (29) e a manhã desta sexta-feira (30). Dentre os exemplos está um vídeo publicado em um grupo com 265 usuários que mostraria uma suposta fraude provocada por um mesário durante a votação. O que é falso.
As mensagens disseminadas também compartilham vídeos fora de contexto ou com críticas a Alexandre de Moraes que supostamente são sigilosos e que a qualquer momento podem ser retirados do ar — sem apresentar qualquer tipo de prova. "O vídeo retirado é esse aqui. Esse foi o vídeo que o Alexandre de Moraes mandou apagar. Vamos todos postar nas redes sociais. Quero ver ele mandar apagar de milhares de pessoas. Click nos três pontinhos para passar para cinco pessoas de cada vez.".
A legenda acima circula com um vídeo que mostra um trecho de um discurso do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), durante debate na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, em 22 de novembro de 2023. Na gravação, o parlamentar faz críticas ao teto remuneratório de juízes no Brasil. O contexto da fala se deu durante debate sobre Proposta de Emenda à Constituição n° 10/2023, que busca instituir a parcela mensal de valorização por tempo de exercício dos magistrados e membros do Ministério Público. 
Ao contrário do que diz a mensagem que circula nos grupos, o ministro Alexandre de Moraes não determinou que a gravação fosse apagada. A Lupa desmentiu esse boato em fevereiro deste ano. Em nota enviada à época, a assessoria de imprensa do STF informou que essa decisão nunca existiu. Outro indício que aponta para a falsidade da informação é o fato de que nenhum veículo de imprensa noticiou o caso. 
Uma das publicações compartilhadas nesses grupos mostra também um vídeo em que Alexandre de Moraes diz que é preciso "cativar o eleitorado e corroer a democracia por dentro". A mensagem nos grupos afirma que a gravação supostamente sigilosa foi liberada "graças ao empenho" do empresário Elon Musk. 
"Elon Musk está liberando os vídeos! Segura essa aí, seu ditadorzinho barato! COMPARTILHEM!!! M U I T O ....", diz a legenda da publicação que alcançou ao menos mil usuários na quinta-feira (29). 
Mas o vídeo, desmentido pela Lupa em abril deste ano, foi editado para que ganhasse outro sentido. Em nenhum momento Moraes defendeu “cativar o eleitorado” e “corroer a democracia por dentro”. Na verdade, ele usa a frase para fazer uma crítica. A fala vem de uma palestra dada pelo ministro do STF na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em 26 de fevereiro de 2024, na abertura da Semana de Recepção às Calouras e aos Calouros
No trecho original, que pode ser visualizado a partir de 2:20:05, Moraes citou essas estratégias como parte do método usado pela extrema-direita para atacar a democracia. 
“A partir de estudos feitos e aprimorados na extrema-direita norte-americana, isso teve método para atacar os três pilares das democracias ocidentais. ‘Vamos cativar o eleitorado e agora vamos corroer a democracia por dentro. Como corroer a democracia por dentro sem o discurso tradicional de golpe, de acabar com a democracia? Não. Vamos dizer que a democracia está falida e desvirtuada, não representa mais os anseios populares e nós, salvadores da pátria, vamos precisar substituir’. Não por outros motivos, a palavra liberdade é a mais usada pelos extremistas. Defesa da liberdade. Liberdade deles”, disse Moraes.

Fraude em urnas

Dentre as publicações já desmentidas que voltaram a circular nos grupos de WhatsApp e Telegram que alegam fraude nas urnas, há um vídeo que mostra uma mesária supostamente provando que o sistema eletrônico estava computando votos diferentes para Lula e Jair Bolsonaro. "Meu Deus, veja só o tipo de fraude. Quem assistiu, assista de novo: Poucos tiveram acesso a esse vídeo, pois, estava bloqueado pelo Psicopata do Crime (Cab. de Ovo), foi desbloqueado pelo Elon Musk. Todo material no dia da votação, aqui no Brasil, SUMIU", diz a legenda da mensagem.
A gravação que circula há quase dois anos foi feita em uma seção eleitoral de Rio Branco (AC), em que uma mulher mostra o terminal do mesário enquanto um dos eleitores vai à urna eletrônica votar. Após a computação do voto, ela diz que o eleitor votou duas vezes, sendo um voto para cada candidato à Presidência nas eleições de 2022: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). 
"O eleitor foi votar na urna e foi votado para dois presidentes: Lula e Bolsonaro. [O voto] foi computado para os dois", diz a mulher na gravação. O suposto registro de dois votos para presidente seria um indicativo de que a urna já teria sido programada para garantir a vitória de um dos políticos que concorriam à vaga. É falso. A Justiça Eleitoral explica que, no terminal do mesário, não há indicação de quem o eleitor votou. Essa informação só fica disponível após o final do pleito, quando é impresso o Boletim de Urnas (BU), que contém todos os votos registrados na respectiva urna, incluindo brancos e nulos. 
O vídeo mostra três números distintos no dispositivo eletrônico do mesário. O primeiro deles é o relógio, com o horário atualizado. A segunda linha mostra a quantidade de eleitores – com ou sem biometria – que compareceram à seção até o momento e o total de pessoas que votam no local. Já a terceira linha indica os eleitores com biometria cadastrada que não tiveram a digital reconhecida pelo leitor e precisaram ser liberados pelo ano de nascimento para votar, juntamente com o total do eleitorado com a digital cadastrada que compareceu às urnas até aquele horário. Ou seja, em nenhum momento o dispositivo mostrou o registro do voto do eleitor. 

Infiltrados no 8 de janeiro

Outra narrativa falsa que voltou a circular coloca em xeque as decisões de Moraes sobre os atos golpistas de 8 de janeiro, ao sugerir que integrantes da esquerda e de movimentos sociais, como o MST, participaram como infiltrados durante os ataques a Brasília.
"O vídeo retirado é esse aqui. Esse foi o vídeo que o Alexandre de Moraes mandou apagar da página do Bolsonaro. Vamos todos postar nas redes sociais. Quero ver ele mandar apagar de milhares de pessoas. Click nos três pontinhos para passar para cinco de cada vez", diz a mensagem compartilhada em um grupo com mais de 1 mil usuários. 
Novamente o conteúdo apontado como “censurado” é, na verdade, uma peça desinformativa já desmentida. O suposto vídeo mostra um homem quebrando vidraças de um estabelecimento. Ele usa capacete vermelho, roupa preta e segura uma vassoura. A legenda afirma que é um integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) conhecido por Hugo e que está destruindo um dos prédios dos Três Poderes durante os atos golpistas. É falso. Além disso, o vídeo não foi encontrado nas redes do ex-presidente Jair Bolsonaro. 
O episódio não tem nenhuma relação com os ataques em Brasília. A gravação foi publicada em 5 de janeiro de 2023, por um perfil no TikTok — antes, portanto, da invasão ocorrida em 8 de janeiro na capital federal. A conta se apresenta como sendo uma fabricante de vidros e exibe um número de contato com código DDI +86, que pertence à China – outra evidência de que o vídeo não tem relação com o que ocorreu em Brasília. Além disso, a gravação original exibe uma legenda em inglês que questiona por que a vidraça da porta se quebrou de maneira diferente das demais, sem citar nenhum ataque político.

Ordens de Moraes contra X

As intimações feitas por Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), aos advogados do X no Brasil foram, segundo a empresa, o estopim para o fechamento do escritório brasileiro da rede social no Brasil no sábado (17), quando o X demitiu os 40 funcionários que ainda atuavam no país. O empresário Elon Musk se pronunciou alegando “exigências de censura” do ministro Alexandre de Moraes. Na ocasião, o X expôs algumas intimações feitas por Moraes à empresa, como bloqueio de perfis. 
A reportagem da Lupa analisou os sete perfis que tiveram determinação de bloqueio por Moraes em 8 de agosto, além dos 12 perfis cujos dados cadastrais dos usuários foram pedidos pelo ministro aos representantes do X no Brasil. As contas aparecem nos despachos de Moraes destinados à empresa — indisponíveis para visualização por estarem sob sigilo. A maioria dos perfis que tiveram pedido para bloqueio ou de informações cadastrais têm em comum publicações falsas, ataques ao sistema de votação do Brasil, insinuações nunca comprovadas de fraude nas urnas eletrônicas no pleito de 2022 e ofensas a Moraes. 
Na quarta-feira (28), Alexandre de Moraes intimou Elon Musk a indicar um novo representante legal da empresa no Brasil, e deu ao X um prazo de 24 horas para ser cumprida, caso contrário, a decisão previa a suspensão da rede no Brasil. Musk reagiu com uma série de publicações contra Moraes, algumas com uso de inteligência artificial (IA). Em resposta, o X afirmou que não pretende cumprir as ordens. "Quando tentamos nos defender no tribunal, o Ministro ameaçou prender nossa representante legal no Brasil. Mesmo após sua renúncia, ele congelou todas as suas contas bancárias. Nossas contestações contra suas ações manifestamente ilegais foram rejeitadas ou ignoradas". 

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